Humor

30 de maio. Breakfast II

Postado por Simão Pessoa

Por Luis Fernando Verissimo

O breakfast é a explicação dos Estados Unidos. Os americanos são como são porque não quebram o jejum, simplesmente, ao acordar. Estraçalham o jejum. Todas as conquistas americanas se devem ao fato da sua civilização ser a primeira na história a conseguir comer panquecas com melado de manhã. Os ingleses comem peixe frito. Talvez por isso tenham perdido seu império americano. Os índios mastigavam nacos de búfalo. Os mexicanos comiam suas ralas tortilhas com pimenta. Nenhum deles pôde deter a força do leite integral.

Os rifles de repetição ajudaram mas os verdadeiros conquistadores do oeste americano foram os grandes breakfasts. Hoje este vasto país de duas costas é um monumento ao teor calórico do seu café da manhã. O lema nacional, embaixo da águia, poderia ser “Caloria é destino”.

Os brasileiros que vão para a Copa devem ter paciência com os rituais que cercam o breakfast, portanto. Devem se lembrar que estão tratando com uma instituição sagrada. A primeira pergunta eucarística que ouvirão será:

– Como você quer seus ovos?

A hipótese, ridícula, de que você não queira ovos nem é considerada. Seria como não querer o suco de laranja. Peça-os “scrambled”, “poached” ou “soft-boiled”. Mexidos, estrelados na água ou quentes. Em hipótese alguma diga que quer seus ovos fritos, ou “fraide”. Neste caso, você provocará uma segunda pergunta, cabalística, que desafia a compreensão dos visitantes e tem levado a situação de grande tensão emocional. A garçonete perguntará:

– Sunny side up?

Não adianta você recorrer à tradução literal. “Sunny” é ensolarado, “side” é lado, “up” é em ou para cima. Lado ensolarado para cima. Que diabo será isso? Você pedirá esclarecimento.

– Ahn?

Ela repetirá a pergunta sem esclarecê-la. Porque a frase não pode ser dita de outra maneira. Faz parte da liturgia do breakfast, variá-la seria uma heresia. É uma metáfora simpática – matinal, ensolarada – e ao mesmo tempo tem a gravidade de um texto canônico.

Em qualquer lugar dos Estados Unidos a frase é a mesma. Independe do humor e da vontade de quem está servindo. Sua garçonete provavelmente será hispânica. Poderia, por solidariedade latina, explicar que se referia a gema do ovo. A gema para cima. O sol. Entiende? Mas estaria traindo o ritual, e a instituição.

Melhor pedir “scrambled”.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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