Balangandãs de Parintins

A onça d’água do Mestre Jair Mendes

Vandir Santos e Jair Mendes
Postado por Simão Pessoa

O mestre Jair Mendes foi participar de uma pescaria de canoa com um velho conhecido, lá pras bandas do Rio Uaicurapá, na zona rural de Parintins. Quando passavam remando perto de um determinado local, seu parceiro avisou:

– Parente, vamos arrudiá aquela ilha porque nesses aningais tem uma tapiraiauara, que é um bitelo! Essa onça d’água é medonha, já vi a zinha uma pá de vezes! Ela tem cabeça e patas dianteiras de onça, um corpo de búfalo todo pintado e patas traseiras de cavalo. Ela não mexe com ninguém, mas sua catinga pode atordoar as pessoas…

Quando retornou a Parintins, Jair Mendes resolveu criar uma tapiraiauara para apresentar no boi Garantido.

Para brincar na parte dianteira da gigantesca alegoria foi escalado o varapau Gaxito que, com as mãos presas ao lado do corpo onde estavam os cordões para dar animação à cabeça da onça, desfilaria em pé.

Um caboco baixinho e de pavio curto, Japoca, seria responsável pelo corpo da tapiraiauara. Ele teria a missão mais difícil, pois iria desfilar levemente arqueado para a frente segurando na cintura de Gaxito.

Depois que os dois brincantes entraram nas suas respectivas fantasias, a parte da frente da alegoria foi costurada na parte traseira com linha de náilon. A onça d’água criada por Jair Mendes parecia uma girafa.

A tapiraiauara no desenho de Adeilso Oliveira

Quando a tapiraiauara entrou na arena, ficou todo mundo encantado. O felino balançava a cabeça para os dois lados, abria a bocarra, movimentava a língua e desfilava graciosamente, quase trotando.

Com dez minutos de desfile, a tapiraiauara começou a dar coices com as patas dianteiras de onça, tentando acertar na sua barriga de búfalo, e recebendo de volta violentas pernadas, dadas pelas patas de cavalo, que faziam a onça sair do chão.

Na plateia, ninguém estava entendendo nada.

De repente, a onça d’água caiu no chão e começou a estremecer, rolando de um lado pro outro como se estivesse tendo um ataque de epilepsia, até que se separou em duas partes.

A onça de duas patas saiu correndo em direção à saída da arena, sendo perseguida pelo búfalo sem cabeça e com pernas de cavalo.

A galera vermelha e branca não sabia se aplaudia ou se vaiava. Uma zona.

Mais tarde, no curral do Garantido, o varapau Gaxito foi explicar o que havia acontecido:

– Me disseram que a tapiraiauara soltava uma catinga disgramada, aí eu me preparei pra fazer bonito na arena e impressionar os jurados. No almoço, comi doze ovos cozidos de patativa do banhado, acompanhados de pirão de repolho com piracuí e purê de batata-doce. Na janta, detonei um arrumadinho misto de sardinha em lata, conserva desfiada, farinha-d’água, cebola e bastante tucupi. Pra rebater, tomei meia garrafada de mastruz e um litro de leite azedo. De búfala. Pensei que o lazarento do Japoca soubesse da história da catinga e estivesse preparado. Mas não. No que solto o primeiro pum, aquele fio da égua enfia o dedo no meu lorto. Comecei a dar coices pra trás, porque ele não queria mais tirar o dedo do lugar e eu não sou boiola. O leproso me deu umas três pernadas, que quase me derruba. No que faço força pra aguentar as pernadas, soltei a desgraceira toda. Ô gás medonho da muléstia, parente! Nem eu aguentei! Aí nós dois fomos pro chão e se embolemo na porrada! Foi isso…

A onça d’água foi rifada das apresentações do Garantido.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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