Em 1996, com o festival de Parintins entrando no seu momento mais criativo e se transformando em referência internacional, Fred Góes dá outra tacada de mestre: junto com o também músico Sidney Resende, ele arregimenta um grupo de músicos da ilha e cria o Regional Vermelho e Branco, o primeiro grupo a se apresentar em shows acústicos antes e depois do festival de Parintins e o primeiro grupo a gravar um CD de toadas. Para Fred, aquela era uma maneira legítima de os músicos permanecerem em atividade independente da sazonalidade do festival. E pelo número de “grupos de boi” que surgiu depois do Regional Vermelho e Branco, essa também foi uma iniciativa vitoriosa.
Um ano depois, Fred estava em casa, compondo uma nova toada, quando toca o telefone. Do outro lado da linha, num portunhol sofrível, um sujeito entabula uma conversa esquisita:
– Señor Fred Góes?… Ah, si, como no… Acá quem fala es mister Pablito Milongués… Soy empresário del noche em Chile… Yo quiero contratar usteds para duas semanas de espetaculos em Viña del Mar… Si, si… Estoy em hotel Imperial, acá en Manaus… Vienam, vienam… Yo voy pagarle 5 mil dólares por show en el Casino Viña del Mar… Si, si, como no… Si, si, es invierno… Mucho, mucho frio… Abajo de 10 graus, quiero crer… Pero, por supuesto, em Manaus ahi muy buenos agasalhos… Si, si, vienam, vienam… El contrato vos espiera… Si, si, muchas gracias, señor Fred Góes… Estay agendado… Saluto para vosotros…. Gracias, gracias!
Fred ficou em estado de graça. E correu para contar a boa-nova pros parceiros. No mínimo, aquilo era o início de uma carreira internacional. Duas semanas na capital turística do Chile por certo geraria dividendos para, depois dali, ganharem o mundo. Era pegar ou largar. O músico Paulinho du Sagrado quis largar.
– Porra, meu irmão, a gente aqui é tudo um bando de liso. A gente não tem grana nem pra chegar em Manaus. Cumé qui a gente vai custear uma viagem até o Chile?…
Fred não se fez de rogado.
– O nosso papo agora é chegar até Manaus para assinar o contrato com o gringo. Depois, talvez a gente descole um adiantamento com ele para as passagens. Só que a gente não pode chegar junto do cara com jeito de esfamiado, que pega mal. Vamos levantar a grana que a gente puder e fazer bonito. O resto vem na sequência.
Dito e feito.
Fred Góes vendeu dois violões de estimação, quase aos prantos. Sidney Resende vendeu um três-em-um da Sony, novinho em folha, pela metade do preço. Paulinho du Sagrado pegou emprestado uma grana da irmã – sem ela saber. Buião meteu a mão na poupança que a duras penas estava economizando para pagar a faculdade do filho, então com quatro anos. Os outros músicos fizeram a mesma coisa. A grana apurada era suficiente para pagar as passagens de barco até Manaus e, com sorte, comprar meia dúzia de casacos de esquimós em liquidação na loja Oriente. Era aquilo ou morrer enregelado no sul do Chile. Determinados como um grupo de vikings, eles foram à luta.
Chegando em Manaus, enquanto os músicos iam às compras na loja Oriente, Fred Góes foi na casa de seu irmão, o advogado Wander Góes, procurador-geral e plenipotenciário da Assembleia Legislativa do Amazonas há mais de três décadas. Com certeza ela teria umas merrecas acumuladas e não se negaria a ajudar o irmão naquela empreitada internacional.
Enquanto Wander enchia os copos de uma legítima “branquinha” mineira, Fred começou a contar o motivo da odisseia (ele não pisava em Manaus havia quase duas décadas).
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Wander lhe estendeu um dos copos, fez o brinde tradicional, e caprichou na pronúncia:
– Señor Fred Góes?… Ah, si, como no… Acá quem fala es mister Pablito Milongués… Soy empresário del noche em Chile… Yo quiero contratar usteds para duas semanas de espetaculos em Viña del Mar… Si, si…
Quase que sai porrada entre os dois irmãos.
E a loja Oriente também não aceitou a devolução dos casacos de pele.