Humor

10 de junho. Dunga de Bergerac

Postado por Simão Pessoa

Por Luis Fernando Verissimo

Dunga esgrima com quatro ao mesmo tempo e deixa os quatro no chão. Dunga humilha um desafiante insolente com cem epigramas devastadores. Dunga salva a mocinha e salta com ela do parapeito, usando a cortina como um cipó, enquanto improvisa no seu ouvido alexandrinos perfeitos. No chão, a mocinha declara-se apaixonada. Não por Dunga, pelo seu amigo bonito.

Dunga vira uma cambalhota no ar e tira um papagaio do chapéu. A mocinha não vê. O papagaio se transforma num buquê de flores que Dunga oferece à mocinha. Ela pede ao Dunga para apresentá-la a seu amigo. Dunga, desapontado mas ainda Dunga, leva a mensagem da mocinha ao amigo, atravessando a nado o rio com os jacarés.

De certa maneira, o problema do Dunga é o mesmo do Parreira. Nenhum dos dois tem a cara que o papel exige. O que os franceses chamam de físico do rolo. Cyrano de Bergerac era um herói com cara de palhaço, sua amada preferia um palhaço com cara de herói.

Parreira é um moço inteligente e articulado com cara de sonso. Quando diz alguma coisa surpreendente as pessoas logo olham atrás, procurando o ventríloquo, porque a expectativa é o óbvio. Das suas entrevistas em inglês perfeito, nos Estados Unidos, só faltaram dizer que foi bem dublado.

Parreira se salvaria da própria cara se fosse do biótipo boleiro, como o Telê Santana. Se fosse daqueles técnicos que a gente olha e diz: “Esse sabe no ossos”. E nos quais a falta de articulação ou o amor ao óbvio é até um sinal de competência. Mas ninguém pode imaginar o Parreira jogando futebol quando garoto. Ou pode, mas é sempre aquele guri esquecido na ponta, o único que amarrava o calção acima da cintura. É ou não é?

Dunga não consegue convencer os seus críticos. Por mais que faça, a mocinha não vê suas qualidades. Porque numa posição em que os padrões aceitos eram o bailarino watusi, o comissário da Varig ou o baixinho movediço criado no futebol de salão, Dunga introduziu o modelo magarefe. Quando mata uma bola Dunga sempre dá a impressão de que está matando o seu antecedente direto, o boi.

Mas ele é – dizem as estatísticas – quem melhor passa a bola no plantel e inclusive o melhor praticamente vivo na arte perdida do lançamento longo. A mocinha não liga. Ele chuta com força e precisão. A mocinha quer outro. Ele pode muito bem ser o jogador do Brasil que levantará a taça para as câmeras da posteridade, depois da final. Aí a mocinha aplaudirá quem estiver ao lado.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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