Por Edney Silvestre, de Nova York
Estão acontecendo uns revivals surpreendentes por aqui. Alguns trazem esperanças, outros sensação de perigo, vários não tem lógica, muitos fazem rir e quase todos parecem resultado da estafa criativa ou da perplexidade ética deste final de século.
Depois de toda a liberação feminista, por exemplo, os estilistas decidiram que as mulheres voltam a ser objetos sexuais, espremidas em saias justas, equilibrando-se em altos saltos finíssimos e ondulando em voluptuosas silhuetas de sereias. Uma direita, tão ou mais feroz do que a responsável pela “caça às bruxas” dos anos 50, trombeteia seus credos pelas rádios, tevês e altares, alimentando ódios e preconceitos, desaguando em leis xenófobas como a recentemente aprovada na Califórnia, tragédias como o atentado que matou mais de 150 pessoas em Oklahoma, assassinato de médicos que praticam legalmente o aborto.
Ao mesmo tempo, em plena era de videotas babando em cima de videogames, um surpreendente número de jovens está redescobrindo a poesia, ressuscitando o desbunde beatnik e transformando Jack Kerouac em ídolo e best-seller.
Nancy Sinatra tirou suas botinhas brancas do armário e está de volta ás lojas de discos e capas de revistas. Julie Andrews, após três décadas de exílio em Hollywood volta aos palcos da Broadway que a consagraram. Onde, também, Jerry Lewis encanta plateias como o divertido satanás de Samn Yankees e nova montagens de Jean Cocteau (Les Parents Terribles/Indiscretions), Rodgers & Hart (Pal Joey) e Tennessee Williams (The Rose Tatoo) permitem rever & ouvir algumas das boas coisas que a segunda metade do século produziu.
Nessa onda nostálgica, o mais bem-sucedido surfista está mergulhado em um copo. Ou melhor, numa taça.
Especificamente, a de Martini.
O drinque favorito de Luis Buñuel sumira dos bares e restaurantes nova-iorquinos, afogado na obsessão de saúde que tomou de assalto a América. Quem adotou a temperança ficava no vinho branco ou cerveja, os mais radicais se encharcavam de taças (jamais copos) de águas minerais francesas ou italianas, os mais tolos chegaram ao ridículo de uns tais wine spritzers, uns vinhos misturados com água gasosa que tiveram vida efêmera, mas ainda assim deram um bom faturamento às indústrias de bebidas enquanto a bobagem durou.
Pois não é que agora a misturas de gim e vermute voltou a aportou de norte a sul de Manhattan? De circos hip como o pós-moderno Boom (152 Spring Street) ao fashion victim por spot Bowery Bar (358 Bowery), a tradicionais restaurantes como o Joe Allen’s (321 West Rua 46) e o Lutéce (249 East Rua 50), passando por redutos gays como o Food Bar (149 Oitava Avenida) ou absolutamente hetero como o White Horse (esquina de Hudson Street com Rua 11), o que se vê nos balcões, mãos e lábios é a tradicional taça triangular transbordando do oleoso líquido transparente.
Como tudo que vira – ou volta à – moda, o Martini ganhou interpretações.
Sua invenção (há quem brigue por isso, acreditam?) é atribuída a: 1) um garçom de São Francisco que criou o drinque para um viajante que se dirigia à vizinha cidade de Martinez; 2) um garçom de Martinez que fez a primeira mistura para um viajante que se dirigia a São Francisco; 3) um bartender do desaparecido hotel nova-iorquino Knic-kerbocker, chamado Martini, em 1912.
Que é drinque americano, pouca gente contesta. Ainda assim há os que batem pé que seu nome é homenagem ao rifle Martini-Henry, usado pelas tropas inglesas contra os colonos liderados por George Washington.
Europeus, particularmente franceses que não querem dar o braço a torcer, preferem a versão que atribui o batismo à indústria italiana Martini & Rossi.
Como prepará-lo também leva a debates.
Gostos mais conservadores podem preferi-lo com gim (Tanqueray, of course) ou fazer acréscimos pessoais (a receita de Buñuel incluía uma gota de angostura).
O Martini nova-iorquino dos anos 90, no entanto, tem uma imposição que horrorizaria Zelda Fitzgerald: começa com vodca Absolut ou Stolichnaya. O do James Bond de Sean Connery, que ainda era de gim, deveria ser shaken, not stirred (“sacudido em coqueteleira, jamais mexido com colher”). Os modernos, nem mesmo isso. Conforme ensina o barman do Joe Allen’s, deve-se apenas despejar a vodca sobre pedras de gelo, enquanto se conta até oito – uma receita generosa que encanta o freguês Al Pacino, ex-bebedor de cerveja e uísque.
As taças, obviamente, devem estar geladas (foram umedecidas antes e colocadas no refrigerador). Dentro delas circulou apenas um mínimo de vermute, depois despejado na pia. Para um verdadeiro very, really very dry Martini, basta uma olhada para a garrafa de Cinzano ou Noilly Prat. Uma fina casca de limão é aceitável, ainda que nada se compare à presença e longínquo sabor acrescentados por azeitonas. Verdes, sempre.
Antes que você ria de tanto preciosismo, vai aqui uma sugestão: experimente. Como está acontecendo por aqui, é muito provável que, depois de provar, aquela garrafa de uísque fique para sempre aposentada na prateleira.