Humor

12 de julho. Ferrados

Postado por Simão Pessoa

Por Luis Fernando Verissimo

Nos cruzamos nos aeroportos, nos saguões de hotel, nos treinos da seleção, nos centros da mídia antes e depois dos jogos. Os primeiros encontros eram efusivos. Agora apenas trocamos caretas semafóricas, querendo dizer pois é, ainda estamos aqui.

Esta Copa não termina. O time brasileiro nos enganou a todos. Pensamos que vínhamos reportar um desastre, que sempre dá bons textos, e nos vemos atolados numa possível vitória, sem muito o que dizer.

Os comentaristas esportivos pelo menos têm suas teses para defender e atacar e com isso passar o tempo. E nós, o destacamento sócio-literário, que viemos pela festa e o vexame e de repente nos vemos envolvidos em algo mais sério e consequente? Viemos despreparados. Não trouxemos nem vocabulário para uma campanha longa.

“Estou ferrado” me disse o João Ubaldo, depois da vitória contra a Holanda. Ninguém, é claro, queria uma derrota do Brasil. Queria só um pretexto para voltar para casa, a traição à pátria era correlata.

Já dissemos o que tinha que ser dito sobre o calor e a mesmice americana, o Zinho e as inconstâncias da alma. Estamos até – vide esta coluna – começando a falar uns nos outros, um tipo de autofagia no desespero em grupo.

Todo mundo diz que um campeonato destes, com uma temperatura destas, é desumano com os jogadores. Mas os jogadores têm seu preparo físico. Os jornalistas esportivos têm suas tarefas específicas.

E nós, obrigados a catar assunto no que os outros desprezam, como predadores menores? O que nos sustentará durante mais esta semana, que pode inclusive acabar triunfalmente, prejudicando o nosso estilo? Estamos todos ferrados.

Somos um pouco como correspondentes de guerra, expostos a todos os perigos da linha de frente sem poder pegar em armas. O charme da profissão não compensa os riscos.

Nosso melhor desempenho é no bar do hotel, depois, quando toda reminiscência vira literatura. Nosso problema é com este espaço aborrecido que vem antes. Mas não chorem por nós. Pelo menos voltaremos mais filosóficos. E bronzeados.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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