Cantadas Literárias

Diário de um brasileiro nos States

Postado por mlsmarcio

Agosto, 12 – Hoje me mudei para minha nova casa no estado da Pensilvânia. Que paz! Tudo aqui é tão bonito. As montanhas são tão majestosas. Quase que não posso esperar para vê-las cobertas de neve. Que bom haver deixado para trás o calor, a umidade, o tráfego, a violência, a poluição e aqueles brasileiros mal-educados de São Paulo. Isto sim é que é vida!

Outubro, 14 – Pensilvânia é o lugar mais bonito que já vi em toda a minha vida. As folhas passaram por todos os tons de cor entre o vermelho e o laranja-cinza. Que bom ter as quatro estações do ano. Saímos para passear pelos bosques e, pela primeira vez na vida, vi um cervo. São tão ágeis, tão elegantes, acho que é um dos animais mais vistosos que jamais vi. Isto deve ser o paraíso. Espero que comece a nevar logo, logo. Isto sim é que é vida!

Novembro, 11 – Logo começará a temporada de caça aos cervos. Não posso imaginar como alguém pode matar uma dessas criaturas de Deus. Já chegou o inverno. Espero que neve logo. Isto sim é que é vida!

Dezembro, 2 – Ontem à noite nevou. Despertei e encontrei tudo coberto de uma camada branca. Parecia um cartão postal, uma foto de calendário. Saí tirando a neve dos degraus e passando a pá na entrada. Rolei nela e logo tive uma batalha de bolas de neve com os vizinhos (eu ganhei) e, quando a niveladora de neve passou, tive que voltar a passar a pá. Que bonita a neve! Parecem bolas de algodão espalhadas por todos os lados. Que lugar bonito! Pensilvânia sim é que é vida!

Dezembro, 12 – Ontem à noite voltou a nevar. Que encanto, que beleza! A niveladora voltou a sujar a entrada, mas bom, o que posso fazer? De qualquer maneira, isto sim é que é vida!

Dezembro, 19 – Ontem à noite nevou outra vez. Não pude limpar a entrada por completo porque, antes que eu acabasse, já havia passado a porra da niveladora e jogado a neve de volta para a minha porta. Assim, hoje, não pude ir ao trabalho. Estou um pouco cansado de passar a pá nessa neve. Droga de niveladora! Mas, que vida!

Dezembro, 22 – Ontem à noite voltou a cair neve, melhor dizendo, merda branca. Tenho as mãos cheias de calos por causa da pá. Creio que a niveladora me vigia a partir da esquina e espera que eu acabe de tirar a neve com a pá para passar e jogar tudo de volta para a minha porta. Vá pra puta que pariu!

Dezembro, 25 – Feliz Natal. Branco, mas branco de verdade, porque está cheio de merda branca. Viado! Se pego o filho da puta que dirige esta niveladora, juro que o mato. Não entendo porque não colocam mais sal nas ruas para que derreta mais rápido este gelo de merda.

Dezembro, 27 – Ontem à noite ainda caiu mais um monte dessa merda branca. Já são três dias direto que não saio. Nada mais faço senão passar a pá na neve depois que passa a bosta da niveladora. Não posso ir a lugar algum. O carro está enterrado debaixo de uma montanha de merda branca. O noticiário disse que esta noite vai cair umas 10 polegadas a mais de neve. Não posso acreditar!

Dezembro, 28 – O idiota do noticiário se equivocou outra vez. Não foram 10 polegadas de neve… Caíram mais 34 polegadas dessa merda branca! Vai tomar no cu! Seguindo assim, a neve não se derreterá nem no verão. Agora, para piorar as coisas, a niveladora quebrou perto daqui e o filho da puta do motorista veio me pedir uma pá. Que descarado! Disse-lhe que já tinha quebrado seis pás limpando a merda que ele havia me deixado diariamente. Assim quebrei a pá na cabeça daquele imbecil! Que bosta! Que saco! Que merda!

Janeiro, 4 – Finalmente, hoje pude sair de casa. Fui buscar comida ali no restaurante chinês, aí um cervo de merda se meteu diante do carro e atropelei o puto. Caralho! O conserto do carro vai me sair por uns três mil dólares. Estes animais de merda deviam ser envenenados com Antrax ou Cicuta. Oxalá os caçadores tivessem acabado com eles no ano passado. A temporada de caça deveria durar o ano inteiro. Puta que pariu, bando de cervos filhos da puta!

Março, 15 – Escorreguei no gelo que ainda sobrou nas ruas desta cidade de merda e quebrei uma perna. Ontem à noite sonhei estar sob uma palmeira, ouvindo o canto do sabiá.

Maio, 3 – Depois que me tiraram o gesso da perna, levei o carro ao mecânico. Ele disse que o assoalho estava todo enferrujado por baixo, por culpa do sal de merda que jogaram nas ruas. Será que esses cornos não têm outra forma de derreter o gelo?

Maio, 10 – Mudei-me outra vez para São Paulo. Isto sim é que é vida! Que delícia! Calor, umidade, tráfego, violência, poluição e falta de educação. A verdade é que qualquer um que imagine morar nessa Pensilvânia de merda tão solitária e fria é um retardado ou deve estar louco ou fugiu do hospício! Isto sim é que é vida!

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mlsmarcio

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