Por Edney Silvestre
Esta semana recebi uma carta de Robert Redford. Sim, o ator. E diretor. E ativista político. E, de uns tempos para cá, tentando a mão em nova atividade. Num tom gentil, se bem que impessoal, me ofereceu uma churrasqueira por 49 dólares.
Acrescentando mais 46, enviaria também os necessários apetrechos – trinchante, garfo grande, espátula e pegador – para lidar convenientemente com picanhas e contrafilés.
Outras sugestões do neófito comerciante variavam desde tapete Kilim por US$ 229 até lata de granola a US$ 27,50, passando por jaqueta de camurça (US$ 199), relógio de prata com pulseira de turquesa (US$ 179), tênis (US$ 79) e camiseta (US$ 17).
Não conheço Mister Redford. A única possível – se bem que esotérica, nesta altura dos acontecimentos – coisa que poderíamos ter em comum é o fato de eu morar na mesma rua de sua ex-namorada Sônia Braga. Que, esclareça-se, nunca me viu na vida nem tem noção de nossa proximidade.
Outras celebridades que não têm a ideia a mais pálida ideia de quem eu seja igualmente andaram me mandando convites: Patrick Swayze para autógrafos no livro de fotos do filme City of Joy na livraria B. Dalton, Paloma Picasso para a mostra de suas novas joias na Tiffany, Gregg Louganis para as sungas que lançou no Bloomingdale’s, Diana Ross para o espetáculo que apresentou num cassino qualquer de Atlantic City.
Meus amigos no Brasil raramente me escrevem (há honrosas exceções), mas não passa dia sem que haja pelo menos uns duzentos gramas de correspondência na minha caixa de correios. Já houve dia de quase um quilo.
Não fui ungido com uma imediata admissão no círculo dos rich and famous, como quase me iludi ao ser solicitado por Elizabeth Taylor para vê-la no Macy’s na época do lançamento do perfume White Diamonds. Sou apenas, como outros milhões de anônimos desta cidade, portador de um cartão de crédito.
Basta você ter este quadrilátero de plástico colorido – e, consequentemente, ter preenchido uma ficha com seu endereço – para começar a receber uma avalanche de material impresso.
São convites, folhetos, pedidos de contribuição para organizações beneficentes, ofertas de assinaturas de revistas e jornais, programações culturais do seu bairro, cardápios dos restaurantes das proximidades, cupons de descontos para lavanderias e serviços de limusine, obscuras publicações ambientalistas ou de grupos minoritários, cartões de galerias de arte, lista de ofertas de supermercados, avisos de leilões públicos e privados, sugestões de presentes, oportunidades de investimentos e tudo aquilo que acabou por ser abarcado pela definição de junk mail.
Há quem se irrite em receber esse “lixo postal” que faz a ira dos ecologistas (pense no número de árvores necessárias para a impressão destas toneladas de papel que diariamente inundam os Estados Unidos). Os ambientalistas que me perdoem, mas confesso que me delicia a efêmera sensação de ser um príncipe do consumo.
O catálogo da Ballard Design, por exemplo, me faz acreditar que eu poderia pagar uma vez e meia meu aluguel por um armário pintado com horrendos motivos folclóricos das montanhas Ozark. O do Metropolitan Museum of Art acha que disponho de US$ 395 para dar por uma taça de prata, cópia de um original vienense de 1825. O de objetos da Barnes & Noble quer me empurrar um abajur Wisteria – cópia de uma criação de Louis Comfort Tiffany – por US$ 575, fora os 7,25% de imposto.
Mais delirante ainda, o catálogo da Herrington argumenta que é prioritário ter em casa um aparelho para manter minha xícara de café sempre quente (US$ 159); uma traquitana com rede e “devolvedor” de bola para praticar golfe no escritório (US$ 399); um carrinho de bebê para ser empurrado enquanto se pratica jogging (US$ 419).
Já o da Astor Wines me considera um colecionador a quem interessaria uma garrafa de Barbaresco Sori Tilden, safra 1988, pela ínfima quantia de US$ 99,99.
Na verdade, pode-se comprar de tudo através de catálogos. Basta telefonar (em geral a ligação é gratuita) para receber em casa móveis clássicos (The Bombay Company) ou de jardim (Smith & Hawken); pratos/talheres/copos/toalhas/etc. (The Pottery Barn); comidas de todas as partes do mundo (Zabar’s); plantas e guloseimas (Harry and David); roupas (de Ralph Lauren a J. Crew); banheiras/pias/fechaduras/carpetes (Renovator’s); sementes para hortas e jardins (Burpee Gardens); casa de passarinho (Plow & Hearth); jóias clássicas ou contemporâneas, assinadas por Paloma Picasso e Elsa Peretti (Tiffany’s); sabonetes e perfumes (Crabree); e até aparelhos completos de ginástica (Soloflex, NordicTrack). O Sundance Catalog de Robert Redford, dos mais ecléticos, oferece um pouco de tudo isso.
Não tão óbvios quanto os catálogos, mas igualmente visando a sua carteira, os tais encontros com gente famosa são de tal forma meteóricos que, se você piscar, arrisca não ver a passagem da celebridade.
Acontece assim: na hora marcada pelo convite, a figura de honra é introduzida no local, um sorriso pregado no rosto; é aplaudida, diz duas ou três palavras, eventualmente assina um par de autógrafos, ouve alguma velhinha contar como o neto é seu fã incondicional e, em seguida, é arrastada para fora enquanto, ao mesmo tempo, uma horda avança para vender o produto a inebridados e excitados espectadores.
Pronto. Acabou o encontro.
Pode não ser grande coisa, mas sempre sobra o consolo de poder dizer “hoje é tarde, quando eu estava com a Liz Taylor…”
Sobretudo evita decepções. Como a de quem chegou mais perto de Patrick Swayze e se viu repelido. Não por antipatia, que o moço é bastante cordial, mas pelo intenso e acre odor que desprende do corpo do galã.
Fedores e fragrância à parte, o junk mail lustra o ego e faz crer que (obrigado, Drummond), nesta cidade de doze milhões de habitantes, não se está sozinho no quarto, não se está sozinho na América.
Fica a dúvida: aceito ou não aceito o convite de Robert Redford para ir visitá-lo em Sundance?