Balangandãs de Parintins

As minas “bilu-tetéia” do presidente Zé Walmir

Postado por Simão Pessoa

ABRIL de 1997. Tradição de quase meio século, a festa do Garantido no dia 1º de maio sempre termina na paróquia de São José Operário, localizada no bairro de mesmo nome, em Parintins. Logo após a celebração da missa é realizado o primeiro ensaio oficial do touro branco exclusivamente para a comunidade “perreché”.

Isso significa dizer que, uma semana antes da chamada “Alvorada Vermelha”, os nervos dos dirigentes do Garantido ficam à flor da pele. É um corre-corre danado para acertar os últimos detalhes do panavueiro, que começa sempre, impreterivelmente, às 17 horas do dia 30 de abril, na Cidade Garantido.

Cansado de levar bronca dos demais dirigentes da agremiação pelo fato de seu celular estar sempre ocupado, o presidente do boi, Zé Walmir, cometeu a imprudência de comprar um segundo celular.

Munido com os dois aparelhos na cintura, ele entrou na sala da presidência para começar a resolver os pepinos de última hora. O primeiro celular tocou. Ele atendeu.

Do outro lado da linha sua esposa, dona Hilarina, querendo saber com qual paletó ele iria participar da “Alvorada Vermelha”, o de cetim branco com lamê vermelho ou o de cetim vermelho com lamê branco. Os dois começaram a conversar.

De repente, toca o outro celular. Ele atende. Do outro lado da linha o coreógrafo do boi, Peguête, querendo saber quantas cunhans-porangas iriam fazer caras & bocas no camarote da presidência. Sem desligar o primeiro celular, Zé Walmir levou um papo reto com o coreógrafo:

– Olha, parente, eu vou precisar de pelo menos umas quinze. Mas só quero filezinho, carálio, só bilu-tetéia cheirando a leite! Tu não me vem com peito mole, que tu vai se fuder comigo! Só quero peito duro, porra, só filezinho, entendeu? Aqueles tribufus que tu arrumou da última vez pode enfiar naquele lugar onde as patas tomam. Tô falando sério, porra! Tu não me vem com peito mole, que só vai dar pro teu… Só quero filezinho, carálio! Só bilu-tetéia cheirando a leite!

Peguête desligou o celular e Zé Walmir retomou a conversa com dona Hilarina. Ela meteu um papo reto:

– Êi, meu velho, que conversa é essa de “filezinho”, “bilu-tetéia”, “peito mole”, “peito duro” e “tribufu”?… O que qui tu tá aprontando?…

Zé Walmir, nervosíssimo:

– Não é nada não, minha velha! São umas alegorias que o Roberto Reis está fazendo para o nosso ritual, mas que estão malfeitas pra burro… Só produziu índias feias, estão horríveis, vão ser motivo de gozação se a gente exibir na arena… Estou querendo que ele corrija tudo ou peça ajuda do Marialvo Brandão…

Dona Hilarina fez de conta que acreditou na história.

No mesmo dia, Zé Walmir se livrou de um dos celulares. Seguro morreu de velho.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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