Balangandãs de Parintins

Paulinho Faria, o enfant terrible da ilha

Postado por Simão Pessoa

JUNHO de 1991. Os dois bumbás resolvem homenagear seus fundadores utilizando praticamente o mesmo tema: “Uma Origem Cabocla”, do Garantido, e “Cultura Cabocla”, do Caprichoso.

Para o Garantido a tarefa era mais fácil já que sempre teve na figura de Lindolfo Monteverde o seu verdadeiro fundador e único dono.

Para o Caprichoso, o buraco era mais embaixo: além dos irmãos João Roque, Félix e Raimundo Cid, supostamente fundadores do bumbá, precisava homenagear também os “donos” eventuais que entraram em cena para que o bumbá não desaparecesse, como Boboí e Luiz Gonzaga, este último tio dos radialistas Rubem e Marcos Santos.

Na primeira noite, o apresentador Paulinho Faria já começou a colocar minhoca na cabeça dos jurados, quase todos oriundos do sul do país:

– Esse aqui é o boi Garantido, o boi da tradição, o boi do povão, fundado por Lindolfo Monteverde, que foi seu único amo até morrer! Mas daqui a pouco, senhores jurados, vai se exibir na arena o boi da elite, o boi da invenção! Eles inventaram agora que entre seus amos está Luiz Gonzaga, o rei do baião! É pura cascata, senhores jurados, pura cascata! O sanfoneiro Luiz Gonzaga nunca pisou em Parintins! No máximo ele se apresentou em Manaus, mas aqui em Parintins ele nunca colocou os pés! Como é que o sanfoneiro Luiz Gonzaga poderia ser amo de boi em um lugar onde nunca esteve? Pensem nisso, senhores jurados, pensem nisso!

Já naquela época, os jurados ficavam três dias confinados em um hotel sem direito a rádio, televisão, jornal ou internet para não serem influenciados por meios externos. Não podiam sequer trocar impressões entre eles, sendo vigiados 24 horas pelos fiscais dos dois bumbás. Como tirar a limpo aquela história?

E, na arena, noite após noite, Paulinho Faria continuava batendo na mesma tecla, repetindo a mesma ladainha, cada vez com mais veemência:

– Não se deixem levar pelas aparências, senhores jurados, mas o sanfoneiro Luiz Gonzaga, o nosso querido rei do baião, nunca pisou em Parintins e não conhece o boi contrário nem de cumprimentar! É tudo mentira do boi da elite, que a cada ano fica mais descarado! Se vocês devem premiar algum boi, deve ser o Garantido, o verdadeiro boi da tradição, o verdadeiro boi do povão! O outro é o boi da mentira, o boi da invenção, que está prestando um desserviço à memória de Luiz Gonzaga, o rei do baião! Repito, senhores jurados: Luiz Gonzaga, o nosso eterno rei do baião, nunca esteve em Parintins! É tudo cascata inventada pelo boi contrário!

Quando as notas foram conferidas, o “boi da tradição” havia dado uma surra no “boi da invenção” e conquistado mais um título.

O apresentador Paulinho Faria era terrível.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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