Por Edney Silvestre, de Nova York
Nunca me passou pela cabeça que lavar roupa pudesse ser divertido. Pudera. Sou brasileiro do interior, acostumado com tanque, varal, coradouro, e, mais tarde, transplantado para o Rio de Janeiro, às máquinas de lavar e aos secadores de alumínio em minúsculas áreas de serviços. Como poderia imaginar que existem vida, cultura e romance em alguns quilos de roupa suja? Só mesmo morando em Nova York.
Lavar roupa aqui é como ir à praia no Rio ou fazer footing na Rua dos Mineiros, a principal de Valença, onde nasci, cresci e me neurotizei: uma atividade social democraticamente partilhada, economicamente acessível, alegremente banal.
Não é uma reunião às margens do rio Hudson ou à beira do lago do Central Park, evidentemente. Mas não está muito distante de uma congregação em volta da fonte de algum vilarejo no século XVIII. Com algumas adaptações.
Conversa-se com vizinhos e desconhecidos, trocam-se novidades sobre o comércio local, marca-se programa para mais tarde ou dias – e noites, especialmente – seguintes; come-se, bebe-se, leem-se livros ou os jornais do dia; empresta-se ou toma-se emprestado sabão, detergente, água sanitária, amaciante de roupa; discute-se a qualidade das mais recentes produções estrelares na Broadway e fora dela, especula-se o que Frank Sinatra, Jerry Lewis, Julie Andrews ou Shirley MacLaine ainda são capazes de fazer em seus constantes espetáculos de despedida ou shows de retorno da aposentadoria; aplaude-se a atual segurança, limpeza e ausência de pedintes nos trens do metrô; louva-se a temperatura perfeita e os belos dias frescos deste final de primavera; trocam-se confidências e números de telefone, cochila-se, pede-se e dá-se opinião sobre assuntos tão diversos quanto a padaria que tem o melhor bagle ou se o melhor cirurgião plástico é o de Elizabeth Taulor ou o de Ivana Trump; toma-se um capuccino; sai-se para fumar e volta-se para malhar, indistintamente, Rudy Giuliani, Rush Limbaugh, Hillary e Bill Clinton. E paquera-se. Muito.
Lavar roupa em Manhattan é parte integral – e sinônimo – de inusitada festa de acasalamento. É uma festa reservada para os sábados, e começa cedo. De nove da manhã em diante, rapazes, moças e outros não tanto deixam seus apartamentos em direção às lauderettes. Não importa se o prédio onde moram tem sua própria lavanderia. Em Nova York não se lava roupa em casa. Não tem graça. Nem flerte.
Saem todos carregando sacos de plástico preto ou lona colorida, pesados com os lençóis, toalhas e roupas íntimas e públicas usadas durante a semana, numa réplica extemporânea de Papai Noel. Vestem-se com aquilo que parece ter sido a primeira coisa que encontraram ao acordar, amassado ao levantar da cama. Parece. Mas não é bem assim.
O tênis roto, a camiseta desbeiçada, o jeans ou a bermuda – se as pernas assim permitem – mais desbotada são parte de uma atitude típica do nova-iorquino chamada dressing down. Que, livremente traduzido, pode ser lido como “não estou nem aí para roupa”. Que pretende significar: se estou vestido assim é porque não estou paquerando, pois não estou sozinho (a), portanto não estou aflito(a) para arranjar um namoro. Que, na verdade, quer dizer exatamente o contrário.
Cada espécie tem seus próprios códigos no fervilhamento de hormônio que precede o acasalamento, e este não é mais singular que tantos outros. A escolha do terreno para exibição da plumagem também é importante. Quem é casado(a) ou já tem sua/seu companheiro(a) vai às lavanderias automáticas sem maiores atrações e fica ouvindo seu walkman ou lendo alguma coisa, enquanto cada load – o monte de roupa que cabe dentro do cilindro rotativo das máquinas – é lavado (uns trinta minutos) e secado (em torno de quarenta e cinco minutos) por seis moedas de quarter, aquelas de 25 centavos de dólar, cada vez.
Solteiros(as) e esfaimados(as) buscam laundromats com maiores recursos. Máquinas de refrigerantes, por exemplo, dão chance a um “Não quer beber alguma coisa?” Bancos do lado de fora permitem comentar o tempo, pedir emprestado o protetor solar, jogar o verde de um futuro final de semana à beira da praia em Fire Island ou nos Hamptons.
Revistas e jornais grátis podem levar a comentar um filme que se deseja ver (“Ah, você não tem programa? Pois há uma sessão especial hoje, à meia-noite”), um restaurante conhecido (“Já fui/não fui; prefiro tal/os preços são um roubo”), uma trapalhada política recente qualquer (“Quem teve o irmão mais idiota: Carter, Bush ou Clinton?”), ou aonde quer que leve a imaginação.
Minha amiga Carol Asch conheceu seu atual namorado, Max, assim. Estão juntos há mais de ano e meio, desde outubro passado partilham o mesmo endereço e pretendem trocar alianças assim que ela vencer a resistência da mãe em ter um genro goy.
George e Nancy Gould, que tinham sido colegas na Columbia University nos anos sessenta e depois se perderam de vista (ele foi morar na Califórnia, ela na Carolina do Norte) se reencontraram, ambos saindo de casamentos fracassados, na lavanderia da Hudson Street, quase esquina da Rua Charles, onde vivem juntos desde 1987.
Chris e Tony, neste momento rodando pela Espanha, se falaram pela primeira vez quando o sabão líquido de um acabou e outro ofereceu sua caixa de Dash, que já tem água sanitária e amaciante de tecidos incluídos na fórmula.
Minha lavanderia favorita é a Suds, que também funciona como coffee house. Fica num subsolo da Rua 10, entre as Avenidas Greenwich e Sétima. O capuccino deles é muito bom, o espresso melhor ainda. Foi lá que comi a primeira torta de ruibarbo da minha vida.
Tem cinco mesas com cadeiras, revistas, jornais, várias opções de sanduíches e tortas, águas de diversas partes do mundo, sucos, refrigerantes. Ah, sim, no fundo tem umas dez ou doze máquinas de lavar. Não sei a quantidade certa porque nunca as contei. Nem usei.
Os sábados em que frequentei a Suds foram para bater papo com Stephen Springman, que sabe tudo sobre música alternativa e os clubes do East Village onde se pode ouvir o melhor e mais recente roquenrôl, como o grupo Beat Rodeo, que se apresenta no Ludlow Street Café nas noites de segunda.
Mas Stephen não vai mais ao Suds. Arranjou uma namorada.
Que conheceu numa pizzaria.