Club dos Terríveis

Dois perdidos numa noite suja

O eterno playboy Odivaldo Guerra e seu carango da hora
Postado por Simão Pessoa

Março de 1960. Divaldo Martins, hoje juiz aposentado, e Odivaldo Guerra, hoje despachante aposentado, eram estudantes do Colégio Estadual do Amazonas e parceiros de gandaia nas noites manauaras, usando como meio de transporte uma lambreta azul-marinho pertencente ao segundo.

Divaldo Martins morava no Conjunto Kubistchek, na Rua Waupés, e Odivaldo Guerra, na Rua Parintins, entre as ruas Borba e Urucará, ambas localizadas na Cachoeirinha.

Uma determinada noite de fevereiro, os dois resolveram tirar o atraso com as raparigas da boate Tererê, no coração da red zone de Manaus (o quadrilátero compreendido entre as ruas da Instalação, Frei José dos Inocentes, Itamaracá e Luiz Antony).

Como eram lisos e confiados, a situação exigia o famoso xexo, ou seja, depois do serviço consumado, pernas pra que te quero e as vadias que fossem se queixar ao bispo.

Guerra deixou a sua lambreta estacionada num ponto estratégico da Rua da Instalação e combinou com o “garupa”, Divaldo, a presepada. Os dois foram à luta.

Meia hora depois, Guerra saiu vazado do cafofo onde abatera a lebre, montou na lambreta, ligou a máquina e ficou esperando pelo parceiro.

O juiz aposentado Divaldo Martins

Três minutos depois, lá vem Divaldo na maior carreira, sendo perseguido por uma puta armada de “jiquitaia” (uma lâmina de barbear encastoada entre dois palitos de picolé, que funcionava como uma navalha Solingen afiadíssima).

Nessa noite, Divaldo estava estreando um mocassim Ballet e, correndo em cima de paralelepípedos, o sapato do pé esquerdo ficou no caminho.

A puta apanhou o sapato como se fosse um troféu de guerra e continuou a perseguição.

Para sorte de Divaldo, estava passando o último ônibus da meia noite pela Rua da Instalação.

Ágil como um gato, ele conseguiu subir no ônibus em movimento, berrou pro motorista fechar a porta (no que foi atendido), sentou-se em uma das janelas sério que só cachorro andando de canoa, enquanto a puta corria ao lado do ônibus, gritando toda sorte de imprecações e triturando o mocassim com sua “jiquitaia” amoladíssima.

A puta desistiu da perseguição na Avenida Sete de Setembro, mas levou com ela o mocassim todo cortado.

O prestativo Odivaldo Guerra acompanhou a presepada montado na lambreta e seguindo o ônibus.

No Canto do Quintela, Divaldo desceu do ônibus, subiu na garupa da lambreta e os dois foram para casa.

Naquela época, os pais só davam sapatos para os filhos uma vez por ano, quase sempre no Natal.

Divaldo passou o resto do ano enfaixando diariamente o dedão do pé esquerdo com esparadrapo, para poder sair de casa usando o mocassim no pé direito e, no outro, o do dedão enfaixado, uma prosaica sandália havaiana.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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