Por Marcos Santos
No princípio eram os bumbás feitos de cipó e espuma, depois cobertos de veludo e incrementados com pó brilhante. Luiz Gonzaga, fundador do Caprichoso, passava o ano inteiro levando o melhor peixe para os mecenas do bumbá, em troca do veludo e do pó brilhante, artigos raros na Parintins daqueles anos.
Aí veio Jair Mendes, na primeira noite do Festival de Parintins, em 28/06/1978, e criou o “Boi Biônico”. Pronto. Estava virada a página da história precursora da festa e, a partir de então, o céu é o limite. Jair se foi, neste sábado (15/03). É hora da triste despedida.
Em 1988, ano de inauguração do Bumbódromo, Jair estava cansado com os atrasos de salários no Garantido e aceitou uma proposta tentadora do Caprichoso. Levou em conta a paixão da esposa, Ana Mendes, de saudosa memória, que insistia para que desse uma chance ao bumbá pelo qual torcia.
Jair, muito desconfiado, tateando no ambiente inteiramente novo e até então rival, encontrou comigo como apresentador. Naquele tempo, não havia cachê e o cara do microfone pagava passagem, estadia, parte da roupa etc. Chegava três dias antes da festa e ia deixando para trás empregos na capital, para poder fazer frente à paixão de infância e tributo familiar.
A confiança entre nós foi, aos poucos, aumentando. Ele começou a contar os segredos que estavam guardados na cartola para a apresentação. Sentia muita falta de Paulinho Faria, que também já se foi, e me queria perto em tempo integral, para mostrar o caminho das pedras.
Mestre Jair tinha a arena na cabeça. Ele sabia o que o público gostaria de ver e como fazer para agradá-lo.
A cobra grande teria que ser duas vezes maior que as do Garantido. E o boi ganharia movimentos, mas não se limitaria a isso: Jair me segredou que ia fazer o boi sumir no meio da arena e aparecer na arquibancada. Prometeu, trabalhou e cumpriu. Foi um verdadeiro sucesso na torcida porque o Caprichoso entrou brincando e, de repente, no meio dos vaqueiros, desapareceu completamente.
Jair, do Boi Biônico e do Caprichoso Mágico, foi o mestre de Marquinhos e Juarez Lima, entre muitos outros. Criou os dois bumbás, no que eles são hoje. Mudou a lógica dos capacetes dos tuxauas, que antes se limitavam à criação de Zeca Xibelão (feitos com recursos dele, que se eternizou pelo inimitável bailado e dá nome ao curral). Tornou praxe tirar surpresas das alegorias.
O mestre dos mestres nos deixa, como principal legado, a magia do Festival de Parintins. E uma amizade fraterna, amável, aconchegante, daquelas que não admitia pisar na Ilha Tupinambarana sem visitá-lo.
Parintins, neste sábado (15/03), perdeu o Pai de todos os artistas, aquele que melhor sintetizou a criatividade e a arte da Ilha dos Bumbás.
Você jamais será esquecido, amigo. Descanse em paz.
(Publicado no Portal do Marcos Santos, em 16/03/2025)