NASCIDO NA localidade de Santa Marta, no município de Barreirinha, no dia 8 de julho de 1932, Antônio Pacífico Siqueira Saunier, o saudoso Tonzinho Saunier, faleceu em Parintins, em 1999, aos 67 anos, alguns anos depois de ter recebido o título de “Cidadão Honorário de Parintins”.
Poeta, historiador, folclorista e antropólogo autodidata, ele dedicou grande parte de sua vida cultura amazônica, divulgando suas descobertas em mais de 300 crônicas e contos, abordando lendas e mitos. Publicou vários livros e hoje empresta seu nome à Biblioteca Municipal de Parintins.
Considerado o maior historiador do município, Tonzinho Saunier era um profundo conhecedor da vida do caboclo ribeirinho com quem viveu e conviveu durante suas inúmeras andanças pela floresta. Em um de seus livros, o já citado “Parintins: Memória dos Acontecimentos Históricos”, ele dá a sua versão sobre o surgimento dos bumbás:
O folclore de Parintins iniciou, certamente, com os primeiros habitantes de nossa ilha: maués, sapopés, mundurucus, parintins, parintintins, pataruanas, paraueris, paravianas, tupinambás, tupinambaranas e uapixanas. As principais festas eram as danças da tucandeira ou tocandira, dos maués e mundurucus. Os maués celebravam como festa nupcial e os mundurucus como sinal de emancipação e robustecimento de provas. Os mundurucus também tinham a festa da vitória, onde exibiam a cabeça do inimigo enfeitada de plumas.
É sabido que o folclore indígena decantava a natureza com tudo nela existente: os pássaros, os animais, as árvores, as plantas medicinais e ervas aromáticas, e a imaginação criou os monstros das florestas e das águas: jurupari, juma, mapinguari, curupira, yara, acâuera-de-fogo, cobra-grande, tapirayauara e tantos outros seres misteriosos e encantados, como o neguinho do campo-grande e o bicho folharal.
Em 1859, o médico alemão Robert Cristian Avé-Lallemant, em viagem científica pelo rio Amazonas, chegou a Parintins (à época Vila Bela) e andou por seus vários recantos. Era o dia de São João e uma “preguiça” especialmente bela e genuinamente patriarcal era oferecida à gente de Vila Bela. O boi-bumbá (herança nordestina de nossos antepassados) adveio com os nordestinos em fins do século XIX e começo do século XX.
Entre 1910 e 1912, surgiu o boi Diamantino, do piauiense Ramalhete. Em 1913, surge o boi Caprichoso, trazido de Manaus pelo Sr. Emídio Vieira e em 1915, o boi Fita Verde do Aninga, do Sr. Izídio Passarinho, e em 1920, o boi Garantido, criado pelo poeta popular e folclorista Lindolfo Monteverde.
Nas décadas de 30 a 60, os bumbás, cordões de pássaros e de peixes, as pastorinhas, dançavam nas residências ou à frente delas e andavam pelas ruas deleitando o povo, que os acompanhava. Ficaram famosos à época, os cordões de pássaros: o rouxinol do Florival Telegrafista, o bem-te-vi e a gaivota do Venâncio, e o guará do Sr. Justiniano Seixas. O tangará marcou época na década de 50. Os cordões de peixes: do Uaicurapá, veio o tambaqui (peixe de carne saborosa da Amazônia), que era conduzido espetado por uma menina que vestia roupas coloridas. Houve, ainda, os bumbás mirins: Tira Teima, do Gêco, e o Dois de Ouro do Nego, do Alcides Seixas.
No período carnavalesco, apareceram a Barca Misteriosa, do Sr. Raimundo Almada, e o Cordão do Bode, do barbeiro João Lobo. Outra brincadeira que animou o povão foi o Vaso de Guerra e o Navio Fortaleza, que alegravam as noites com seus encontros e “batalhas navais”, com fogos de artifício e ronqueiras (artefatos pirotécnicos formados por um cano de ferro, preso a um cepo e cheio de pólvora, o qual produz grande detonação quando se lhe inflama a escova). Depois das “batalhas”, todos se confraternizavam na festa do fogueteiro.
A Grande Enciclopédia da Amazônia, de Carlos Roque, editada nos anos 60 registra: Garantido: boi-bumbá da cidade de Parintins, Estado do Amazonas. Dos mais tradicionais, tendo-se inclusive exibido em Manaus no festival do folclore; Caprichoso: boi-bumbá dos mais tradicionais de Parintins, Estado do Amazonas; Tira-Fama: boi-bumbá da cidade de Parintins, Estado do Amazonas; Mina-de-Ouro: boi-bumbá do distrito de Parananema, município de Parintins, Estado do Amazonas.
As pastorinhas, mesmo em declínio, ainda aparecem vindas principalmente do interior, e as quadrilhas, por serem festas populares, exibem-se no Bumbódromo, na abertura do Festival Folclórico.
O Folclore do Boi-Bumbá – O Festival Folclórico de Parintins tem seu ponto culminante nas apresentações dos bumbás Garantido e Caprichoso, todos os anos nos dias 28, 29 e 30 de junho. É conhecido internacionalmente e, durante o mês de junho, chegam a Parintins visitantes de todo o mundo, atraídos pela beleza e magnificência do nosso festival. Chegam ministros de Estado, políticos de todo o Brasil, artistas famosos, escritores, poetas e a imprensa escrita, falada e televisionada de todo o mundo, que transmitem imagens, publicam matérias jornalísticas com fotos e anunciam fatos e novidades do folclore da Ilha Tupinambarana.
O Festival Folclórico iniciou em 1966, na quadra da JAC (Juventude Alegre Católica), até 1975. Do 1º Festival ao 9º, na JAC da Praça da Catedral de Nossa Senhora do Carmo. O 10º Festival, na JAC da Rua Jonathas Pedrosa. O 11º e 12º, na quadra da CCE (Comissão Central de Esportes), no Parque das Castanholeiras. O 13º na JAC da Avenida Amazonas. O 14º no CCE-Castanholeiras. O 15º, 16º e 17º no Estádio de Futebol Tupy Cantanhede. 0 18º no Tabladão do Povo (antigo aeroporto). Do 19º ao 22º, no Tabladão do Povo, cujo nome foi mudado para Anfiteatro Messias Augusto. Do 23º Festival (ano de 1988) em diante, o Festival de Parintins passou para o Bumbódromo.
Obra monumental do governador Amazonino Mendes, o Bumbódromo foi construído na gestão do ex-prefeito Gláucio Bentes Gonçalves. Sua área é de 10 mil m², com capacidade para 50 mil pessoas. Estrutura em forma de uma cabeça de boi estilizada, mista de ferro e concreto pré-moldado. Foi inaugurado em 1988, no 23º Festival. O complexo tem ainda pronto-socorro, 18 salas de aula, biblioteca, lanchonete e outros compartimentos. Concorrem ao Festival, os bumbás Garantido e Caprichoso, com quatro mil brincantes cada um, apresentando figuras típicas regionais, alegorias com danças amazônicas, danças e tribos indígenas.
Os preparativos para o Festival Folclórico iniciam-se no mês de abril. Concorrem 22 itens para o julgamento do campeão anual. São eles: apresentador, levantador de todas, batucada, ritual, porta-estandarte, amo do boi, sinhazinha da fazenda, rainha do folclore, cunhã-poranga (do tupi: mulher bonita), boi-bumbá (evolução), toada (letra e música), pajé, tribos indígenas masculinas, tribos indígenas femininas, tuxaua luxo, tuxaua originalidade, figuras típicas regionais, alegorias, lenda amazônica, vaqueirada, galera (torcida) e coreografia, organização, animação e conjunto folclórico.
Para o julgamento são convidados seis jurados, de preferência folcloristas e artistas plásticos de três estados do Brasil, sendo dois jurados de cada estado, que chegam a Parintins até o dia 27 de junho e ficam sob vigilância dos fiscais dos bumbás até o dia 30 de junho. Em cada dia de julgamento são sorteados três jurados. Dia 1º de julho é feriado e são abertas as urnas e contados os pontos, na presença das autoridades do município e dos fiscais dos bumbás. O vencedor sai em passeata, mas somente dentro de seu território. O domínio do Caprichoso é da Praça Eduardo Ribeiro a leste, até o fim da ilha. O domínio do Garantido é da mesma praça a oeste, até o fim da ilha. Durante as apresentações no Bumbódromo, a galera do Caprichoso fica em silêncio absoluto quando o Garantido se apresenta, acontecendo o mesmo na exibição do Caprichoso.
Os Bois Bumbás – O Caprichoso “nasceu” em Manaus, em 1912 e foi trazido a Parintins, em 1913, pelo Sr. Emídio Rodrigues Vieira. Foram seus iniciadores Boboí, Luiz Gonzaga, José Leocádio, Emílio Silva, os irmãos Cid (Raimundo, Pedro e Félix, cearenses, naturais de Crato) e tantos outros. Uma versão aponta que quem trouxe o Caprichoso foi o coronel José Furtado Belém, quando visitou a Praça 14, onde o boi se apresentava, em 1913. Já outra versão diz que o Caprichoso foi fundado em março de 1925. É um boi preto e suas cores são azul e branco. Possui uma estrela na testa, que foi introduzida no ano de 1996. Seus currais situaram-se em diversos lugares: primeiramente na Travessa Rio Branco, depois foi para o Aninga e, posteriormente, se mudou para a Travessa Cordovil, permanecendo ali por muitos anos. Hoje, seu curral definitivo situa-se na Rua Gomes de Castro, nas proximidades do bairro de Palmares.
Garantido – No dia 21 de junho de 1970, estive com Betinho Mendes na casa de Lindolfo Monteverde, o cantador maior do folclore do boi-bumbá da ilha. Era o 5º Festival Folclórico de Parintins, havendo festa no curral do Garantido. Fazíamos uma pesquisa que publicamos no jornal A Tribuna em 28 de junho. Mestre Lindolfo sentou-se entre mim e Betinho, juntamente com dona Antônia, sua esposa, e passou a nos contar a história do Garantido. Estas foram as palavras de Mestre Lindolfo: “Eu tinha dezoito anos em 1920, quando botei, pela primeira vez, o novilho que completa este ano 50 anos de existência e por isso estou alegre. O Garantido sucedeu ao boi Fita Verde, do meu compadre Izídio Passarinho, do Aninga.”
O Garantido exibiu-se pela primeira vez com 40 figuras: cantadores, caboclos, vaqueiros, pajé, Bicho Folharal, Pai Francisco, Mãe Catirina, Dona Maria e o Padre. Fundado em junho de 1920 (o dia não foi registrado). É branco e suas cores são o vermelho e o branco. Possui um coração na testa, que foi introduzido desde a sua fundação. Seu curral situava-se na Rua Lindolfo Monteverde, na baixa de São José. Atualmente, situa-se na Estrada Odovaldo Novo, nas antigas dependências da extinta Fabril Junta, carinhosamente denominada Cidade Garantido.
Campineiro – Surgiu em 1977, no bairro de Palmares. No ano seguinte, disputou com o Garantido o título do 13º Festival, conseguindo o 2º lugar. Em 1983, disputou também com o Garantido, conseguindo a mesma colocação. Depois dessa competição, desapareceu. Suas cores eram verde-esmeralda e branco, e teve toadas que marcaram sua ligeira passagem pela ilha.
Garranchoso – Boi-mirim do Colégio Nossa Senhora do Carmo. Tem as cores vermelho, azul e branco, sendo que um lado do boi é branco e o outro é preto. Um fato curioso foi ter sido cedido para servir de Caprichoso para os índios maués do rio Andirá.