Aproveitando que o músico Pedrinho Ribeiro estava se apresentando em Óbidos (PA), os compositores Eduardo Dias e Nelson Vinenti (parceiro do violonista Sebastião Tapajós) o levaram para conhecer uma das atrações da cidade: um boteco que possuía estacionamento de cambada de peixes.
Óbidos vive, naturalmente, da pesca. Mas, sobretudo, do comércio com o interior, graças à sua posição estratégica junto do rio Amazonas. O mercado municipal funciona, se a cheia do rio o permitir, quase todos os dias até ao final da manhã. E o dono do boteco visitado pelos músicos, localizado próximo do mercado, havia tido uma ideia genial.
Ele colocara do lado de fora do bar uma imensa placa de compensado cheia de pregos numerados. Assim, quando os cachaceiros vinham do mercado com suas enfiadas de peixes, bastava pendurar cada uma delas em um dos pregos e ir biritar com tranquilidade. Como cada um sabia do número de seu prego, não havia confusões na saída.
Pois foi nesse boteco diferente que Pedrinho Ribeiro conheceu o sanfoneiro Valdevino Carvalho, autointitulado “o homem mais azarado do mundo”. Eis algumas de suas histórias.
O sanfoneiro morava na margem do rio Amazonas, na beira de uma encosta. Um dia, logo após detonar uma suculenta caldeirada de gujuba (o nosso cuiú-cuiú), ele sentiu uma preguiça disgramada. Foi até a varanda, amarrou a rede e estava se balançando, esperando o sono chegar.
De repente, no meio do rio, um gavião pegou uma arraia pequena e levantou voo. A arraia começou a se debater. O gavião soltou a presa. A arraia caiu dentro da rede de “seu” Valdevino e lhe arpoou a costela. Ele passou 24 horas urrando de dor.
De outra feita, o sanfoneiro estava bastante adoentado, tossindo muito e com uma pequena febre intermitente, quando, por insistência das filhas que suspeitavam de pneumonia, resolveu procurar o médico da família.
Na hora em que estava atravessando a rua em direção ao consultório médico, um urubu teve um passamento no ar, ficou desgovernado, caiu lá de cima, o choque do urubu na sua cabeça lhe fez perder o equilíbrio, ele caiu e quebrou uma perna. Ficou seis meses no estaleiro.
O sanfoneiro viajou para Manaus, para morar na casa de uma filha no bairro do São José, enquanto aguardava a marcação de uma cirurgia na perna quebrada, que seria realizada no Hospital Adriano Jorge. Como sua filha e o genro trabalhavam no Distrito Industrial e seus netos passavam o dia na creche, “seu” Valdevino ficava sozinho em casa.
Um belo dia, ele estava sentado numa cadeira de balanço, na varanda da casa, matutando solitariamente, quando um motoqueiro parou diante da residência. Sem dizer uma palavra, o sujeito apeou da moto, abriu o portão, se aproximou dele e cataplum! Deu-lhe um murro no meio da cara, que o levou a nocaute, e escafedeu-se.
Sua filha chegou em casa algumas horas depois e levou um susto ao encontrar o pai com o nariz fraturado e ainda sangrando copiosamente. Imediatamente ela chamou um táxi, o levou ao pronto-socorro, “seu” Valdevino foi medicado e, quando retornaram à residência, se depararam com o motoqueiro no portão.
Pedindo mil desculpas, o sujeito explicou que havia cometido um equívoco. Ele havia ido ali a pedido de um prestamista amigo seu que vinha sendo enrolado por um caloteiro havia mais de seis meses. A porrada era para o vizinho da casa ao lado.
– Porra, seu Valdevino, mas o senhor deu o troco no motoqueiro, não deu não? – questionou Pedrinho Ribeiro, visivelmente irritado.
– Olha, parente, o rapaz me pediu perdão com tanto jeito que eu acabei perdoando…
Aí, como se estivesse purgando todos os pecados do mundo, concluiu:
– É que eu sou mesmo muito azarado, “seu” Pedrinho, muito azarado…
Esse é o famoso cagado de arara nova