Humor

10 de julho. Simpson Show

Defendant OJ Simpson, wearing the blood stained gloves found by Los Angeles Police and entered into evidence in Simpson's murder trial displays his hands to the jury at the request of prosecutor Christopher Darden June 15. Defense attorneys Cochran and Shapiro stand to the right. Prosecutors sought to prove the gloves fit Simpson's hands - RTXFXMX
Postado por Simão Pessoa

Por Luis Fernando Verissimo

A audiência preliminar para determinar se O.J. Simpson vai a julgamento pelo assassinato da mulher domina o noticiário e a atenção dos americanos. Só para dar uma idéia: as transmissões ao vivo das sessões diárias da audiência fez as cadeias de TV cancelarem as novelas da tarde, e o público não está se queixando.

O O.J. Simpson show substitui com vantagem as novelas, aqui chamadas “soap operas”, ou óperas de sabão, desde os tempos do rádio, porque eram melodramas invariavelmente patrocinados por fabricantes de detergentes e artigos de banho.

Algumas das pessoas convocadas como testemunhas na audiência se transformam em celebridades instantâneas, como “Kato” Kaelin, um aspirante a ator que morava na casa de hóspedes de Simpson e não para de receber propostas de trabalho desde que fez seu depoimento.

Todos os envolvidos, de qualquer forma, no caso já receberam ofertas de dinheiro de publicações tipo o “National Enquirer”, uma revista semanal especializada em matérias como “Minha mulher fez amor com um extraterreno e agora vive comparando-nos”, para contarem o que sabem ou o que supõem. Nem dá para imaginar a quantidade de livros que sairão sobre o assassinato, e as fortunas que farão.

A audiência é um exemplo ao mesmo tempo do extremo a que os americanos vão com a idéia de que tudo que é notório é comercializável e do extremo a que vão, paradoxalmente, para proteger o direito de um cidadão.

Agora há poucas chances de que Simpson não vá a julgamento, mas dependendo de uma única decisão da juíza que preside a audiência preliminar, sobre a administração de certas provas, era possível que Simpson nem continuasse preso. Nem seria demais pensar em Simpson, daqui a algum tempo, fazendo comerciais de faca que supostamente usou para matar a mulher. O livro que fatalmente escreverá já é um best-seller certo.

O assassinato de Kennedy foi transformado na principal atração turística de Dallas. Tudo bem, o assunto tem interesse jornalístico e, na medida em que é uma homenagem ao presidente morto, também é a homenagem de milhões de texanos que se chocaram com o crime.

Mas Dallas representava o que havia de mais retrógrado e reacionário no país no tempo em que Kennedy – menos do que diz o mito, mas isto hoje pouco importa – tentava levá-lo em outra direção. Panfletos contra Kennedy estavam colados nos postes ao longo do trajeto que o levou a morte.

Simbolicamente, Kennedy foi executado por Dallas, independente de quem puxou o gatilho, ou os gatilhos. Meu protesto também foi simbólico.

Não paguei os três dólares para entrar no edifício de onde saíram os tiros, segundo o relatório.

O.J. Simpson, sabe-se agora, era um homem violento e já tinha batido na mulher. Mas talvez a tenha matado (se é que matou) levado pela certeza de que sua celebridade de certa maneira o protegeria, o eximiria de suspeita.

A celebridade tornou-se um valor independente nos Estados Unidos, o centro do seu próprio universo moral. Seu valor é definido pela cotação no mercado. Nada é tão rentável nos Estados Unidos hoje quanto a celebridade, e tanto faz a celebridade se dever à invenção de uma nova vacina ou ao decepamento de um pênis.

Existe uma lei nova proibindo as pessoas de ganharem dinheiro explorando o próprio crime em livros (“Como matei mamãe”, etc) e reportagens mas nada impede que outras pessoas envolvidas lucrem com sua proximidade ao crime.

Todos os participantes do julgamento do Simpson já são celebridades, a família da mulher assassinada já tem um agente cuidando dos seus contatos, o juiz já contou sua vida desde a infância para a TV e a promotora já deu palpite sobre quem deve desempenhar seu papel quando fizerem o filme.

O.J. Simpson, o homem que entrou no mundo dos seus sonhos com tanta facilidade que devia se imaginar à salvo de qualquer represália, deve se sentir um pouco como o Gatsby de Fitzgerald quando descobriu que a promessa da América era uma armadilha.

A celebridade lhe garante uma defesa de primeira e talvez garanta um bom veredito, mas a celebridade não o suspendeu acima do bem e do mal. E embora ele pensasse que tivesse atravessado a fenda para sempre, a celebridade não impediu que seu caso se transformasse, no fim, em pretos contra brancos. Como sempre.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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