Balangandãs de Parintins

Breve história dos Tuxauas de Parintins

Postado por Simão Pessoa

Um dos itens mais aguardados pelas duas galeras no Bumbódromo são as apresentações dos Tuxauas (mais conhecidos como “capacetes”) em momentos diferentes do espetáculo, de acordo com o enredo. Os Tuxauas são verdadeiras esculturas humanas, “vestidos” em fantasias extremamente criativas de até três metros de altura por dois metros de largura, com cada “cangalha” pesando em torno de 40 quilos. Por conta disso, eles pouco se movimentam na arena, mas cada um deles é quase um espetáculo psicodélico visual de tanta policromia existente nas fantasias.

Na primeira vez que viu os “capacetes” na arena, ao vivo e a cores, o carnavalesco Joãosinho Trinta foi à loucura. “Comparado com esses tuxauas, as fantasias de luxo do Clóvis Bornay eram roupas de normalista do Colégio Sagrado Coração de Maria”, alfinetou o carnavalesco. A entrada dos Tuxauas na arena é vista com muito respeito e emoção, já que supostamente trazem consigo o espírito ancestral dos primeiros habitantes da região e expressam a força e a valentia dos morubixabas, os grandes chefes das diversas tribos indígenas, muitas das quais já foram extintas. Os Tuxauas são chefes político-administrativos, diferentes dos Pajés, que são chefes espirituais.

No auto original, a presença dos índios é quase irrelevante. Eles são chamados pelo Diretor dos Índios (uma crítica velada ao “Diretório dos Índios”, a lei implantada pelo Marquês de Pombal, na Amazônia, em 1758, cujo principal objetivo era levar as populações indígenas a realizar a transição para a vida civil, de preferência produzindo gêneros voltados ao comércio) para ajudarem os vaqueiros a prender Pai Francisco, que se achava entrincheirado em um outeiro.

O dono da fazenda chama um padre para batizar os índios e transformá-los em “cabocos cristãos”. O padre, completamente de porre, começa a cantar: “Batizo os caboco / ao som do tambor / se forem à guerra / com Nosso Senhor / batizo os caboco / ao som da viola / se forem à guerra / com Nossa Senhora / batizo os caboco / ao som da rabeca / se forem à guerra / por lá levem a breca / Sou Padre, sou Padre / mas não coroado / levanta caboco / já está batizado / Sou Padre, sou Padre / de Jerusalém / levanta caboco / pra sempre amém”. Os índios “batizados” se juntam aos vaqueiros, prendem Pai Francisco, o entregam ao dono da fazenda e saem de cena.

Em Parintins, quem começou a se destacar visualmente como Tuxaua do boi Caprichoso foi José Monteiro de Souza, conhecido popularmente como “Zeca Xibelão”, primo dos radialistas Rubem e Marcos Santos. Até então, os Tuxauas parintinenses se fantasiavam como os índios dos filmes de faroeste: calça e coletes com franjas de tecido, mocassim e cocar típico, com caimento ao longo das costas. As tribos indígenas eram conhecidas como “tribos de Tontos”, em alusão ao índio comanche chamado Tonto, companheiro de aventuras do mascarado Zorro (“Lone Ranger”, no original), presentes nas HQs publicadas pela Ebal e nos filmes exibidos na cidade.

Ainda nos anos 50 e já um artesão de mão cheia, Zeca Xibelão substituiu as franjas de tecido por penas de pássaros e aumentou exponencialmente o tamanho do cocar, o transformando em uma escultura gigantesca presa à cabeça. Para a população começar a chamar aquilo de “capacete” foi conta de multiplicar. Os Tuxauas do “contrário” logo aderiram à invenção.

Trabalhando praticamente sozinho na confecção de sua fantasia, Zeca Xibelão enfrentava galhardamente os Tuxauas do Garantido desde o início do festival, em 1965, não tendo sido derrotado uma única vez. Entre outras bossas, ele inventou um jeito novo de bailar em que o pé baixava no contraritmo do surdo de marcação, levando a galera à loucura.

Em meados de 1980, o mestre Jair Mendes começou a fazer grandes capacetes no Garantido para equilibrar a disputa entre os Tuxauas, mas nem assim conseguiu quebrar a hegemonia de Zeca Xibelão. No máximo, os Tuxauas do touro branco empatavam com ele, nenhum conseguiu derrota-lo. O “capacete” de Zeca Xibelão era uma obra de arte, mas apenas para quem estava observando a 20 metros de distância. No Bumbódromo, entretanto, ele fatalmente desapareceria.

Em 1986, Jair Mendes bandeou-se para o Caprichoso. O novo alegorista do Garantido ficou sendo Vandir Santos, ex-assistente de Jair Mendes. Também considerado um artista plástico excpeccional, Vandir Santos passou dois anos tentando descobrir uma maneira de derrotar Zeca Xibelão até que um dia teve o seu “estalo de Vieira”: construir imensas alegorias, que “vestiriam” os Tuxauas do Garantido de uma forma nunca antes vista em Parintins. Não deu tempo para ver se essa nova estratégia iria dar certo.

O campeoníssimo Zeca Xibelão faleceu em 1988, no ano de inauguração do Bumbódromo, e foi homenageado no ano seguinte com uma toada de J. Carlos Portilho: “O primeiro tuxaua partiu / num capacete alado subiu / foi para o céu todo azul / juntar-se aos seus ancestrais / fumar cachimbo da paz / com nosso Deus criador / Minha galera chorou / mas vai enxugar o seu pranto / na camisa azul e branca / no capacete espelhado / no passo cadenciado / que Xibelão ensinou”.

Também em 1988, as “tribos de Tontos” ainda remanescentes começaram a dar lugar de vez às tribos amazônicas tradicionais por iniciativa de um artista do Garantido, Ito Teixeira, que depois migraria para o Caprichoso.

Foi Ito Teixeira o primeiro a apresentar o esboço de um ritual indígena, que dos anos 90 em diante se tornaria o ponto alto do festival. Ele disse que se inspirou nos “sacrifícios” comandados por índios selvagens e exibidos nos filmes de Tarzan, Bonanza e Jim das Selvas. É ele que conta:

– A primeira apresentação do ritual foi em 1983. Ela começou com uma encenação que incluía apenas uma moça a ser sacrificada e a minha tribo, a tribo dos Carajás, que já era inspirada nos índios do Xingu. Nós colocamos a menina em meio de um círculo de fogo e dançamos em volta com umas tochas acesas. Esse círculo no centro da arena combinado com a fumaça negra que saía das tochas e com os índios gritando em volta, deu um efeito bastante interessante, que repercutiu positivamente entre os torcedores do Garantido. Daí por diante eu comecei a fazer apresentações muito parecidas com essa, mas já envolvendo várias tribos e sempre utilizando fogo e fumaça para criar novos efeitos na arena. Em 1988, eu tive a ideia de colocar umas rampas na arena do bumbódromo em que os índios iriam subir e descer, subir e descer, criando um efeito visual muito bonito. Depois, quando eu fui para o Caprichoso, eu criei um cenário para as apresentações de rituais, colocando um tablado em que foi colocado o pajé, que nessa primeira vez foi o Waldir Santana. Eu convenci o Waldir a dançar como pajé, pois os pajés dos bois eram muito estáticos, pareciam os tuxauas, e eu entendia que o pajé tinha que ser dançarino, fazer movimentos acrobáticos. E depois que eu defini essa movimentação alegórica, criei os tablados, os índios lá no meio e o fogo em volta, com o pajé dançando no centro, isso foi praticamente o marco dessa apresentação coletiva que configurou o ritual dos dias de hoje. O ritual começou em função disso com a apresentação da tribo dos Carajás e depois unindo várias tribos e a cada ano fazendo as apresentações diferentes, no solo, no tablado de madeira e posteriormente com as alegorias que começamos a fazer, aí virou um fato novo. Foi o ritual que começou a dar dimensão gigante às alegorias e à quantidade de módulos na arena. O Garantido deu início ao ritual, era uma apresentação que só o Garantido fazia. Como não era item de julgamento, mas fortalecia a apresentação, o Caprichoso percebeu que estava levando desvantagem e então aderiu ao ritual. Depois que o Caprichoso começou a fazer o ritual, durante uma das reuniões que ocorreram na antiga tribuna, que era discussão do novo regulamento, eu chamei o Simão Assayag e o Karu Carvalho e sugeri que, como já estava consolidado, o ritual passasse a ser item de competição e assim foi feito. Eu também tive a ideia de usar velas na arquibancada e apagar as luzes, esse foi um outro marco na história do festival, uma maneira diferente de apresentar o boi, as alegorias começaram a vir com luzes, a galera com luzes nas mãos, até se transformar nessa ópera a céu aberto com efeitos de luz cênica cada vez mais profissional.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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