Balangandãs de Parintins

Chico da Silva, nosso Sinhô do samba e das toadas (3)

Postado por Simão Pessoa

Por Simão Pessoa

Junho de 1995. O bumbá Caprichoso havia se consagrado tricampeão do Festival de Parintins e a festa na parte azul da cidade estava apenas começando.

O compositor Chico da Silva, acompanhado da esposa Edma, foi visitar os sogros. É ele mesmo que conta:

– Eu estava lá na Baixa de São José, porque minha mulher é da Baixa. Minha mulher nasceu bem em frente ao curral do Garantido, o antigo, o “curralzinho” do Mestre Lindolfo. Eu estava lá, ouvindo pelo rádio que o Caprichoso havia ganhado o festival. Eu ouvi quando a Edma falou: “Chama o Chico aí pra ele ver uma coisa!” Quando olhei pela janela, aquela rua de frente ao Garantido, ali da Baixa, estava apinhada de gente. Estava tudo vermelho. Era gente que não acabava mais descendo em direção ao curral, para brincar, para se reunir lá, para sair, para fazer uma passeata. Eu indaguei: “Mas como? Ele não acabou de perder?” E fomos pra festa. Mesmo perdendo, a galera do Garantido saiu toda encarnada, percorrendo as ruas da ilha, tirando todo mundo de casa para mostrar que, mesmo sem ganhar, a paixão ia continuar e continuava intensa. Eu achei aquilo muito bacana e recordei dos jovens arrebatando outros jovens para fazer a revolução soviética, no filme “Reds”, do Warren Beatty. De repente eu vi, na avenida Amazonas, um mar vermelho, vermelhusco, vermelhante, vermelhão. A inspiração surgiu dessa paixão, dessa ideologia, da cultura popular. É uma toada que fala de amor e paixão de forma geral, por isso mexe com muita gente.

Chico da Silva conta que levou duas semanas para fazer letra e música: “A cor do meu batuque tem o toque / E tem o som da minha voz / Vermelho, vermelhaço / vermelhusco, vermelhante / Vermelhão (vermelhão) / O velho comunista se aliançou / ao rubro do rubor do meu amor / o brilho do meu canto tem o tom / e a expressão da minha cor / Vermelho / Meu coração é vermelho / hei, hei, hei / de vermelho vive o coração / ê, ô, ê, ô / Tudo é Garantido após / a rosa vermelhar / tudo é Garantido / após o sol vermelhecer / Vermelhou o curral / a ideologia do folclore / avermelhou / Vermelhou a paixão / o fogo de artifício / da vitória vermelhou.”

– Na realidade, eu faço uma crítica velada ao comunismo, que se transformou na maior vergonha da humanidade depois de ter iludido muitas gerações com aquela promessa de sociedade mais justa e igualitária. O velho comunista se aliançou ao rubro (que é o dinheiro, o rublo) do rubor (que é a vergonha, o constrangimento) do meu amor. Eu simplesmente brinquei com as palavras, substituindo o rublo (dinheiro russo) por rubro, para ficar mais de acordo com a nossa pronúncia regional. A gente não fala problema, a gente fala “pobrema”…

Essa “brincadeira” com as palavras levou ao questionamento sobre quem seria o “velho comunista”. Muitos acreditavam que fosse Amazonino Mendes, pelo seu engajamento político no PCB quando era mais jovem, o que foi logo rebatido pelo compositor.

– Não teve nada a ver. Eu fiz uma crítica à ideologia comunista, que desmoralizou o socialismo, e não a essa ou àquela pessoa em particular. E, na verdade, é um detalhe tão pequeno e insignificante no corpo da letra que nem vale a pena perder tempo com isso – diz o compositor.

O apresentador e cantor Paulinho Faria foi literalmente o defensor da toada. Ele a descobriu durante uma visita casual à residência de Chico da Silva e pediu para defendê-la na seleção anual de toadas para o disco oficial do Garantido.

Apesar de ser hoje uma espécie de “hino oficial” do touro branco, a toada “Vermelho” quase ficou de fora da seleção musical – passou pela banca julgadora por apenas um décimo.

– Os 11 jurados não queriam aprovar a música, mas eu insisti. Era para eu defender a toada cantando três vezes, mas eu cantei sete. E acho que a toada só passou porque minha irmã estava na comissão julgadora – recorda Paulinho Faria.

Amigo de longa data de Fafá de Belém, Chico da Silva conta que ela o convidou para fazerem a gravação em dueto. “Eu disse a ela: Ah, minha linda, de forma alguma. Você vai me engolir com esse seu vozeirão angelical. Vou te apresentar alguém que vai dar conta do recado”, revela, ao contar que indicou David Assayag. E assim foi feito.

– Até hoje é uma toada indispensável no repertório do meu show. Foi uma música que me projetou nacionalmente, se imortalizou e levou o nome da nossa festa para o mundo inteiro – declara David Assayag.

A cantora Márcia Freire, ex-integrante da banda Cheiro de Amor, também gravou uma versão.

– Gosto demais das duas versões. Até hoje é uma música que me rende bons frutos, muita gente me conhece por causa dela. Mas não é a minha toada preferida, não – revela a cantora, ao citar “Festa da Raça” como sua composição preferida do Garantido.

A toada “Vermelho” chegou às rádios e programas de televisão de todo o País, além de levar o cantor David Assayag para apresentações na Alemanha, França, Portugal e Itália.

– É uma letra e uma música muito bem-feita, com um refrão muito forte, o que atrai a galera. Independentemente de ser do Garantido, ela projetou a cultura dos dois bois. E eu sempre a interpretei e interpreto pensando em mostrar a beleza da nossa festa – diz o eterno Rei David Assayag.

Paulinho Faria ressalta que, assim como “Tic, tic, tac”, “Vermelho” continua sendo um símbolo da cultura dos bumbás.

– Muitas toadas são esquecidas, mas estas duas, onde vou, todo mundo sabe cantar, lembra dela, acompanha a canção direitinho – diz.

Ele ressalta que a toada virou hino até no futebol.

– O Internacional, do Rio Grande do Sul, adotou o refrão que é sempre cantado pela sua torcida, assim como o Benfica de Portugal, especialmente porque os portugueses adoram a Fafá de Belém. É uma toada que se imortalizou – resume.

Mais um gol de placa do talentoso Chico da Silva.

NR: Neste domingo, 13, Dia dos Pais, Chico da Silva vai estar fazendo duas apresentações imperdíveis. A partir das 13h, ele vai estar na quadra do GRES Andanças de Ciganos, na rua Borba, entre as ruas Parintins e Tefé, na Cachoeirinha. A partir das 18h, ele vai estar na Casa de Praia Zezinho Corrêa, na Ponta Negra. Prestigie esse nosso grande artista popular, que ele merece.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment