Por Joaquim Ferreira dos Santos
Vai por mim, querido Joaquim. Papai Luciano Huck e mamãe Angélica te queriam o melhor dos mundos quando te nomearam assim. “Seu” Joaquim / quirinquinquim / da perna torta / dançando a conga com a Maricota. É um nome engraçado, te prepara para ouvir essa musiquinha muitas vezes. A turma estranha. Eu sou Joaquim por não sei quantos anos e estou te escrevendo, mal acabaste de nascer de pais tão fofos, porque um nome desses precisa de bula de acompanhamento pela vida afora, principalmente na infância. É barra, vou logo te avisando.
Sou Joaquim – e te cuida, xará, porque vão te chamar de Quincas, Joca, Quim, Quinzinho, Joa, Joaca, Juca, vão te chamar de apelidos curtos para fugir do som fechado e esticado do nome – sou Joaquim desde o tempo em que a alcunha não era moda bacana entre os meninos ricos, como parece ser agora. Pelo contrário. Coisa de portuga. Os garotos na escola faziam marcação cerrada em quem tivesse uma chancela dessas.
No primeiro dia de aula, quando ninguém se conhecia na turma, a professora fazia a chamada e era só o meu nome surgir com sua incrível sugestão de piada, no meio de principescos Albertos e Ricardos, para a galera cantarolar a musiquinha do quirinquinquim da perna torta. Gramei. Ninguém era Joaquim impunemente, todos carregavam no nome a informação de que vinham de família portuguesa com certeza, quatro paredes caiadas e cheirinho a alecrim, como no fado da Amália Rodrigues. Nenhum problema com isso. Mas era, como a Deborah judia e o Amir árabe, um nome que chegava prenhe de informação sobre seu portador, e todos nós sabíamos como era curioso o preconceito sobre os portugueses no Rio de séculos atrás.
Para um menino tímido que só queria da vida o líquido mágico que no “Falcão Negro”, da Tupi, dava o dom da invisibilidade ao seu portador, ser Joaquim na hora em que você se apresentava a um desconhecido já trazia texto demais sobre sua vida pregressa, tipo de alimentação, tremoços com vinho Dão, xales negros nas festas de aniversário, tias com bigodes espessos, informações que os estereótipos dos programas humorísticos iam cravando na carcaça dos descendentes de imigrantes. E tudo o que um garoto tímido queria era to be alone e invisível com suas figurinhas do Torneio Rio-São Paulo.
Eu te saúdo, novo Joaquim, que a vida te seja linda como o sorriso da mamãe, e te conforto com a notícia de que podia ser pior. Artistas costumam dar nomes ainda mais exóticos aos filhos e eu estou me lembrando da Riroca, a filha da Baby Consuelo. Uma menina muito bonita, mas, sossega, grande demais pro teu bico. Ela passou a infância e a adolescência com os garotos na escola trocando a consoante inicial do Riroca por uma bilabial pornô, e quando adulta, chateada, resolveu livrar-se do fardo. Ela trocou de nome no cartório, e você não vai acreditar, Joca. A Piro…, quer dizer, a Riroca virou Sarah Sheeva.
Vê lá, Joaquim, vê lá se aos 21 tu não vais te bandear para Manuel. Aproveita que papai e mamãe são formadores de opinião, estabelecem conceitos do que é bom gosto, e vai firme no novo status do nome. Te escrevo, e quem se chama Carlos ou Helena deve estranhar tanto drama, porque passei anos tendo a alcunha inteira, Joaquim Ferreira dos Santos, usada para identificar os portugueses nas piadas dos livros, shows e programas do Casseta & Planeta. Neguinho bagunça mesmo. Sei que é um nome mais apropriado para estar no letreiro de algum estabelecimento de secos e molhados, nunca numa crônica dos parangolés brasileiros, nunca no autógrafo de um grande artista da TV, que é o que te desejo, seguindo os passos dos seus pais.
Conto contigo para mudar esses paradigmas e, se sobrar tempo, botar abaixo os paradigmas em geral, pois essa é a graça, se você permite o conselho de tio, de ter vindo a este mundo de meu Deus! Podia ser pior, pensa sempre nisso. Existe em algum lugar do país, acredite, uma mulher chamada Holofontina Fufucar e esta carta de solidariedade aos que carregam nomes complicados é para ela também, nossa querida Fufu.
Dois anos atrás, Quincas, eu escrevi uma carta de solidariedade – como você vê, eu estou sempre atento aos nossos – endereçada ao Mano Wladimir. Você vai encontrar ele em algum play por aí. É filho, olha que nomes lindos de tão simples, da Marisa Monte e do Pedro Bernardes. Preparei o Mano (já pensou o que é passar a vida toda com os caras na escola perguntando “E aí, Mano, cadê as minas?”), preparei o Mano Wlado para a complexidade de carregar o nome exótico neste mundo suave dos Marcelos. Acho que se deve dar aos filhos nomes sem subtexto e deixar que cada um faça a sua história. Nada de cravar num Mano Wladimir o passado hippie-tribalista e obrigá-lo a continuar a tradição dos pais.
É ridículo povoar o subúrbio de Suellens e Washingtons informando com isso o desespero de emplacar status novo-rico ao filho pobre. Nunca mais uma Alzira, uma Dolores, Florinda, Irene, Rosário, Armindo, Floriano, nomes dignos e acima de modismos otários. Coisas do Brasil. Enquanto os pobres se chamam complicadamente de Grazieli, Alan, Jean, Sammy, a tendência entre os bacanas é dar nomes cada vez mais simples aos filhos. E tome de Pedro, João e essas dezenas de Joaquins de que fazes parte agora, grande Quinzinho, bom filho de Luciano Huck e Angélica.
Seja bem-vindo ao nosso clube de falsos galegos, todos de casaca trocada, torcedores fanáticos do Flamengo, todos presos aos ritos dos portugas originais apenas na adoração das mulatas que passam – e, antes que mamãe ache que o papo começa a ficar impróprio, assim chego meu saudar ao fim.
Viva o pó de pirlimpimpim, dance a conga com a Maricota e todas as outras que estiverem a fim. Olha como é engraçado o titio no atchim. Acima de tudo saúde, tim-tim. Longa vida para todos nós, eternos garotos da turma do quirinquinquim.