Por Joaquim Ferreira dos Santos
A mais velha das minhas filhas disse “demorô”, no que foi imediatamente seguida pela irmã que também concordava e garantia estar plena de satisfação com a mesada que eu lhes pingava na carteira – “formô”, agradeceu. Ser brotinho é conjugar, nem aí para esses lances de passado e futuro, todos os verbos no tempo ô-ô-ô, tipo assim, “abalô”. É teletransportar o sentido das palavras de um lado para o outro, achar sinistra uma coisa muito legal, chamar de cruel um sujeito superbacana, como se a língua fosse o Noturno, aquele personagem todo azul do “X-Men 2” que está em vários lugares ao mesmo tempo significando coisas diferentes. Se nada faz sentido, se não dá para entender quase nada por trás das portas do “Matrix”, por que implicar se, para os jovens, o que é bom “bombô”? Ora, fala sério.
Ser brotinho é antes de mais nada zoar do tio na maior, cair na gargalhada quando ele vem com essas paradas de brotinho plagiadas do Paulo Mendes Campos. É retrucar com graça, petelecando o piercing na sobrancelha, que broto é aquela coisa de feijão, sabe como?, que se vende junto com os gnomos fofinhos nas lojas do Mundo Verde.
Ser brotinho, ser jovem, ser gataria, ser o que for abaixo dos 20 hoje é muito mais maneiro do que lá pelo final dos anos 40, quando Paulo Mendes Campos conseguiu perfilar a turma numa crônica feita de brisa catita. Paulo, grande artista, usou a mesma brisa com que o Criador enfuna as velas dos brotinhos de todas as épocas. Mas, no texto, talvez porque ainda não fosse costume adolescente, não há um único beijo. Pode?! Eu não a-cre-di-to! São quatro páginas, sequer um selinho, nada de splish-splash. Ninguém merece!
Eu fui parar numa festa adolescente dias atrás e aprendi que ser maluca, ser mina, ser moleque, como eles agora se tratam carinhosamente nas internas, é acima de tudo beijar alguém por quatro minutos e, quatro minutos depois, estar beijando outro alguém por mais quatro. Noves fora, no fim do mês não dá outra no boletim – zero em matemática.
O brotinho pós-moderno beija muiiiiiiito, sempre seguindo a inclinação do momento e o que urgem as enzimas. Leia na minha camisa: “No stress”. Não quer permanecer apaixonada a eternidade de um mês por um violinista estrangeiro de quinta categoria – caraca, mané! como a musa de Paulo Mendes. Ela beija como se degustasse um donnut daqueles pequenos, primeiro um de cereja tropical, depois um de creme havana, tão certa está que há doces demais a serem provados na lanchonete desta vida e que, dos amargos, dos azedinhos, a mamãe já chupou todo o pé de tamarindo.
Perguntei então, bem ao estilo tio – e daí? Uma delas, acho que clubber, com piercing na língua, me disse que sua lenda pessoal era encarar a vida sem pressa – mas que tinha de ser agora. A gatinha foi sincera. Tinha lido esse pensamento, irado, na propaganda das botinhas Cally.
Ser patty, hippie, cybermina, ou qualquer outra delícia sub-20, é se fazer de songamonga. É fingir não perceber que, sessenta anos depois de Paulo Mendes Campos dizer que ser brotinho era viver num píncaro azulado, isso numa época em que não se sabia beijar de língua, ser brotinho hoje é melhor ainda. O mundo gira ao redor e em louvor do umbiguinho malhado delas, obrigando tios, mamis, papis, demais over-30, a entrar na fila para ver o Wolverine, ouvir Avril Lavigne, passar gloss abacate-tudo-de-bom. E sem chorumela, coroas. Hollywood rendeu-se, a Emi Records e a Helena Rubinstein foram atrás. O poder-broto manda.
Ser grunge, básica, bicho grilo, modelete, o que mais aos 15, 16, 17 se possa ser com a graça dos anjos e das Superpoderosas, é mandar torpedos celulares para o garoto meia dúzia de anos mais velho, uma mensagem sem nada registrado além de um :), o que na linguagem escrita delas equivale ao que Adélia Prado quis dizer tempos atrás com o seu “mulher é desdobrável, eu sou”. Amam de paixão (“você não tem no-ção de como ele é gato!”) o cabelo em polvorosa do galã das cinco na televisão. Mas andam tomadas de um sentimento muito terno por um VJ feio que diz versos tristes na MTV, talvez porque, sei lá, talvez porque ele se pareça tanto com aquele gato magrinho que elas pegaram um dia, abandonado na chuva, levaram para casa e a mãe ficou muito pê da vida.
Ser gatinha é ficar passada com tanta incompreensão, meu Deus do céu!, e, trancada no quarto por dois dias, desabafando tudo no blog, agradecer na orelha de cada ursinho, bem baixo para que ninguém ouça o mico, pela solidariedade tão (ai que pregui de falar essa palavra!) desinteressadamente pelúcia. Depois, do nada, rir muito.
Rir de achar que vai morrer antes de ter tirado a coreografia do último clipe da Madonna. Telefonar para a Pó, para a Lê, a Jô, contar essa história e rir de novo, combinadas mais uma vez que, feito os personagens de “Friends”, feito os brotinhos do cronista, não crescerão jamais. Que nada, nananinanão, terá a mínima importância. Que tudo passa, mas adolescerão para sempre. Quão insana e bizarra é a vida sobre esse videogame chocante chamado Terra.