Por Dellano Rios
Naquele 1° de janeiro de 1959, quando os guerrilheiros revolucionários tomaram o poder do general Fulgêncio Batista (1901-1973), Pedro Juan Gutiérrez tinha nove anos. Suas memórias, portanto, abrangem dois momentos da ilha: quando era um bordel mal disfarçado para desfrute dos falsos puritanos dos EUA, e quando o regime socialista transformou o país política, econômica e culturalmente. Memórias que o autor imprime na literatura que produz.
Pedro Juan Gutiérrez é um dos mais afamados escritores cubanos da última década. Por méritos literários próprios chamou a atenção do público de línguas espanhola e portuguesa. A crítica – por “sugestão” de algum editor esperto – conferiu-lhe o rótulo de Charles Bukowski latino-americano. Comparação fácil que se sustenta no trato de um e de outro com o submundo das sociedades em que estão inseridos.
No entanto, Gutiérrez é bem mais que a adaptação de um modelo para um outro contexto. Diferente de Bukowski, o cubano não pode se desviar das questões políticas que o cercam (política aqui pensada da maneira mais tradicional possível). Ao equacioná-los em sua literatura, o escritor acaba produzindo um documento singular.
Em seus romances e contos, o leitor não vai encontrar uma leitura maniqueísta da realidade cubana. Da maneira como Pedro Juan Gutiérrez descreve a ilha, Cuba é um grande palco de contradições.
Por meio de sua prosa, o autor pinta um quadro raro, que não coincide com a visão detratora, que quer enxergar uma grande favela de 11 milhões de habitantes, governada com mão de ferro por um comunista louco. Nem com o pequeno paraíso terrestre, invejado por simpatizantes de todas as latitudes.
Grosso modo, os dramas humanos de que fala Pedro Juan Gutiérrez se dão nas partes mais miseráveis da ilha, marcados por sexo, álcool e outros abusos. À primeira vista pode parecer uma perspectiva pessimista. No entanto, é possível encontrar um olhar amoroso em obras como “Trilogia suja de Havana” (1998), “O Rei de Havana” (1999) e “Animal tropical” (2000).
Marcadamente autobiográficos, os romances reconstituem os momentos de crise que o país enfrentou, nas décadas de 80 e 90. Seus protagonistas transitam por um submundo ao mesmo tempo brutal e romanticamente boêmio.
Gutiérrez é um apaixonado pelo povo cubano. É um observador crítico da ilha, mas não vê seu destino como uma degradação de seu povo. Prova disso é o estranho “Nosso GG em Havana”, editado no Brasil em 2008, pela Alfaguara/ Objetiva.
No livro, o escritor abandona sua perspectiva de retratar a Cuba pós-revolução e convida o leitor para visitar a ilha dos anos 50, às vésperas da tomada de poder pelos comunistas. O retrato que se vê é mais turvo que a sujeira que serve de musa para o escritor.