Por Rafael Galvão
Você quer saber como a vida está difícil para vendedores?
Há um ano minha TV começou a agonizar. Apareceu uma listra vertical grossa na tela. Descobri que não tem conserto — ou melhor, tem, mas é preciso “trocar a placa” e o conserto sai quase pelo preço de uma TV nova. Coisas desse tipo dão saudade dos tempos em que, quando a TV dava problema, você apenas trocava a válvula. Mas a vida é assim mesmo, e eu não quero perder tempo reclamando.
Deixei como estava. Não vejo tanta TV assim, e mais importante, para quem foi criado assistindo ao “Sítio do Picapau Amarelo” com chuviscos e fantasmas (e interferência quando ligavam um liquidificador), se incomodar com uma listra boba é coisa de millenial.
Mas numa sexta-feira dessas ela começou a gritar “Eu vou morrer, eu vou morreeeeer!”, escandalosa como lavadeira batendo boca por causa de homem, e isso me preocupou.
Aproveitei a noite do sábado seguinte para passar no shopping e procurar uma TV nova. Achei numa dessas grandes redes. A vendedora disse que estava em oferta, disse isso, disse aquilo, disse também que tinha para pronta-entrega.
OK. Fui fazer um lanche e pensar, que eu tenho problemas sérios em jogar dinheiro em eletrodomésticos e em celulares, é sempre uma decisão difícil para mim. Pensar e ver o preço na internet, claro. Aquele, naquela rede, era o melhor preço da tal TV — que tinha isso e aquilo e até blutufo, coisa de que gosto muito.
Quinze minutos depois voltei e disse que ia levar a TV. A moça então disse que infelizmente ela tinha três televisores, mas nesse período de tempo em que fui pagar caro por um lanche vagabundo um vendedor as tinha vendido. Agora ela tinha para entrega em cinco dias.
OK, eu volto daqui a cinco dias. “Mas aí a oferta pode ter acabado”, ela disse. Paciência. Tchau.
Eu não ia voltar, claro. Porque estava irritado, e o que me irritou foi a mentira. Ela mentiu, ponto. Ninguém vende três TVs caras em quinze minutos no dia 25 de qualquer mês. A verdade é que ela nunca teve a TV para pronta-entrega, mas se acha malandra, boa vendedora, tem as manhas de segurar o cliente e depois enfiar-lhe a faca. Manhas que funcionaram durante décadas, mas que em tempos de preços mais baratos na internet talvez não façam mais sentido.
Em outros tempos você ficaria à sua mercê e, se quisesse muito a tal TV, acabaria comprando nela. Mas não é mais necessário.
A tal rede tem um programa de vendedores “online”. Você cria uma loja, uma espécie de subdomínio do site deles, e se alguém comprar por ela você ganha uma comissão. Deve ser útil para quem está desesperado e disposto a trabalhar para a rede sem nenhuma vantagem empregatícia. Mas na prática, mesmo, funciona como os rebates americanos: você compra e depois recebe um troco de volta.
Voltei para casa e comprei na “minha” loja. Pelo mesmo preço. E mais 150 reais que vão voltar para a minha conta. E ainda vão entregar em casa.
Se eu fosse vendedor de loja ia dirigir para o Uber.