Balangandãs de Parintins

Chico da Silva, nosso Sinhô do samba e das toadas (2)

Postado por Simão Pessoa

Por Simão Pessoa

Janeiro de 1991. Desde que retornara a Parintins, o cantor e compositor Chico da Silva andava cabreiro com uma situação concreta: os bois não pagavam um centavo pelas toadas feitas pelos compositores.

Na verdade, os bois só contavam com a ajuda financeira dos próprios torcedores para fazer o espetáculo na arena, já que não recebiam verbas oficiais do governo e nem possuíam patrocinadores da iniciativa privada. Pagar pelas toadas era um luxo que estava fora de cogitação.

Pior: as fitas K7 gravadas pelos bois, que poderiam resultar em algum retorno financeiro, haviam se transformado em um negócio rendoso para os vigaristas de plantão. Para cada fita oficial vendida, havia cerca de 10 fitas “piratas” sendo vendidas por um preço ligeiramente inferior. Não havia como concorrer com os “piratas”.

Um belo dia, o presidente do Garantido, Zezinho Faria, fez uma visita de cortesia ao compositor do Caprichoso e aproveitou a oportunidade para fazer uma “proposta indecente”, tendo em vista a rivalidade entre os bumbás:

– Porra, Chico, esse ano, infelizmente, os nossos compositores não estão acertando a mão e eu queria te propor um negócio sigiloso: me faz duas toadas, que te pago Cr$ 10 mil pelas duas!

Chico da Silva nem pensou duas vezes para fazer uma contraproposta:

– Me arruma Cr$ 15 mil, que te faço três toadas e te dou uma quarta de graça!

Zezinho Faria concordou.

Era a primeira vez na história que um compositor receberia pelo seu trabalho musical, ainda que na moita, por debaixo dos panos, no maior sigilo.

Um mês depois daquele encontro, Chico da Silva entregou as três toadas, “Dois pra lá, dois pra cá”, “Boi do Carmo” e “Meu Boi Bonito”, e botou a mão na grana. Uma semana depois, entregou a quarta toada, “Boi de Veludo Branco”, parceria dele com o manauara Paulo Onça.

Como o compositor manauara já fazia toadas para o Garantido sem receber um centavo, também não precisava saber do acerto financeiro entre o compositor parintinense e o presidente do bumbá da Baixa de São José.

Chico da Silva também não tocou no assunto quando avisou a J. Carlos Portilho que estava deixando o Caprichoso para ser compositor do Garantido por questões de foro íntimo.

O diabo é que assim que começou a ser ensaiada no curral do touro branco, a toada “Boi do Carmo” se tornou um clássico instantâneo na ilha: “Minha Santa, paz e amor / Nossa Senhora, proteção de Parintins / Boi Garantido numa forma de oração / pela fé e gratidão / lhe traz rosas e jasmins / Salve os caboclos / guerreiros Parintintins / valentes Tupinambás / que protegem teus jardins / Lá na fazenda a boiada tá gorda / e no terreiro curumins e cunhantãs / alegremente correm pra lá e pra cá / dançando meu boi-bumbá / na pureza das manhãs / E aos domingos após missa na matriz / o meu povo está feliz / Salve irmãos e salve irmãs / Boi, boi, boi, boi, boi-bumbá / é boi do Carmo, de amor e de fé / da Baixa de São José.”

Em abril daquele ano, Chico da Silva estava saindo do Clube Nostalgia, em Manaus, onde havia ocorrido o “curral do Garantido”, quando foi abordado por Afrânio Gonçalves, Arlindo Júnior e João do Carmo, o “Careca”, integrantes “full time” do famoso Comando Delta do bumbá Caprichoso. O juiz Afrânio Gonçalves foi o primeiro a falar:

– Olha, parente, o Zezinho Faria abriu o jogo com a gente e está tudo certo, não vimos problema algum. Eu estou aqui com Cr$ 5 mil em dinheiro vivo para você fazer uma toada pra gente no mesmo nível da toada Boi do Carmo. Nós estamos homenageando o seu Waldir Viana e é consenso que você é o compositor mais qualificado para fazer uma toada para o nosso missionário da luz!

Chico da Silva botou a mão na grana e uma semana depois entregou a toada “Missionário da Luz”, que também se transformou em um sucesso instantâneo na ilha: “É abençoada a mão que cura / essa vida linda vem de Deus / mas a convivência vem de nós / e para nós também os céus / Tudo Deus criou / fez até o homem / divino e perfeito / e o abençoou / Alô Seu Waldir Viana / o bem que da ilha emana / anjo amigo alma pura / missionário da luz / a fé cristalina do amor / nobreza suave da flor / a mão que nos cura / com a fé de Jesus / Boi Caprichoso mandou / cantar pro Waldir a toada / ao som da nossa Marujada / por todos aqueles que ele curou.”

Naquele ano, pela primeira e única vez no Festival de Parintins, a disputa de “Toada, melhor letra e música” foi feita entre duas toadas de um mesmo compositor: “Boi do Carmo”, do Garantido, e “Missionário da Luz”, do Caprichoso. A disputa terminou empatada, claro, com os jurados dando 10 unanimemente para as duas composições. O Chico da Silva é danado!

 

NR: Neste domingo, 13, Dia dos Pais, Chico da Silva vai estar fazendo duas apresentações imperdíveis. A partir das 13h, ele vai estar na quadra do GRES Andanças de Ciganos, na rua Borba, entre as ruas Parintins e Tefé, na Cachoeirinha. A partir das 18h, ele vai estar na Casa de Praia Zezinho Corrêa, na Ponta Negra. Prestigie esse nosso grande artista popular, que ele merece.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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