Por Joaquim Ferreira dos Santos
Então. Haverá coisa mais irritante do que pessoas que começam frases, tomam fôlego na conversa e substituem suas vírgulas pelo famigerado “então”? Pois então.
É uma das pragas da fala moderna, sucessora legítima do “a nível de”, do “enquanto pessoa” e do “vou estar lhe enviando” das décadas passadas. O “então” é mais perigoso por sutil. Trata-se de vírus oportunista, quase um aparentado desse doping invisível que os atletas andam tomando para encher de fôlego o pulmão – só que, no nosso caso, a idéia é dar um gás na frase. É difícil notar o “então”. Quando você percebe, crau!, a palavrinha já lhe é dona de todo o discurso – e aí, meu caro, aí, para rebater a idiotia, só 12 ampolas diárias de Drummond na veia do crânio. Ao dormir, pílulas e mais pílulas, sem copo d’água, de Zuenir Ventura.
O “então”, disfarçado em sua insignificância curta, oca de sentido, não chega a ter o peso sonoro de uma palavra cretina como “instigante”, outra muleta que segurou muito papo perneta. Mas é da turma. Pretende a mesma pose. Arrota igual data vênia e cerimônia, esses fardões cheirosos de naftalina que deixam o brasileiro médio como barata tonta quando abre a boca para morder a semântica. Somos um bando de ingnorantes vernaculares, seus creyssons da vida, todos complicando o papo para ver se ganham a namorada com a ponta da língua. Achamos que “agregar valor” é suficiente para esconder a burrice generalizada. Eu “agarântio” que não.
Já reparou que não há mais bem e mal? Antes, para facilitar ainda mais de que lado da humanidade estava, o sujeito se dizia Marlene ou Emilinha – e, pronto, você já sabia qual era a do cidadão. Mudou. Agora ou se é “orgânico”, a alcunha para os novos representantes do bem, indivíduos de personalidade clara e sem armação, ou se é “transgênico”, uma espécie de Tião Medonho com aditivos da moderna biogenética moral.
Então. Que tal o ridículo?
Parecemos, com essa mania de contrariar o poeta e, ao invés de cortar palavras, acrescentar um monte delas, parecemos eternos cavalos incorporando o discurso daquele deputado barroco baiano sobre a necessidade de mais “sinergia”, mais “transparência”. Lula, com a boca cheia de “veja bem”, “acompanhe meu raciocínio” e “estou convencido”, é o presidente da hora. Adora apoiar suas imagens futebolísticas com o uso de muitos “inclusive”, outro queridinho dessa galera, todos, os “inclusive”, significando o mesmo que todos os “então” – nada vezes nada.
O clichê é uma moda que se usa na língua e dói tanto, só que na orelha do outro, quanto um piercing. Todo mundo ao mesmo tempo vestindo expressões que, ao usuário despreparado, dão a impressão de que abafam geral. Na verdade, são apenas patetices vãs, repetições de milésima mão ouvidas de um guru já morto. Quem sabe, sabe, fala diferente. Segue a trilha, se não a do “nonada” de Guimarães Rosa, a do maluco beleza Raul Seixas: eu vou desdizer agora o oposto do que disse antes. Outras palavras, eis a grande música.
De uma hora para outra, com a mesma voracidade que as mulheres de sempre foram atrás dos cabelos vermelhos da fulaninha na novela das oito, as “sensíveis” adotaram esquisitices sociológicas que pescaram num talk-show. Descobriram que o verbo pode ser fashion e serve para se tentar ostentar, baratinho, apenas com o esforço de abrir os dentes, o mesmo status de uma Fendi que custa os tubos.
Enfim, então. Doces peruas ingênuas. Já enroladas com a dificuldade de diferenciar uma bolsa falsa da verdadeira, agora fuçam as prateleiras das palavrinhas em busca das últimas novidades. Continuam comprando gato, lebre e qualquer bicho de óculos que discurse o emperiquitado dicionário do politicamente correto.
É um tal de “inclusão” digital, “exclusão” civil, que, inclusive, só rindo. Antes reclamava-se pão e leite para o populacho faminto. Hoje, para esses mesmos desvalidos, exige-se “cidadania”. Parece que “cidadania”, com o longo percurso de suas cinco sílabas, é uma comida com mais caroço de feijão e proteína animal. Nada disso. É só gordura verbal. Não faz músculo no cérebro. Tudo banha “midiática” metida a “atitude” e “estilo”.
Então. De todo esse neopernosticismo, o mais consagrado de todos talvez seja o uso atual para o verbo “retornar”. Antes, coitado, vivia lá na dele, quase sempre em placas do DNER, empregado apenas no sentido viário. Subitamente passou a ser adotado no âmbito telefônico da coisa. Vem sempre acoplado ao futuro do presente com gerúndio, o “eu vou estar lhe retornando a ligação”. É obra e desgraça das moças do telemarketing paulista, gente que precisa juntar um punhado de palavras sem sentido, anestesiar até o pâncreas do teleouvinte, para, outra vez, crau!, deixá-lo tonto o suficiente para comprar algum plano de saúde. Retornar a língua comum, que é bom, isso ninguém parece que vai estar retornando tão cedo.
A língua crua com a subversão espontânea das gírias e, como pedia o poeta, sem arcaísmos, sem erudição, natural, neológica, com a contribuição milionária de todos os erros – uma língua gostosa dessas não sai na Caras. Tá out. No tempo das falsas celebridades, já que não é possível repetir as sobrancelhas da Malu Mader, incorporamos o que se imagina a fala dos bacanas. E tome de palavras difíceis, de sentido vago, garimpadas na literatura boboca da auto-ajuda e na arrogância PUC-Unicamp de professorar com um ovo na boca.
Tudo mentira. Tudo pose e jogo de inclusive, num mundo de aparências verbais cheio de “recorte” otário, de “viés” chinfrim e outros modismos de então.