Polêmico. Este é o adjetivo mais utilizado e que geralmente acompanha o nome de Carlos Lacerda. Eloquente, sagaz, intempestivo, passional, dono de uma oratória admirável, Lacerda foi o último dos grandes nomes da política brasileira capaz de inflamar paixões por meio de um discurso. O nariz aquilino, os olhos vivos e a voz que assustava os adversários – para ficarmos nas explicações mais leves – lhe valeram o apelido de “o Corvo”, dado por seus desafetos.
Nascido no dia 30 de abril de 1914, no Rio de Janeiro, Lacerda foi jornalista, escritor, empresário e político – vereador, deputado federal, governador e candidato à Presidência da República –, além de ser um importante personagem durante três décadas de História brasileira.
Fundador do jornal Tribuna da Imprensa, Carlos Lacerda também ficou conhecido como “Demolidor de Presidentes”. Foi pivô da morte de Getúlio, e dos afastamentos de Café Filho, Jânio e Jango.
Suas obras? Foram mais de mil realizadas. Quase uma para cada dia de seu governo. Lacerda governava da rua. Ele gostava de dizer que podia ouvir o que lhe diziam e o que dele falava o povo. Construiu o Parque do Flamengo e a Praia do Flamengo, que até hoje as pessoas chamam de “Aterro do Flamengo”. Removeu favelas, construiu a Vila Kennedy, por intermédio da Cohab – Companhia Estadual e Habitação, que abrigou na época 12 mil famílias. A Adutora do Guandu – 43 quilômetros de túneis por onde corre água, que até hoje abastece a população do Rio – foi construída em seu governo.
Com um empréstimo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) investiu maciçamente em Saúde e Educação. Sucesso total. Em quatro anos e meio foram construídas 282 escolas com 1.552 salas de aula para mais de 100 mil crianças, entre oito e 14 anos, que anteriormente não encontravam vagas. Os hospitais públicos estavam aos pedaços. Além de reaparelhar os hospitais, ele duplicou o Hospital Miguel Couto que se tornou padrão de qualidade.
Abriu os túneis Rebouças e Santa Bárbara, criou a Sala Cecília Meireles, construiu os trevos dos Marinheiros e o Faria-Timbó, recuperou o Teatro Municipal, abriu 600 quilômetros de esgotos. Deixou projetados na prancheta os traçados da Linha Vermelha e da Amarela. Governou com uma equipe enxuta de profissionais. No último dia de seu governo requisitou um canal de TV e ficou 24 horas no ar prestando contas de seus atos.
Além de grande governador e grande tribuno, também era grande jornalista. Na ocasião em que dirigia seu jornal, Tribuna da Imprensa, não tolerava duas expressões usadas à exaustão nas redações brasileiras, principalmente na hora da preguiça: “via de regra” e “por outro lado”.
Lacerda ficava furioso:
– Via de regra pra mim é boceta! – urrava. – E por outro lado é cu!
O jornalista que usasse essas expressões era demitido sumariamente.
Como deputado federal pela UDN no período 1955-1963, ele era a pedra no sapato dos parlamentares governistas.
Nunca foi fácil enfrentar o jornalista na tribuna. Ele tinha sempre a resposta pronta, a língua ferina, agressiva, irônica, contundente.
Durante uma discussão com Amaral Neto, ele nocauteou o deputado-repórter, acusando:
– Amaral, você é a antologia dos meus defeitos!
Em outra ocasião, Carlos Lacerda fazia inflamado discurso na Câmara dos Deputados, quando um colega pediu aparte:
– Vossa Excelência pode falar quanto quiser, porque o que me entra por um ouvido sai imediatamente pelo outro.
Ao que lhe respondeu Lacerda:
– Impossível, nobre colega, o som não se propaga no vácuo!
Certa vez, ao desembarcar em Paris, Carlos Lacerda concedeu, a contragosto, uma entrevista coletiva aos jornalistas franceses, para explicar o movimento de 1964:
– É verdade que houve intervenção americana na revolução brasileira?
– Não, não houve! – reagiu Lacerda, sem esconder o mau humor. – Intervenção americana houve na libertação da França durante a 2.ª Guerra Mundial…
Os jornalistas voltaram à carga:
– Houve derramamento de sangue?
– Não, não houve. Foi como na lua de mel da maioria dos casamentos franceses…
A coletiva terminou na mesma hora.