Dessa vez nós fomos catar um cara que é da nossa laia: Jaguar. Pra quem não sabe, o cara é fundador do Pasquim, e hoje em dia ocupa o cargo de editor d’A Notícia, um jornal que vende pra caralho no Rio de Janeiro com manchete do tipo “Ex-sogro fura o bucho do ex-genro pentelhão” ou “ Brioco de alemão não tem dono”, ou ainda “Tarado se dá mal: quase lhe cortaram o peru.” Nós recebemos o Jaguar na própria Casseta, e ele acabou com o nosso estoque de cerveja. Depois ainda foi tomar uns traçados no bar da esquina. Entre um gole e outro, ele nos concedeu esta entrevista. (C&P, maio de 1991)
Jaguar, essas manchetes d’A Notícia são verdadeiras ou falsas?
São verdadeiras, todas elas. A maioria das notícias vem d’O Dia, nós temos uma equipe precaríssima. A gente pega o que saiu d’O Dia e dá um tratamento… escroto.
Quais as manchetes que mais te agradaram n’A Notícia?
Ó, a que vendeu mais foi uma que era assim: “Cortaram o peru de quinze guris punheteiros”, que é um caso verdadeiro num sanatório…
Em Londres?
Suíça.
O pessoal acha que tudo isso aconteceu na Baixada?
Aí é que está a grande sacanagem. Eu não dou fala nenhuma de onde aconteceu. Pode ter sido em Campo Grande ou Nova Iguaçu. Simplesmente vem aquele monte de notícia, a gente põe nas manchetes.
E a coluna da Enoli Lara?
Ah! Rapaz, o maior sucesso. Chega carta pra caralho todo dia. E agora eu fiz o concurso: Quem escrever a carta de que ela gostar mais pode passar a noite com ela.
E aí?
E aí passa, porra. Vai jantar com ela no Castelo da Lagoa. Comigo e com um leão-de-chácara do tamanho dessa porta.
Só jantar?
Aí ela falou: E se eu gostar do cara? Bom, aí a gente deixa, né? Depois o problema é da competência do sujeito.
Quais as diferenças que você vê d’O Povo para A Notícia?
O Povo tem açougue e d’A Notícia baixaria de… sacanagem.
E aquele Notícias Populares de São Paulo?
Aquele Notícias Populares foi o modelo que o Ari de Carvalho tomou pra gente fazer. A diferença é que o Notícias Populares é em paulistês, e A Notícia em carioquês.
Você já fez alguma manchete política?
Não. De vez em quando eu tenho a tentação. Mas aí… eu não estou no Pasquim, eu estou n’A Notícia. Por exemplo, hoje veio a notícia do dia-a-dia do Stroessener. Ele passa a dia inteiro comendo papinha, vendo novela, Fantástico, ele grava o show da Xuxa e vê diariamente. Aí eu botei assim: “Ditador gagá adora o show da Xuxa.” A tentação primeira que tive foi botar a fotografia dele com o Geisel, os dois se abraçando, e dizer assim: “Stroessner é o da direita.” Aí eu falei: Não, não posso, fica muito sutil. É mais de direita que o Geisel.
O que seus amigos intelectuais estão achando?
Estão achando horrível. Você se vendeu, está enlouquecendo.
Só o Ziraldo que está puto?
Não. O Ziraldo é porta-voz de vários grupos. Agora, uma coisa que eu achei engraçado é o seguinte: outro dia eu fui fazer matéria sobre os embalos de Nova Iguaçu, fui lá na puta que pariu, um lugar estranhíssimo, né? Cheio de lésbicas e sapatões de Nova Iguaçu, já pensou? E de repente eu estou nos bookmakers da vida ouvindo Vivaldi, aí vêm aquelas peruas todas produzidas, aqueles caras com roupa de yuppies falar sobre o jornal. Levei o maior susto, entendeu? Eu estou fazendo jornal pro povão lá da Baixada e de repente vem um yuppie do partido comunista dizer que está achando o maior barato.
Você chegou a ser editor d’A Notícia e do Pasquim ao mesmo tempo?
Era a coisa mais estranha, né? Porque eu saía daquela loucura, presunto e não sei o quê, mulher nua, sacanagem, peru, e ia pro Pasquim. E aí no dia seguinte o Dr. Ari, o dono d’A Notícia, chega assim: Mas suruba? Aí eu digo assim: Mas, doutor, suruba é uma palavra comum. Então o senhor faz o seguinte: quais são as palavras que não pode? Cu e buceta não pode. Xota não pode, porque chocou muito das outras vezes que você escreveu. Porque a manchete que saiu lá dizia assim: “Crise provoca promoção de xoxota.”
É, essa eu comprei.
Então têm umas três ou quatro palavras que não pode.
Na época em que você era dono do Pasquim, podia tudo?
A minha época é uma coisa gozadíssima. Eu sou um cara tão antigo que já fui processado por atentado à moral pública por ter escrito numa história em quadrinhos, num pedacinho lá no alto de um quadradinho de uma história que eu fazia com o Ivan Lessa, a palavra porrada. Eu fui processado, cara.
Isso em que ano?
Isso foi no ano em que processavam porque se escrevia porrada. Mas aí eu fui processado e tal. Julgado, juiz e tal, júri e o cacete, entendeu? E eu trouxe como testemunhas a meu favor a dona Rachel de Queiroz e o Antônio Houaiss, eles provaram por a mais b que a palavra porrada é uma palavra arcaica e de ótima origem.
Se fosse buceta você tava ferrado!
Buceta nem pensar. Mas é o seguinte, a palavra porrada vem da palavra porrete, é uma espécie de xuxo, uma coisa assim, e o porrete maior chama porro, não é? Uma pancada com o objeto na cabeça de um cidadão chama-se porretada e a corruptela virou porrada, né? É uma palavra de estirpe. Agora o que eu acho bacana é o seguinte: eu fui absolvido, diante de tanta erudição, e comigo a palavra porrada entrou no seio da família brasileira!
Agora, você já pensou alguma vez em se candidatar à Academia Brasileira de Letras?
Não, mas eu soube através de interpostas pessoas que o Ziraldo está armando uma de entrar na Academia…
Ah é?
É. E eu falei: “Quero lançar a sua candidatura.” Ele disse: “Quê isso, Jaguar. Imagina. Só quando eu ficar velho.” Eu falei: “Mas você está velho, você tem a minha idade, porra!” Ele disse: Não, só quando eu estiver com oitenta e poucos anos, e já sei que tu vais lançar a minha candidatura só pra me sacanear. Mas talvez até eu entrasse, entendeu? Porque eu não tenho INPS, não tenho porra nenhuma. E aquilo ali pelo menos me garantiria um enterro decente. Mas eu não sei. Eu não digo que não entraria, entendeu? Por que não? Ali em frente tem um bar ótimo que é o Vilariño.”
Ô Jaguar, quem foi que inventou o Pasquim?
Eu não gosto de… Ô, meu Deus.
Conta aí, conta aí. Pros nossos leitores, são adolescentes. Não sabem nada, eles só lêem Casseta & Planeta.
Nem parece que vocês estão entrevistando uma figura… Um dinossauro feito eu porra. Eu detesto funk, por exemplo.
Mas eles precisam conhecer você. Você é o João Gilberto do humor.
Aliás, aquele filho de uma puta deu uma comigo, entendeu? Ele combinou comigo de fazer a entrevista mandou um cara ligar pra mim dizendo que ele estava de viagem para os Estados Unidos.
Tim Maia você já conseguiu entrevistar?
Ah! Foi gozadíssimo. Eu fui entrevistar o Tim Maia… Ele morava ali perto do Jockey, né? Eu fiquei lá no saguão do prédio, que era um prédio chique, né? E fiquei uns quarenta minutos e no fim o cara lá disse que ele não ia dar entrevista porque ele tinha descido, olhou pra minha cara assim detrás de uma coluna e me achou com cara de delegado da entorpecente. E o pior é que eu tenho cara de delegado! Outro dia eu estava lá na rua Hilário de Gouveia, é uma rua perto da delegacia. Eu estava num bar lá e veio um sujeito e falou assim: “Chegou o seu momento, seu filho da puta! Vou te matar, vou dar um tiro na sua cara agora, mas eu quero curtir antes de te matar.” Aí eu falei: “Mas o que é isso, cara? Eu?” Aí ele falou: “Você lembra de lá? Você me barbarizou naquela delegacia de Queimados. Ó aqui, esta marca aqui. Lembra? Seu filho da puta!” Eu falei: “Não! Pelo amor de Deus, eu sou desenhista, eu desenho ratinho.” Comecei a desenhar um ratinho no guardanapo de papel lá no bar e fui salvo não sei por quê. O cara: “Porra, mas você nasceu de novo. Você é os cornos daquele filho da puta”. E começou a ficar com raiva de novo. Aí eu pensei: Bom, acho melhor eu ir embora. Mas, em suma, Tim Maia me deu um banho de cadeira, me deu um chá de cadeira, e achou que eu ia dar um flagra nele.
Vem cá, você foi preso várias vezes?
Houve uma época na vida em que eu estava muito doido e o Ziraldo é testemunha disso. Agora, o Ziraldo, por mais diferente que seja de mim, eu tenho umas dívidas com ele. Eu e ele somos como dois irmãos, ou seja, nos detestamos! Toda noite praticamente eu era preso por uma razão ou por outra.
Mas peraí, qual era uma razão e qual era a outra?
Problemas de briga, de bater com o carro… e aí eu dizia: Liga pro Ziraldo. O Ziraldo nesse negócio ia e limpava, era profissional. Então eu ligava pra ele, um segundo depois ele tava lá.
Agora, rolava em cagaço especial na época da ditadura, Pasquim invadido e aquelas coisas.
Eu ignoro a palavra medo!
Caralho! Você anda numa rua escura sozinho?
Mas eu não tenho medo porque eu sou irresponsável. Não tenho coragem porra nenhuma.
Nunca entrou numa briga?
Eu sempre mandei alguém entrar por mim. Eu não sou besta. A coisa mais ridícula é o seguinte, de vez em quando tem intelectuais… Eu sou intelectual, não é?
Por incrível que pareça.
Mas tem intelectuais que vão às vias de fato, então eles não sabem brigar… É uma coisa horrível.
Vem cá, fala aí, pra quem você tira o chapéu daquela velha guarda do Pasquim e quem é filho da puta?
É engraçado, todos eles são brigados, têm ódios. Por exemplo, o Millôr tinha ódio inconciliável do Tarso, o Ivan também odiava o Tarso, o Tarso me odiava, mas eu não sabia por quê… não, porque quando houve aquela briga entre o Millôr e o Tarso, eu fiquei do lado do Millôr, porque eu fiquei do lado do Pasquim, porque o Millôr é que era o diretor do Pasquim, né? E o Tarso ficou com tanto ódio de mim que colocou aviso fúnebre na Folha de S. Paulo, né? Com direito a cruzinha e tudo: “Favor comparecer ao enterro do Jaguar. Causa mortis: atropelado pelo seu mau caráter.” Maldade. Aí eu falei: “Porra! Esse cara, o que eu fiz pra ele?” Também é aquele negócio, eu às vezes bebo e não me lembro o que que aconteceu, entendeu? Aí um dia eu estava no velho Degrau, chega o Tarso do outro lado. Aí ele falou assim: “Escolha as armas.” Aí eu falei: “Conhaque, palito e cerveja.” Sabe aqueles dias que você sente que pode beber uma piscina que fica legal? E o Tarso…
E ele aceitou o duelo?
Ele era barra-pesada, e eu só biriteiro, né? E aí resultado, eu carreguei ele pra casa. E foi um grande problema, porque depois ele ficou com cirrose, eu comecei a evitar o Tarso de todo jeito que eu podia. Quando eu soube que ele estava internado no CTI, eu fui às sete horas da manhã, lá na Clínica São Vicente, porque soube que ele estava tendo hemorragia e precisava de sangue, porque ele estava perdendo muito sangue. Aí o médico falou assim: “Jaguar, você não me leve a mal, mas até que horas você bebeu?” Eu falei: “Porra! Sei lá, que horas fecha o Lamas?” Ele disse: “Olha aqui, se eu der uma transfusão de sangue seu pro Tarso é a mesma coisa que dar uma dose de bloody mary.” Mas, de qualquer maneira, toda vez que eu encontrava o Tarso pintava meio a forra daquele episódio, né? Encontrei com ele no aeroporto, então eu falei: “Vamos bater um papo? Me dá um guaraná.” Aí o Tarso vira pro cara: “Uísque duplo!” Aí eu falei: “Então foda-se, pra mim também.” Aí três dias depois estava de novo no CTI, né? E por causa do Tarso eu perdi um emprego na Folha de S. Paulo. O Otavinho, da Folha, comprou uma porção de gente do Pasquim. Puta merda, mas eles fizeram um estrago. E ele me convidou pra fazer uma espécie assim de suplemento do Rio de Janeiro e tal. Balneário, notícias do balneário, coisa de paulista, e eu marquei encontro com ele, e eu cheguei e ele não estava. Então eu desci pra redação pra ver os companheiros lá e encontrei o Tarso. O Tarso falou: “Vamos descer pra tomar um negócio?” Eu falei: “Vamos, né?” Nós tomamos cachaça em copo de geléia. Aí eu voltei. O Otavinho já estava, aí ele me chamou na sala dele, me fez uma pergunta que eu não respondi porque eu escorreguei pra baixo da mesa e ali fiquei. Tava roncando. Eu achei que o Tarso me fez perder o emprego na Folha.
Mas o Millôr também brigou com um monte de gente?
O Millôr brigou com um monte de gente, e a briga mais séria que ele teve, que eu saiba, foi com o Chico Buarque. Alguém perguntou pro Millôr numa entrevista o que ele achava do Chico Buarque e ele disse assim: “Eu não confiaria o meu cachorro pra passear com ele na praia.” Mas aí o Millôr estava lá no Antonio’s com a Cora Rónai quando chega o Chico de porre e fala: “Pô, o que qui você tem contra mim?” E aí o Millôr não respondeu nada e o Chico foi e deu uma cusparada no Millôr. O Millôr pegou e jogou uma garrafa de Johnnie Walker, errou e quebrou ao meio. O Chico deu outra cusparada. Acertou. O Millôr jogou o saleiro, o serviço, todas as coisas que estavam na mesa, só faltou jogar a Cora Rónai. Errou. Aí o pessoal veio, separou e tal. Então eu contei essa história no Pasquim sem citar nomes: O maior humorista brasileiro e o maior compositor brasileiro brigaram e coisa e tal. Aí estou lá em Vila Isabel, aí o Perna vira e diz: “Pô, que aquela briga entre Milton Nascimento e o Ziraldo, hein?
E o Paulo Francis? Você ficaria na casa dele em Nova York?
Eu? Ele não deixaria. Porque o negócio é o seguinte, eu fiz aquele filho da puta. Ele não era nada, eu tirei ele da sarjeta. Vi o Paulo Francis desde que ele trabalhava no teatro. Eu vi ele numa peça grega de óculos lutando espada com outro cara! Bom, o Paulo Francis nunca me enganou. Tudo mundo acha que ele escreve divinamente. Olha, não romance. O Francis sempre foi um sujeito muito egoísta, muito escroto e tal, entendeu? Ele era elitista…
Sempre foi?
Eu era muito amigo de um garçom da Carreta. Depois que ele acabava o serviço a gente ia beber por aí. Um dia eu levei o Paulo Francis, né? E o cara chegou e eu falei: Esse aqui é meu amigo que trabalha comigo lá no Pasquim. E o cara chegou e falou: Doutor Francis, o que nós vamos comer? E o Paulo: “Em primeiro lugar, tire suas mãos imundas do meu ombro. Em segundo lugar, faça silêncio e não me dirija a palavra.” Aí ele foi pro banheiro e o garçom falou assim: “Só não dei uma porrada naquele filho da puta porque ele é seu amigo.” E depois outra coisa, o charminho que ele fazia era o seguinte, ele adorava marcar encontro em táxi. Ele dizia assim: Me espera na rua tal com a rua tal. Aí ele passava de táxi, falava pra você entrar, e aí o motorista dizia: “Pra onde vamos, doutor?” “Não interessa, vamos em frente.” E ele ficava dando volta no quarteirão e você acabava concordando com tudo que ele queria, né? Porque, porra, rodando num táxi? Dá uma aflição danada aquilo. Outra coisa que ele ficou com raiva de mim foi o seguinte: porque eu era editor da Codecri, né? E ele trouxe aqueles livros dele, Cabeça não sei o quê. Eu li aquele troço e disse: “Eu não vou publicar isso. É uma merda. Você é um grande jornalista, mas os seus personagens não têm vida.” E ele acabou ficando puto comigo, e eu não publiquei. Anos depois, no aniversário do número mil do Pasquim, eu soube que ele estava aqui, liguei pra ele e falei: “Escuta, eu queria que você escrevesse, mesmo que seja me esculhambado…” Ele falou: “Pô, mas você tem muita cara-de-pau. Eu soube que você anda falando mal de mim por aí.” Aí eu falei: “Não, não, é que… eu até gosto de você. Sou seu amigo pra cacete. Cara, eu sou um cara que gosta muito de aplauso. Toda vez que eu falo mal de você, o pessoal bate palmas.” É verdade. Eu fui no programa do Jô Soares, falei mal dele, o pessoal: palmas.
Caetano tem razão quando diz que ele é uma bicha amarga?
É, eu acho que ele é enrustido, não é? Eu nunca… eu só sei de uma coisa: todas as mulheres que eu conheci que foram mulheres dele viraram sapatão.
Vem cá, é verdade que numa dessas ele escreveu uma carta dizendo que deu a bunda e não gostou?
Ele não escreveu porque não é verdade que não tenha gostado.
Você anda tem estado com o Ivan Lessa?
Não, não. Ele tá com ódio de mim.
Pô, também? Mas você…
Eu não odeio não. Eu adoro ele… Eu acho que ele é um dos sujeitos mais brilhantes do Brasil. Mas ele… alguém fez fofoca comigo, só pode ser isso. Porque eu já escrevi várias cartas pra ele e ele não me responde.
Você acha que era mias difícil fazer humor no tempo da ditadura ou nos tempos do cólera?
Eu acho que era mais fácil no tempo da ditadura, né?
E o lance da censura?
A gente driblava a censura, mas na maior cara de pau. Por que sabe como a gente fazia? A gente deixava três datilógrafos copiando milhares de coisas e mandava uns vinte Pasquins, entendeu? E mandava os desenhos em rascunhos, entendeu? Aí mudava a expressão do boneco e já mudava a piada toda, né? Era uma guerrilhazinha.
E tinha alguma época que teve algum censor que praticamente morava no Pasquim?
É o seguinte, eles bobearam, quando eles viram nós já estávamos com cem mil exemplares, nós fizemos ligações com o Washington Post, o Nouvelle Observateur e tal. Se fechasse o Pasquim ia dar uma merda internacional. Então eles botaram censura, em vez de fecharam simplesmente. Tivemos foi a d. Marina, uma censura muito simpática, só que nós descobrimos depois que ela era alcoólatra. Então todo dia eu botava a garrafa de Johnnie Walker lá na mesa dela. Ela tomava tudo e saía de porre. Morreu de cirrose. Tiraram ela e botaram o general Juarez, um sujeitão bonitão, parecia Gary Cooper, né? Quem lidava com ele era eu ou o Ivan Lessa, ou os dois, entendeu? E ele tinha uma espécie de ética, ele tinha um diálogo. Agora o mais engraçado era o seguinte: ele recebia a gente na garçonniére dele, debaixo de um enorme retrato da Brigitte Bardot com os peitos de fora. E a gente ficava torcendo pra aparecer umas menininhas que ele recebia, e ele ficava todo orgulhoso e dizia: “Esses aqui são meus amigos do Pasquim.” E aí ele chegava ali e ficava indócil e aprovava tudo pra despachar a gente. E depois ele jogava biriba no posto seis com os outros velhinhos lá, entendeu? Aposentado. Velhinho nada, porque ele tinha o quê? Esses caras são uns parasitas, com cinquenta anos já estão aposentados. Então eu contratei uma moça… aliás, outra história engraçada. Alguém falou: “Precisamos de um boy.” Eu falei: “Que boy, porra. Por que qui tem que ser boy? Por que não uma girl? Vou contratar uma girl.” Aí um dia eu tô lá no Pasquim e vejo chegar assim um puta de um carro americano com uma loura deslumbrante, desceu, subiu lá e falou assim: Eu vim me oferecer para o emprego de girl. O meu analista disse que seria muito bom pra mim.
Quem era o analista?
E a gente tinha um monte de secretárias bonitinhas. Sempre foram garotas bonitinhas. Ela era uma das melhores, entendeu? Quando o general tava jogando biriba na praia com aqueles outros coroas lá, a gente mandava a garota de biquíni, cavadão. E ele ficava todo prosa, né? Porque ela ficava dando beijinhos nele e tal. Quê isso, general? Por que que o senhor não aprova?
E além da censura, teve prisão também, né?
Eu, por exemplo, fui preso por causa do Paulo Francis.
Mas por causa do Paulo Francis?
É. Eu viajava muito no fim de semana, ia pra uma casa que eu tinha em Arraial do Cabo. Um dia neguinho chegou: “Porra, que que está fazendo aí? Tá todo mundo preso, se esconde.” Aí eu falei: “Mas que qui houve?” “Não sei, já foram na sua casa várias vezes e tal.” Aí eu me escondi. Quer dizer, me escondi porque não tava a fim de ser preso, né? Numa casa oferecida por um dos caras que era um dos dedos duros da revolução, Flávio Cavalcanti. Este país é completamente maluco! E junto com a Leila Diniz, quer dizer… um lugar ótimo, um esconderijo ótimo. E eu tava lá, achando o máximo, quando disseram que eu tinha que ligar pro número tal. Aí eu liguei. Era lá pra Vila Militar, e o Paulo Francis: “Olha aqui, o pessoal disse que só vão soltar a gente depois que você se apresentar com o Sérgio Cabral.” Aí eu falei: “Porra, Paulo, vou chegar lá, porra, e vou ficar preso também.” Ele disse: “Não. Eles disseram que assim que vocês chegaram vão ser interrogados e depois serão soltos.” Aí eu falei: “Porra. Ó, eu não vou não, sabe?” Aí ele falou assim: “Aí, porra, fodeu.”
Então você foi preso por causa da sua consciência?
Aí eu liguei pro Sérgio Cabral. Ele falou: “Tá, então vamos lá.” E o Flávio Rangel, que Deus o tenha… Rangel era um bravo companheiro, falou: “Eu vou também.” Aí eu falei: “Mas eles não querem você!” “Não, eu vou.” Aí eu falei: “Então vai, porra.” Aí eu fui, marquei e tal, peguei o Sérgio Cabral de táxi, passei na casa do Flávio, o Flávio com uma malinha. Eu falei: “Que porra de mala é essa?” Ele falou: “Nós não vamos ser presos?” Eu falei: “Não, nós vamos ser interrogados. Deixa a mala aí, porra.” E ainda paguei o táxi até a Vila Militar. Não tive nem o prazer de ser preso. Fui de táxi, bandeira dois!
Pagando o táxi.
Aí quando eu vi o quartel falei: Não, volta. Aí entrei num boteco, tomei um copo de cachaça, voltei, o cara lá me atendeu. Eu falei assim: “Eu sou o Jaguar, ele é o Sérgio Cabral.” Ele falou: “Ah! Pode entrar.” Fiquei dois meses preso.
Mas vocês foram torturados?
Não. Mas é o tal negócio, né? Podia acontecer tudo, né? A gente tava preso. Eu, por exemplo, me dei muito bem lá com os caras e tal na cadeia. Bebi pra cacete o dia inteiro, subornava os guardas, entendeu? Você vê que merda que é a minha vida. Foi o período mais feliz da minha vida. Eu acordava de manhã e dizia: “O que é que eu tenho que fazer aqui?” Porra nenhuma. Aí tava lendo Guerra e Paz… Mas aí, porra, era um negócio assim de tortura psicológica, eles faziam um negócio assim meio diabólico, na cabeça deles, né? Me pergunta: Você foi torturado? Não, não fui torturado. A única tortura que houve no nosso grupo foi que mandaram cortar a cabeleira do Luís Carlos Maciel, que era por aqui, né? E que eu aplaudi, achei ótimo. Fizeram muito bem. Até hoje ele não deixou crescer de novo. Bom, então tinha aquele negócio. Tortura era conversar com os caras, né? Porra. Agora teve um episódio que eu sempre conto, né? Leitores, jovens leitores punks. Tinha um tenente, o tenente Carreteiro, que era uma mãe. E conversava muito com a gente, e conversando com a gente, principalmente com o Ziraldo, com o Sérgio Cabral, porque eu não gostava muito de papos com esses caras, ele de repente viu um outro mundo que não existia na cabeça dele era oficial do exército, ele hoje em dia seria… Sei lá, um ministro da Guerra. E ele de repente resolveu sair do exército, né? “Ah, meu Deus que loucura. Eu vou sair dessa porra, entendeu? O mundo não isso.” Aí ele falou: “Vou pros Estados Unidos, vou estudar hotelaria.”
Ele já estava acostumado com a carceragem, resolveu estudar hotelaria?
Então o Paulo Francis, que era amigo do pessoal da embaixada, conseguiu uma carta de apresentação. O preso era o pistolão pro carcereiro. E o cara foi pra lá. Foi e eu perdi ele de vista. Um dia eu estava no restaurante da Maria Thereza Weiss, e o maître, impecável, era o tenente Carreteiro.
E vem cá, teve exílio na sua vida?
Quase. Uma vez nós estávamos presos lá e depois raptaram um desses embaixadores, entendeu? E nós estávamos assim quatro horas da manhã e de repente aquele barulho, pintou um oficial armado até os dentes e falou: “Olha, se preparem porque daqui a três horas vocês vão pra Argélia. Vão ser trocados pelo embaixador da Suíça.”
Não dá pra ser trocado pelo embaixador da Argélia e ir pra Suíça?
E aí eu falei assim: “Eu não vou. Só vou debaixo de porrada.” “Ah! Então o senhor escreve aí por que não que ir.” Eu falei: “Eu não vou porque não quero ir, porque me apresentei na prisão e não quero estar andando em camelo amanhã, porra.” Puta que pariu! Já imaginou fazer o Pasquim na Argélia? Puta que pariu. Então, foi só esse perigo de ter que ir parar na Argélia.
Mas vem cá, você comeu muita gente no tempo do Pasquim?
Eu não. Eu sempre fui monógamo. Além de tudo naquele tempo eu tinha ejaculação precoce, eu tinha vergonha. Uma vez eu fui com uma mulher em Cuba… Aliás, eu já contei essa história? Você sabe como eu fodi o plano sanitário do Fidel Castro? Eu consegui o que a CIA não conseguiu, entendeu? Então eu estava assim desesperado. Eu todo dia ia pra aquele… como é que se chama? Cowboy. Chegava no Cowboy, sentava, pedia um cuba libre… E o meu compromisso comigo mesmo era o seguinte: qualquer mulher que sentasse ali, eu ia com ela, entendeu? Fosse lá qual fosse, perneta, gorda…
Uma espécie de roleta-russa de pica?
E numa dessas eu peguei uma blenorragia. Que saudade, hein? Bons tempos aqueles em que a gente pegava blenorragia, né? E aí fui pra Cuba… Foi sorte, entendeu? Porque lá eu tive duas vezes relações. Lá em Cuba é bobagem, as mulheres chegam e dizem assim: “Quero ir contigo.” Mas aí ela falou: “Então vamos pro quarto, vamos pro hotel. Eu estou livre.” Eu falei: “Ah! Tá livre.” Aí, porra, nós pegamos e fomos pra outra esquina ali e pegamos um carro, e aí tinha um lugar que não tinha nada escrito, nem um letreiro, nada. Tinha uma fila. Lá em Cuba tinha sempre uma fila, pra você tomar um sorvete é uma puta fila, pra comprar jornal tem fila e pra motel, evidentemente, tem fila, né? São uns cinco ou seis casais na fila. Assim na calçada, né? Aí eu comecei a segurar o braço da moça. Dei a primeira. Na segunda ela pegou uma gonorreia.
Pra terminar, fala uma merda aí…
Ah! Tá aí. Já que eu estou muito doido hoje eu vou contar um caso. Eu matei um cara uma vez. Acho que já prescreveu. Tem mais de dez anos. É o seguinte, eu costumava levar as moças… naquela época não tinha motel, né? Então eu levava pro Morro da Urca. O Morro da Urca tinha uma vista lindíssima, hoje tá tudo cimentado lá. Mas tinha aquela estaçãozinha de trenzinho lá e tinha uma porção de caminhozinhos no meio do mato, e eu conhecia aqueles caminhozinhos todos, entendeu? E aí levava as moças pra lá. Um dia eu estava com uma moça quando vejo mexer o mato assim e veio um negão saído do meio da moita, e vinha em nossa direção, né? Eu olhei assim e vi uma pedra… Vi uma pedrona enorme, quando ele chegou perto, eu fui e taquei a pedra bem nos peitos dele, entendeu? E ele caiu, rapaz. Eu só ouvi aquele barulho, pum, pum, pum. Eu olhei assim e não vi porra nenhuma. Aí falei: Se veste aí e vamos embora, porque o cara caiu lá embaixo. Depois eu fiquei olhando A Notícia para ver se saía alguma coisa. Nunca saiu porra nenhuma.