Por Edney Silvestre, de Nova York
Todo mundo finge que não vê Willem Dafoe se exercitando na nossa fileira de máquina de correr. Pingando de suor, mas aparentemente incansável, ele já corria num dos doze threadmills quando cheguei, continuou quando – vinte minutos depois – fui para o subidor de escadas que chamam de stairmaster, ainda estava lá outros vinte minutos mais tarde quando desci ao nono andar, onde está a maioria dos aparelhos que, supostamente, transformarão minhas pelancas em sólidos e definidos músculos.
Ali, entre um inchador de deltoides e um espremedor de abdômen, passo ao lado de um sujeito comprido, que bate papo com um casal baixinho. Novamente sou obrigado a evitar o star-gazing e fingir que estou achando perfeitamente natural tentar dissolver minhas banhas ouvindo a conversa de Mathew Modine com Mathew Broderick e sua eterna namorada/noiva Sarah Jessica Harper.
E meu gym não é nem de longe uma academia badalada. Ampla, distribuída em cinco andares e meio, tem um bar (águas variadas, exclusivamente; quem quiser refrigerantes diet, Gatorades & similares tem máquina que fornece latas disso; comida, nenhuma) e recepção no segundo; salas de aeróbica, alongamento, ioga e racquet-ball, todas com seus próprios banheiros, no térreo. Oito andares de apartamentos, com entrada e elevadores independentes na rua ao lado, separam a primeira parte do clube dos outros três andares e meio de malhação.
Foi a vista que se tem deles que me fez matricular-me ali, depois de circular por outras do meu bairro. Excetuando possivelmente a do World Trade Center, que dá a impressão de estarmos em pleno ar, deve ser a mais espetacular de Manhattan dowtown.
Enquanto subo os 73 andares indicados no visor eletrônico de algumas das stairmasters do décimo primeiro andar, nunca sei se estou perdendo o fôlego por causa do esforço ou pela panorâmica que meus olhos fazem.
Através das vidraças que vão do teto ao chão, vou bufando desde o extremo norte da ilha; passo por Midtown, a parte central onde ficam as silhuetas que já viraram pontos de identificação da cidade, como o Empire State, o Chrysler Building (meu favorito, parecendo saído diretamente de uma história em quadrinhos de Flash Gordon), o antigo prédio da PanAm – agora exibindo um luminoso de seu novo dono, a seguradora Met Lif – e desço até o primeiro arranha-céu do mundo, um bolo de noiva triangular chamado Flatiron, na esquina da Rua 23 com a Quinta Avenida e a Broadway; finalmente chego á torre gótico-hollywoodiana do Woolworth Building, bem ao sul de Nova York, próximo á Wall Street e ao gigantesco WTT. Que, aliás, posso ver saindo ao terraço.
Meio andar baixo, do lado oposto destes artificiais subidores de escada, está a fileira de esteiras rolantes onde Mr. Dafoe recupera as energias exauridas por Madonna no hilário Corpo em Evidência. Dispostas igualmente por trás de paredes transparentes, nelas se corre tendo à frente a Estátua da Liberdade, a Ellis Island e a costa de Nova Jersey, a Niterói nova-iorquina. Depois daquele que se vê da Pedra do Arpoador, é o pôr-do-sol mais espetacular do mundo.
Broderick e Dafoe são frequentadores regulares. O ator e dançarino Gregory Hines só vi uma vez, fazendo alongamento, no único dia em que consegui chegar lá às sete da manhã. A maioria é mesmo de moradores do bairro, o Greenwich Village. Ou seja, aqueles homens e mulheres que poderiam estar nas páginas da Harper’s Bazaar ou nas fotos de Bruce Webber. Para aplacar minha inveja e/ou amainar meu constrangimento, existem exceções. Quatro, para ser exato.
Uma é um sabiá-gorila (pernas do primeiro, tronco do segundo) rotundo, de vinte e poucos anos; outra é um quarentão magrelo, mas barrigudo, cujo metro e noventa é coroado por uma peruca frequentemente torta; há também um asiático esquálido que poderia estar numa das telas de Portinari sobre retirantes, não fosse o walkman – a todo volume – que o mantém permanentemente sacudindo a larga cabeça.
A quarta exceção sou eu.
Podia ser pior. Na academia da moda, a Bartom Gym, de propriedade do musculoso marido de Susanne Barsch (uma espécie de Ana Maria Tornaghi daqui), beleza e perfeição física são apenas o requisito inicial da matrícula.
Ali se mede a fama de cada associada como nas outras se checam os bíceps e peitorais. Se você não saiu na Vogue, no Style do New York Times ou pelo menos na coluna de Michael Musto no Village Voice, você não é ninguém.
Shorts, camisetas, collants e tênis podem resultar em apedrejamento. Quem é in se exercita vestindo jeans rasgados camisas com mangas cortadas e botinas Dr. Martens. As imitações by Chanel, que desde a tomada pelo poder de Karl Lagerfeld virou grife moderninha, são toleradas. É uma espécie de maromba grunge-chique, eu suponho. E, humilhação por humilhação, prefiro a menos ridícula.