Por Ana Cristina Spannenberg e Vivian Augustin Eichler
O cartunista e pintor Luís Carlos Coutinho, mais conhecido como Caulos, vem a Passo Fundo como o Artista Homenageado da 9ª Jornada Nacional de Literatura. No final dos anos 60, abandonou a marinha mercante e resolveu assumir sua vocação para o desenho, passou pelo Pasquim, pela Última Hora e trabalhou durante 20 anos no Jornal do Brasil. Desde o início de sua carreira tratou de temas que denunciavam o descaso com o meio ambiente, o estresse da vida moderna e, especialmente, as imposições econômicas e políticas no país.
Hoje, sua atividade principal é a pintura que poderá ser conferida na exposição “Caulos – pinturas”, de 25 a 31 de agosto, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider. Seus livros mais recentes são direcionados às crianças, público que terá a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente na 1ª Jornadinha Nacional de Literatura.
Em conversa de uma hora por telefone, jornalistas da UPF conheceram um pouco mais das idéias e da história desse artista que se define como “um passarinho nada prático”, fazendo referência a uma de suas piadas preferidas no livro Vida de Passarinho. Nela, Caulos ironiza as diferenças entre “artistas” e “pessoas práticas” nas formas de encarar a vida.
Para iniciar essa conversa, gostaríamos de saber a respeito de sua participação na Jornada. Como você recebeu esse convite e homenagem? Que idéias você tem desse evento?
Eu não conhecia. Tinha informações sobre a Jornada através de meus editores da LP&M. E o Millôr, que esteve aí, aliás, usando um casaco que eu emprestei – que era uma super japona que eu usava quando morei fora do país – para enfrentar o frio de vocês, falava muito bem. Então eu já tinha ouvido falar, mas a uma certa distância, sem ter muita idéia do que era. Até que o Lima, meu editor, disse que a Tânia estava me convidando para participar, por causa do meu livro “Vida de Passarinho” e que eu estaria lançando um outro livro. “O Princípio e o Fim”. Me pediram, então, os dados e eu percebi que, assim como eu conhecia pouco a Jornada, a Jornada também conhecia pouco sobre mim, o que é muito justo! Então mandei meu livro de pinturas, que é a minha atividade principal de uns 15 anos para cá. Aí, o pessoal de Passo Fundo gostou muito e, por isso, seria o artista homenageado.
Você mencionou então a pintura. Conhecemos também seu trabalho como cartunista e as histórias infantis mais recentes. Poderia contar um pouco como iniciou a sua trajetória, seu trabalho.
Olha, já fui tudo que você possa imaginar. Comecei a trabalhar com 13 anos de idade. Nasci em Minas Gerais, em Araguari, no triângulo mineiro, e migrei para o RJ com a família, aos nove, dez anos de idade. Então sou mais carioca do que mineiro. Quer dizer, para os cariocas ainda continuo mineiro por causa do sotaque. É só abrir a boca que me perguntam: Você é de onde? E quando chego em Minas é a mesma coisa, o pessoal fala: Ah! Acariocou! Você migra e fica no limbo. Sou casado com uma carioca, tenho uma filha carioca, mas as duas me tratam como mineiro. Chegando no Rio, minha família era extremamente pobre. Fui trabalhar como boy numa empresa, depois fui balconista de um armarinho. É engraçado porque isso foi em 1958. Naquela época ganhava meio salário mínimo e pagava o meu ginásio, dava algum dinheiro para minha mãe e sobrava para ir ao cinema, comprar as coisas que eu queria, etc.
Nossa! Que desvalorização do salário mínimo!
É inacreditável, porque quando minha filha foi para a escola eu pagava quatro salários mínimos para ela e eu, com meio salário mínimo, podia pagar o meu ginásio. Então se vê que alguma coisa mudou muito de 58 para cá… Aí o meu irmão mais velho queria ser oficial da marinha mercante, que é diferente da marinha de guerra. A escola é militar, mas a profissão é civil. E ele tinha uma influência muito forte, eu o admirava muito. Gostei da idéia de poder conhecer o mundo através da marinha mercante. Eu era um leitor voraz de Monteiro Lobato e Júlio Verne – aliás, continuo lendo Júlio Verne até hoje – e já tinha evidentemente uma imaginação muito fértil. Era uma criança com muita imaginação e desenhava o tempo todo. Costumava ir ao cinema e depois desenhar os filmes que tinha assistido, quando vejo esses desenhos hoje fico impressionado, não pelo talento, mas pela capacidade de memorizar os filmes. Desenhava a história inteira. Por exemplo, o “Pinóquio” ou “20 mil léguas submarinas”, do Júlio Verne, que vi cinco vezes e desenhei todo também. Perdi o meu pai quando tinha 18 anos e ele tinha uma admiração muito grande pelo meu desenho. A mãe achava que era uma brincadeira de criança, dizia que eu precisava de uma carreira sólida – e ela tinha razão – hoje eu digo que ela tinha razão. Então quis ir para a marinha mercante, profissão muito baseada na matemática. E tenho muita facilidade com matemática, acho que é uma coisa do desenhista, que tem um raciocínio muito abstrato, e a matemática é a maior de todas as abstrações.
Mas quando você resolveu largar a marinha e assumir a sua vocação para o desenho?
Bem, até então ninguém dava importância àquela habilidade que eu tinha de desenhar, achavam que aquilo não tinha futuro. Fui para a marinha mercante e viajei por quatro anos. Achei a vida no mar maravilhosa, mas senti muito o isolamento. Não é solidão, é isolamento. Fiz viagens, por exemplo, que eu saía do Rio de Janeiro e voltava cinco meses depois. Chegava no RJ, ficava três ou quatro dias e saía de novo. Então fui perdendo os amigos, já não conhecia direito a minha rua, namorada nem pensar! Percebi também que, com o tempo, eu seria comandante de navio, iria me aposentar, algo muito pragmático. Aquele futuro certo e claro não me interessava. Aí eu deixei de um dia para o outro. Saí e eu não sabia fazer absolutamente nada em terra, só sabia dirigir navio. Foi então que a minha irmã mais velha disse: Você sabe desenhar! E aí fui tentar emprego em uma agência de publicidade, em 1968. Acabei perdendo a vaga para uma linda mulher (risos). E aí fui trabalhar na Primaco Artes Gráficas, que me deu a oportunidade de ser um desenhista com conhecimento de gráfica, o que é pouco comum. Em 1969, surgiu o Pasquim. Eu fiz uns desenhos, nunca tinha feito nenhum cartum, e levei para o Jaguar. Ele me atendeu e disse que ficaria com três deles. E indicou a revista Fairplay – antecessora da revista Playboy – para levar alguns desenhos coloridos, onde o Ziraldo trabalhava. Mas fiquei naquela dúvida, porque o Ziraldo para mim era um Picasso, o Jaguar era o Miguelângelo, então fiquei assim, né! Na semana seguinte comprei o Pasquim e estavam lá, meus três desenhos, fiquei entusiasmadíssimo! E resolvi procurar o Ziraldo, que olhou os meus desenhos e começou a falar, só não me chamou de gênio. E eu ficava olhando para ele perplexo, porque não acreditava em uma palavra do que estava falando. Depois, mais tarde, eu fui conhecer bem o Ziraldo e vi que eu tinha toda a razão, ele é completamente pirado! Eu era um desenhista dedicado, mas não era nenhum gênio. Publicaram então os meus desenhos na revista Fairplay. O Ziraldo estava naquela época dirigindo o jornal A Última Hora, e precisava de um desenhista, e aí me contratou. Foi minha primeira experiência séria com o jornalismo, quando vi a redação inteira ser demitida um mês depois. Após dois anos trabalhando com o Ziraldo fui convidado para ser diretor de arte do Pasquim, pelo Jaguar.
Nessa época, vivíamos sob uma ditadura ferrenha. A gente percebe pelo seu trabalho sempre uma crítica ao modelo político vigente. Isso lhe trouxe algum problema com o regime militar?
Olha, eu não era importante para ser preso, mas fui muito censurado. O jornal tinha uma censura prévia, você mandava os desenhos e eles voltavam censurados. Eu só tive problemas com a polícia duas vezes, com o Dops, em uma capa que eu fiz para o Sérgio Ricardo, cantor, para um LP. Eu peguei a foto do Sérgio Ricardo e recortei a sua boca e um bonequinho meu saía da capa carregando a boca. Aí a Polícia Federal achou que eu estava insinuando que havia censura (risos!). Fomos, então, ao Dops depor. É chato você receber uma intimação em casa para ir depor. O Dops era uma coisa horrível naquela época, algumas pessoas iam e não voltavam. Comigo e com o Sérgio felizmente não aconteceu nada. Eu contei a eles que aquela insinuação de censura era porque aquela foto era do show do Teatro Record, em que o Sérgio Ricardo havia sido impedido de cantar pela platéia, e ele quebrou o violão. Lembra dessa história? Disse que era referência àquela impossibilidade de cantar e eles me liberaram. Mas a censura tirava dinheiro da gente, porque eu ganhava do Pasquim pela colaboração, pelo que eu desenhava. E quando era censurado, não publicava e não era pago. Então a censura, mais do que moral, era física, porque eu já vivia disso.
Você acha que a situação melhorou com o fim da censura?
Isso tudo me decepcionou muito. Eu achava que no final, quando acabasse a censura, se pudesse denunciar as coisas erradas que havia nesse país, que o Brasil mudaria. Mas não mudou. Saiu a censura militar da ditadura, que era inimiga de todos, estávamos unidos contra ela. E veio a censura mais terrível, mais subjetiva, que é a econômica, ou seja, os interesses dos próprios jornais. Aí você descobre que nem todos estão do seu lado, inclusive, às vezes, o jornal. Contra essa censura a luta é muito mais difícil, é mais sutil. E o Brasil, com todas as denúncias, continua cada vez mais sem-vergonha, o Brasil perdeu foi a vergonha!
Nos anos 70, havia uma indignação nacional, pelo menos das pessoas mais esclarecidas, contra a situação do país, o regime militar e os males que ele provocava. Hoje percebo que esse tipo de crítica já não é tão bem recebida. Vivi dois anos nos Estados Unidos e descobri que os americanos vivem muito bem, não apenas porque são ricos, mas porque administram muito bem o país e têm uma consciência muito forte do que podem e não podem, um respeito muito grande pelas leis e pelos seus direitos. Você não ouve falar em cidadania nos Estados Unidos, é uma coisa intrínseca, o americano nasce e é cidadão. Aqui não. O brasileiro nasce e quando vai para a universidade começam a colocar na sua cabecinha as noções de cidadania, porque ele não tem nenhuma. Vi coisas maravilhosas no sistema americano, não estou falando em política externa, porque essa é horrível! Mas quando voltei dizia que a minha filha tinha estudado dois anos em uma escola pública americana, com uma qualidade de ensino que não existe nem em escolas pagas no RJ. As pessoas olhavam para mim e diziam que aquele é um país muito rico, mas que não tem a nossa alegria. É mentira. Eles são extremamente descontraídos, alegres e inventaram 80% do entretenimento que nós curtimos. Temos que admirar o que é bom e reconhecer nossos defeitos. Se acharmos que isso é um paraíso, isso será sempre um país do terceiro mundo, e não existe paraíso no terceiro mundo. O que adianta uma praia maravilhosa e pessoas dormindo na rua? Mas tem sempre um político brasileiro para dizer que esse é um problema mundial.
Errar é humano!
Sim, mas persistir no erro é burrice e desumano.
Em seus primeiros livros, como “Só dói quando respiro” e “Errar é humano”, feitos na década de 70 quando se falava muito em desenvolvimento, em progresso, o seu trabalho já trazia a denúncia contra os riscos ambientais. Hoje a gente sente o resultado daquilo que se denunciava, mas naquela época não existia uma consciência muito grande entre as pessoas sobre essa questão ecológica. O que levou você a esses temas?
Dizem que os humoristas veem tudo primeiro. Eu acho que é uma pretensão. Como já disse, sou mineiro, por isso tenho uma ligação muito forte com o campo, com o mato, com a cidade pequena, com a paisagem. Meu pai era pescador e caçador – não depredador, caçava no final de semana – um homem muito ligado à natureza. Como hoje estão descobrindo que tudo é genético, talvez essa minha ligação com a natureza deva ter qualquer coisa genética. Sobre a preocupação ecológica, eu me orgulho realmente de ter falado nisso. O tema ganhou espaço na mídia brasileira com a volta do Gabeira, que voltou da Europa falando disso, se eu não me engano, no final da década de 70.
E você já falava disso antes…
Na minha primeira exposição no Museu de Arte Moderna, em 1973, o tema todo era ecologia. Em 72 eu publicava no Jornal do Brasil e no Pasquim esses desenhos de ecologia. O livro “Só dói quando eu respiro”, onde o título já é inteiramente ecológico, foi editado em 77. Ele vai ser reeditado agora, espero que esteja pronto para lançar na Jornada, com uma capa bonita e todo repaginado. Talvez eu tenha seguido essa linha de ecologia levando um pouco – isso é uma dedução minha a posteriori – pela censura, porque os idiotas da censura achavam que piada de ecologia podia. Você não podia dizer que o presidente era um gorila, mas podia dizer que não se deveriam matar os gorilas, talvez até por isso que eles achassem legal, né? Eles achavam que eu era pela preservação dos gorilas (risos).
Então tem um lado bom…
É, mas na época eu fui muito criticado por isso, muito debochado. A extrema esquerda dizia que aquilo era perfumaria. Hoje eu vejo pessoas que foram da extrema esquerda dizerem na televisão “precisamos salvar o planeta, que é a nossa casa, afinal de contas”. Enfim, que todos salvem o planeta é o que interessa…
Ainda sobre os seus temas… Os seus desenhos estão sempre expondo o sofrimento do homem moderno, que é quase uma máquina, vive cheio de relógios e refém das relações de poder, da rotina. E agora, 30 anos depois, mudou alguma coisa ou não?
O que mudou é a consciência. Por exemplo, você é de uma geração nova e está me fazendo essa pergunta, porque já tem essa consciência. Eu acho que a minha geração contribuiu pra isso e as coisas foram mudando. Agora, o que não mudou, pelo contrário, adquiriu mais força é o poder econômico que é capaz de tudo pelo lucro. Parece um discurso comunista e os radicais de direita vão dizer que é uma coisa velha, como se o radicalismo de direita fosse a vanguarda. Não é. Os anos 80 foram terríveis, foram os anos dos yuppies nos Estados Unidos, Wall Street, Bolsa de Valores, ali o mundo teve uma mudança muito grande. Nos anos 70 nós éramos todos sonhadores, todos poetas… Ah, e todos os que podiam tinham fusca! Nos anos 80, se você tivesse um fusca, morria de vergonha, porque as pessoas começaram a usar roupa com grife, se preocupar com a beleza, com o valor dos carros e com o restaurante que frequentavam. Sem se preocupar com a qualidade da rua onde estava o restaurante, ou da rua onde eles moram… Isso é que foge à minha compreensão. Eu aceito qualquer vaidade, porque ela é humana, agora eu não posso entender a pessoa construir uma casa maravilhosa e ter que construir um muro de proteção em volta porque a rua em que mora é horrível.
É uma inversão de valores, na verdade…
E, sobretudo, é um egocentrismo absoluto. Não se quer saber dos outros, só de si mesmo, porque se o cuidado fosse com a rua, o bairro, a cidade, estaria cuidando da nação, então cuidaria de todos e, consequentemente, de si mesmo. O que acontece na sociedade americana – e o brasileiro não aceita isso – é que a sociedade americana tem uma consciência absoluta de sociedade. O americano sabe que é importante que sua rua seja cuidada, porque da casa ele cuida. O brasileiro não, acha que tem que cuidar da casa dele, e que a rua é da prefeitura. O brasileiro tem noção da família e não tem o sentimento da comunidade, o que vale é o “tudo para os meus e os outros que se virem”.
Nos seus desenhos pouco identificamos o poder público. Você joga bastante a responsabilidade para as pessoas, né?
Isso eu não tinha pensado… Foram vocês que viram. A gente nunca sabe o que faz. Desconfie do artista que entende muito do que faz. Mas foi perfeito, eu gostei de ouvir isso, porque nem tudo é consciente, graças a Deus. Como vocês disseram, a responsabilidade vai para todos e não só para a autoridade. Até porque, contestar a autoridade é muito fácil, muito cômodo. Agora, pegando essa observação, eu acrescentaria que: quando a gente contesta a autoridade, é bom lembrar que ela não veio do planeta Marte, chegou lá levado por brasileiros. Então, alguma coisa está errada conosco, para que aquele “brasileiro cretino” esteja lá. Essa consciência é que é difícil ter…
Tem uma charge ótima sua que fala sobre as rotinas. O homenzinho passa a semana inteira caminhando ao lado de um muro fechado e, no final de semana, ele dá uma rápida espiadinha pela janela e continua…
Tem um desenho da “Vida de Passarinho” que é o meu preferido, minha piada preferida. A gente não sabe o que faz, mas esse eu fiz com muita consciência. O passarinho está andando a pé e vê uma pedra na sua frente. Ele diz: “uma pedra no meio do caminho”. Pára, pensa e diz: “se eu fosse um poeta, faria um poema”. Aí pula a pedra e conclui: “mas eu sou apenas um passarinho prático”. Eu gosto porque é muito parecido comigo, quer dizer, eu não sou um passarinho prático; e as pessoas, de uma maneira geral, vivem a vida prática. Já os artistas, os poetas, os escritores, as pessoas que vivem da fantasia – aliás, um mundo muito mais próximo da realidade – não são práticas. Os anos 80 transformaram o mundo em um mundo prático e, consequentemente, sem graça. Que graça tem você passar o dia inteiro na bolsa, ganhar uma fortuna e voltar para casa e não poder ouvir um CD do Caetano ou do Chico Buarque? Ou assistir a um filme, ler um livro? A graça da vida está nessas horas e, por mais vocação que a pessoa tenha para ganhar dinheiro, sem elas o mundo prático é insuportável, é muito chato…
Como você percebe as fases do teu trabalho?
São as fases da minha vida mesmo. O “Só dói quando eu respiro”, tem esse título ecológico por razões óbvias. Mas o ar que se respirava naquela época não era poluído apenas pelas fábricas, pelo asfalto e pelo escapamento dos carros, era poluído também pela ditadura, por aquele autoritarismo violento. Então esse é um livro dark, que trata de um mundo irrespirável. Essa fase, aparentemente, passou, mas mudou de nome, de forma… A minha primeira exposição foi no MAM (Museu de Arte Moderna) com cartuns de desenhos de ecologia. Eram aquarelas e guaches feitos especialmente para a exposição. Ou seja, eu já tinha uma vocação para o desenho e a pintura. De dois em dois anos fazia uma exposição, sempre desenhando nos jornais, nas revistas, mas fazendo para as galerias também. Até que um dia um galerista aqui no Rio disse: “olha você tem que pintar, o negócio é pintura, porque o mercado brasileiro valoriza muito pouco o papel”. Então comecei a pintar, fazer exposições e fui muito bem sucedido. É uma coisa apaixonante, porque tem uma diferença fundamental para o desenho do jornal, onde você faz com prazer, mas o que interessa é o resultado, a reação do leitor. Na pintura não, é só o enorme prazer de pintar. Eu pinto para mim, quando eu acabo espero que alguém também vá gostar daquele quadro e fique com ele, para que eu possa pintar outro… Porque os homens práticos esquecem que os artistas – que não são práticos – também almoçam, jantam e dormem… então também precisam de alguma coisa prática no bolso.
Quais são seus próximos projetos?
Eu já tenho mais de meia dúzia de livros prontos. A minha relação com escrever livros é diferente: de vez em quando eu acordo, tenho uma idéia, sento e escrevo. Já a pintura e o desenho eu faço todos os dias, pelo menos seis horas por dia, exigem disciplina. O livro infantil, você tem uma inspiração, uma idéia, senta e em um dia escreve. E o quadro ou desenho não, você começa, vai, erra, começa de novo, erra, começa de novo… Então eu tenho vários livros na gaveta e estou começando uma série de trabalhos que mesclam pintura e literatura. Vou tentar levar uns dois ou três quadros dessa nova fase para a exposição aí de Passo Fundo.
Você vem a Passo Fundo para participar da Jornadinha, trazendo várias obras dedicadas às crianças e adolescentes. Uma delas, A Última Flor Amarela, é considerada “altamente recomendável para crianças”. Qual a mensagem que você quer passar a esses leitores?
Com crianças nós devemos ser construtivos sempre. Eu nunca faria uma piada totalmente pessimista para uma criança. No final desse livro, a flor amarela é destruída por homem, mas renasce em outro lugar. Essa esperança é a minha relação com as crianças. Sem ser piegas ou dizer um clichê, elas são a nossa esperança de sobrevivência. E não existe nenhuma criança que nasça de mal com o mundo, todas têm uma esperança enorme e uma confiança absoluta no futuro. Por isso precisamos ter todo o cuidado com elas. Os governantes devem investir no ensino, porque a criança quer aprender e é ali que estão todos os talentos embrionários e vem a continuação de tudo. Eu já tive experiência com crianças, em escolas, e é algo fascinante porque são sempre sinceras.
Eu fiz um livro que não foi publicado ainda, está com a LP&M, chamado “O Jardim de Infância de Matisse”, que conta a história do pintor (um dos mais importantes pintores franceses do século XX), mas mostra também que todo artista é uma criança. Acho que comecei a escrever livros infantis já mais velho porque tive uma filha e comecei contar histórias para ela. Hoje eu lembro de coisas e detalhes da minha infância que eu não me lembrava há 20 anos.
Mais sobre o autor em: www.caulos.com