Humor

Eu já fui uma diva do axé

Acarajette Lovve nos domínios do Olodum, em Salvador
Postado por Simão Pessoa

Por Beto Silva, ex-Casseta & Planeta

Um dos últimos seriados do programa me presenteou com uma personagem que fez muito sucesso: Acarajette Lovve, com dois tê e dois vê, a cantora de axé baiana que se achava a melhor cantora de axé do mundo! Do mundo só não, da Bahia!

Agora, imagina o trabalho que dava para transformar um cara peludo como eu em algo que se pareça minimamente a uma fêmea? Era preciso mais de uma hora sentado numa cadeira de maquiagem para eu me transformar na cantora baiana.

Acarajette Lovve foi uma personagem que fez sucesso assim que foi ao ar pela primeira vez. Como a resposta do público era muito boa, achamos que dava para convidar as cantoras baianas para gravar com Acarajette, e, incrível, todas elas toparam. Acarajette gravou com Claudia Leitte, Ivete Sangalo e Daniela Mercury, além de outras cantoras não baianas como Joelma ou roqueiras como Pitty. Acarajette ficava lá xingando as cantoras, dizendo que era mais bonita, mais gostosa e que cantava melhor e elas entravam na brincadeira e respondiam na mesma moeda. Era divertido. Eu curtia bastante.

Quando chamamos Ivete Sangalo para gravar com Acarajette, ela disse que topava, que queria muito gravar com Acarajette, mas a sua agenda estava complicada. Como ficou difícil conciliar uma data para a gravação no Projac, a produtora de Ivete nos fez uma proposta:

– Acarajette topa participar do show da Ivete no Rio de Janeiro?

– No Rio? Claro! – a produção do programa respondeu sem pestanejar. – E em que teatro vai ser o show?

– Não vai ser em teatro não. Vai ser em cima de um trio elétrico.

– Como assim num trio elétrico? Nós não estamos no carnaval.

– A Ivete vai dar um show num trio elétrico no estacionamento do Riocentro. Acarajette topa subir no trio elétrico com ela?

Eu sou um cara tímido, nunca toparia subir num trio elétrico diante milhares de pessoas, mas Acarajette não era tímida e topou na hora.

O dia da gravação chegou. Como não dava para maquiar no Riocentro, a produção marcou comigo no Projac. Fiquei pronto, travestido de Acarajette com umas quatro horas de antecedência. Então, um carro da produção me levou ao Riocentro, e lá no estacionamento encontramos o trio elétrico da Ivete, parado diante de uma multidão.

O palco do trio elétrico normalmente fica em cima da caçamba do caminhão. Chegamos por trás e entramos dentro da caçamba, onde existia um camarim. Ivete já estava lá, preparando-se para o show. Ela me recebeu super bem, muito simpática, senti uma solidariedade de cantoras baianas. Ivete explicou como seria a minha entrada, que horas eu entraria no palco, ou melhor, quando eu subiria no trio. Passei o texto com Ivete.

O show começou e eu fiquei esperando ali embaixo escutando Ivete cantar os seus hits. Até que, com uns quarenta minutos de show, ela me chamou ao palco:

– E agora com vocês, uma convidada muito especial: Acarajette Lovve!

Subi as escadas que davam acesso ao palco na parte de cima do caminhão. Quando cheguei lá e vi a plateia, gelei. Eram mais de vinte mil pessoas. Gente a perder de vista, uma multidão sem fim. Respirei fundo e mandei:

– Boa noite. É uma honra para mim, Acarajette Lovve, estar aqui para ajudar essa cantora iniciante, Claudia Leite…

Ivete se fingiu de irritada e me corrigiu:

– Não, Cacarajette! Eu sou Ivete, minha linda.

– Ah, é Ivete seu nome? Desculpa, não conhecia…

Ficamos assim nos provocando por uns cinco minutos, o povo delirando. Até que Ivete resolveu incitar as 20 mil pessoas a gritar o meu nome:

– Acarajette! Acarajette! Acarajette!

E foi aí que aconteceu. Vinte mil pessoas gritando o meu nome. Naquele momento, depois de mais de quatro horas vestido daquele jeito, eu nem me lembrava mais que era o Beto Silva, eu era Acarajette. E estava fazendo o maior sucesso! E sucesso, como todos sabem, sobe à cabeça. Eu sou um cara tranquilo, que sabe onde tem a cabeça, mas Acarajette não. Ela estava completamente deslumbrada, por sua cabeça mil pensamentos rolavam: Será que aquele era o momento de largar o Casseta & Planeta e virar uma cantora baiana de vez? Que tal realizar o sonho do trio elétrico próprio e desfilar pelas ruas de Salvador no carnaval? Já pensou gravar um CD e viajar pelo Brasil fazendo shows em cima do meu personal trio elétrico? Tudo isso passou pela cabeça de Acarajette Lovve em milésimos de segundos.

Mas então aconteceu outra coisa: Eu esqueci o texto. Viajando na carreira-solo de cantora de axé, eu não lembrava mais as minhas falas. Fiquei calado, deu uma bobeira geral. Ivete já havia falado à beça, agora cabia a mim responder e nada! O sonho de seguir na carreira de cantora baiana se esvaneceu na velocidade da luz e agora eu só tentava encontrar um texto perdido em algum lugar de meu cérebro. Precisava falar alguma coisa, mas nada vinha! Fiquei nervoso. Comecei a suar frio. Achei até que desmaiaria ali em cima do trio elétrico diante de vinte mil pessoas. Mas Graças a Deus não cheguei a pagar mico naquela noite. Depois de alguns poucos segundo, que para mim pareceram uma eternidade, finalmente achei a fala num neurônio perdido qualquer e gritei:

– Eu sou Acarajette Lovve! A melhor cantora do mundo! Do mundo só não! Da Bahia! Uma cantora que além de cantar muito melhor, tem as pernas mais grossas do que Ivete, que tem só esses cambitinhos ridículos!

Ivete respondeu a altura. Sacaneou Acarajette e dessa vez, pediu uma vaia à plateia, que a atendeu. Sob uma vaia de vinte mil pessoas, eu me despedi do público. A multidão voltou a aplaudir Acarajette e eu sai de cena. Desci as escadas rapidinho e voltei para o camarim na parte de baixo do caminhão. Chegando lá, a primeira coisa que fiz foi arrancar a peruca que já estava apertando a minha cabeça há mais de quatro horas. Peguei um lenço umedecido e tirei a maquiagem. Tirei a roupa da Acarajette, deixei de ser a musa de pernas grossas da Bahia, a sensação loura do carnaval baiano e voltei a ser só aquele cara do Casseta & Planeta. Mas posso dizer que, pelo menos por alguns minutos, em cima de um trio elétrico, ao lado de Ivete Sangalo, eu me senti uma verdadeira diva da axé music!

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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