Por Luis Fernando Verissimo
Eu não sabia se Mr. Lawson estava assistindo ao jogo. Se estava, certamente prestava mais atenção ao que as chuteiras faziam ao seu gramado do que ao que os times faziam um ao outro.
No domingo, quando fomos conhecer o Silverdome, o estádio coberto de Detroit, Mr. Lawson caminhava sobre o gramado com um balde na mão. Não sei se acrescentava ou se retirava coisas da grama, mas a tratava com a deferência de um namorado. Mr. Lawson retocava a grama como se arrumasse os cabelos da amada antes de apresenta-la aos pais.
Veio, simpaticamente, até a beira do campo quando o chamamos. Um homem corpulento, seus quarenta anos, óculos. Respondeu que não, a grama não precisava ser regada. Como os raios do sol não atravessavam a cobertura do domo, que só era aberto no caso de tempestades de neve para evitar que a neve acumulada provocasse um desabamento, não havia evaporação da umidade da grama.
A água era dispensável, o gramado só fora regado uma vez, depois de colocado. No fim da competição seria loteado e vendido, pois pertencia ao comitê organizador da Copa em Michigan, não ao estádio. Para o futebol americano recolocariam a grama artificial que normalmente cobre a superfície da cancha no Silversome. Mr. Lawson não parecia ter muita simpatia pela grama artificial. Falava na grama artificial como certamente os executivos de Detroit falam dos carros japoneses.
Mr. Lawson não se interessou muito por nós. Talvez nem soubesse que times estariam pisando na sua amada dali a dois dias. Quando pedimos seu nome, deu ser cartão. Disse “sure” quando agradecemos a sua gentileza e retomou sua delicada atenção à grama. No intervalo do jogo de ontem, Mr. Lawson reapareceu com seu balde. Aliás, apareceram vários Mr. Lawsons para examinar a grama.
De onde quer que tenha visto o jogo, o nosso Mr. Lawson deve ter gemido baixinho a cada torrão levantado, a cada lasca impiedosa tirada do chão. Como Terry, a preta gorda e bem-humorada que atende no restaurante “Tango” no nosso hotel, e dizia “Loco, loco, loco” enquanto corria de um lado para outro tentando lidar com a impaciência dos brasileiros por mais cervejas, vai dar graças a Deus quando esta horda tiver ido embora.
Mas acho que Mr. Lawson teria gostado de cumprimentar um jogador brasileiro depois do jogo. Aquele baixinho, o número onze. O gol que ele fez, a bola rolando suavemente até se aninhar dengosamente na rede, foi uma homenagem à grama de Mr. Lawson. Foi para a bola rolar assim que a grama de Mr. Lawson foi instalada no Silverdome. Mr. Lawson não deve ter pulado na hora do gol. Mas acho que se emocionou.