Por Mouzar Benedito
Historinha do Barão de Itararé, chamada “Boa memória”, dos tempos em que guarda-chuva não custava tão barato. Aí vai:
O homem cumprimentou o outro, no café:
– Creio que nós fomos apresentados na casa do Olavo.
– Não me recordo.
– Pois tenho certeza. Faz um mês, mais ou menos.
– Como me reconheceu?
– Pelo guarda-chuva.
– Mas nessa época eu não tinha guarda-chuva…
– Realmente, mas eu tinha…
Agora, guarda-chuva é coisa barata. Recentemente, comprei um bonitão por R$ 25,00 e, num dia de chuva, fui a um restaurante por quilo que frequento sempre e o deixei com outros, na entrada. Quando saí, cadê ele? No seu lugar tinha um guarda-chuva um pouco parecido com ele, mas era velho, bem estragado, não fechava direito, tinha que ficar “amarrado”, senão abria sozinho. O lugar não é barato, é frequentado por gente de classe média a média alta. “O cliente deve ter pego por engano”, justificou o dono do restaurante. Que engano! O sujeito chega com um guarda-chuva todo estropiado, que não fecha, e sai com um novo e não percebe o “engano”?
Aí me lembrei de outra coisa. No tempo em que rolava o pedido de impeachment de Dilma Roussef, fui a uma lan house mandar um texto para uma revista. Estava num pen-drive, com muitos outros textos. Era um instrumento de trabalho para mim.
No computador ao lado, um sujeito falava pelo tal de Skype. Pelo que dizia, devia ser de algo tipo “Vem Pra Rua”, “Movimento Brasil Livre” ou equivalente. Propagandeava alguma atividade do grupo “contra os corruptos”. Saí logo e depois de andar uma quadra e meia, percebi que tinha esquecido o pen-drive lá. Voltei. A moça que atendia foi logo dizendo: “Esqueceu o pen-drive aqui?”. Respondi que sim e ela contou que viu o sujeitinho anticorruptos tirar o pen-drive do computador que eu tinha usado, falou com ele que era meu (eu sempre ia lá) e o cara falou que não tinha tirado pen-drive nenhum, saiu esbravejando. Ele também, pelo que ela disse, frequentava aquela lan house com regularidade. Nos dias seguintes, esperava encontrar com ele lá, mas ele não voltou mais. Tudo para me garfar uma porcariazianha que na época custou R$ 15,00 reais. E era um sujeitinho com cara e roupas de burguês, esbravejador contra os corruptos.
O que me irrita nos dois casos em que fui garfado é que tipo de gente fez isso. É um cara que não precisa e rouba migalhas. E geralmente discursa contra corruptos.
Bom… Nos dicionários há muitas palavras e expressões para falar de ladrão. Aí vão algumas:
Furtador, amigo do alheio, tratante, bandido, bandoleiro, golpista, larápio, salteador, gatuno, afanador, punguista, batedor de carteira, abafador, descuidista, gateador, ladravão, malandro, malandréu, lanceiro, lapim, lascarino, milhafre, pilhante, pivete, pula-ventana, rapinante, rato, ratazana, trombadinha, ventanista, celerado, cigano, sacomano, jirigote, trambiqueiro, troca-tintas, velhaco, estradeiro, espertalhão, vigarista, unhante, meliante, puxador, saqueador, capiango, cleptomaníaco, embusteiro, corrupto, corruptor, camafonge, pichelingue, assaltante, mioto, rato de armário, ladravaz, cavalheiro de indústria, alfaneque, pente-fino, harpia, ave de rapina, leirão, mafioso, trampista, mão-leve…
E o coletivo de ladrões? Também tem muitos sinônimos, como os que se seguem:
Quadrilha, bando, camarilha, alcateia, cainçalha, canzoada, caterva, choldra, choldraboldra, corja, farândula, horda, malta, récova, récua, súcia, turba, cambada, canalha, matilha, mamparra, cacaria, cáfila, cachorrada, matulagem, parranda, facção criminosa…
Já que estou falando deles, como se chama a atividade deles, quer dizer, roubar? Eis algumas expressões:
Mamar a alguém todo o seu cabedal, apalpar as algibeiras a alguém, fazer mão baixa, tosquiar, meter a mão, bater a carteira, encher a mochila, fazer um firme e quatro rodarem, larapiar, levar couro e cabelo, pilhar, assaltar, furtar, rapinhar, gazofilar, capiangar, afanar, abafar, surrupiar…
Agora vejamos algumas frases sobre eles:
Millôr Fernandes: “Tenho a nítida impressão de que todos os meus amigos são puros, todos os lugares que frequento impolutos, todas as mulheres que conheço sacrossantas. Ladrões são os outros. Sujos são os locais a que os outros vão, prostitutas, apenas as mulheres dos vizinhos. Há trinta anos que em vão tento me corromper. Só me oferecem cargos de sacrifício, postos em que se necessita um salvador ocasional, campanhas ‘em prol de’, sem que eu possa me beneficiar de nada. Ilibados amigos meus – eu quero dinheiro, glória, cargos, opulência, sexo farto e fácil”.
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Millôr de novo: “Mais cedo ou mais tarde as pessoas dignas e honestas receberão o devido castigo”.
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Millôr, mais uma vez: “Um incorruptível não tem o menor valor para um corruptor”.
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Ditado popular: “Ladrão de tostão, ladrão de milhão”.
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Provérbio francês: “Quem furta um ovo, furta um boi”.
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Gino Meneghetti: “O comerciante é um ladrão que tem paciência”.
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Beppe, avô de Meneghetti, morando em Pisa, na Itália, descobriu que o neto, ainda menino, roubava. Chamou Gino, contou sua vida como trabalhador honesto e depois entrou no assunto dos roubos. Segundo as Memórias, do grande ladrão, o avô disse coisas que o marcaram:
“Muitos dos homens bem colocados que você vê aqui em Pisa são ladrões refinados, mas roubam dentro da legalidade. São ladrões da pátria, ladrões de salão. Roubam e a lei ainda lhes presta honras, porque depende deles para aumentos, nomeações e outras coisas. Durante sua vida você vai ver muitos destes, vá em que país for, porque o mundo está cheio deles. São vigaristas e ladrões, mas vigaristas e ladrões bem-sucedidos. Roubam milhões e nada acontece.”
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Não sei quem: “O juiz de futebol é o único ladrão que rouba na presença de milhares de pessoas e ainda vai para casa protegido pela polícia”.
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Provérbio persa: “Um ladrão é um rei, até ser apanhado”.
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Teddy Roosevelt: “Um homem que rouba por mim fatalmente roubará de mim”.
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Ditado popular: “A ocasião faz o ladrão”.
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Jô Soares: “A comissão faz o ladrão”.
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Machado de Assis: “Não é a ocasião que faz o ladrão; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: a ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito”.
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Courtney Love: “Não queria roubar carros. Não queria ser uma prostituta. Então fiz strip-tease”.
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Ambrose Bierce: “Ladrão: nome vulgar para um indivíduo com sucesso em obter a propriedade dos outros”.
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Lygia Fagundes Telles: “Eu me aproximo das pessoas como um ladrão que se aproxima de um cofre, os dedos limados, aguçados, para descobrir, tateantes, o segredo”.
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Vão Gogo (pseudônimo de Millôr Fernandes): “Quando for assaltado, não chame a polícia sem verificar primeiro se o assaltante não é da polícia”.
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Ditado popular: “Onde está o ladrão está o roubo, mas nem sempre”.
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Marquês de Maricá: “O roubo de milhões enobrece os ladrões”.
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Paulo Maluf: “No Brasil, o político é viado, corno ou ladrão. A mim, escolheram como ladrão”.
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Ditado popular: “Os grandes ladrões enforcam os pequenos”.
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Pierre-Joseph Proudhon: “A propriedade é um roubo”.
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Ditado popular: “Ladrão que não é apanhado, passa por homem honrado”.
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Mahatma Gandhi: “Todo aquele que possui coisas que não precisa é um ladrão”.
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Ditado popular: “Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão”.
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Provérbio ugandês para dizer que “ladrão não respeita ladrão”: “Uma galinha pode comer o intestino de outra”.
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Mário Quintana: “Nada se perde, tudo muda de dono – tardia reflexão de Lavoisier ao descobrir que lhe haviam roubado a carteira”.
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Ditado popular: “Ladrão que anda com frade, ou o frade será ladrão ou o ladrão será frade”.
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Agora uns pensamentos nada profundos da minha lavra mesmo:
“Quem nasceu pra ladrão pé-de-chinelo nunca chega a corrupto”.
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“Diz o político ladrão:
Você nunca vai se aposentar,
Pois errou de profissão”
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“Quem poupa… Tinha: veio um ladrão e roubou tudo”.
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“Ladrão que rouba ladrão… corre o risco de ser roubado também”.
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“Vergonha é roubar e não poder carregar. Mas levando parte do roubo já é lucro”.
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“Há assaltos que são feitos dentro da lei: o imposto de renda descontado de salários mixurucas, por exemplo”.
PS.: Quando era criança, assim como muitos moleques, roubava frutas como jabuticaba, manga e laranja em quintais. Moleque que era moleque tinha que fazer isso. Menino roubar frutas era considerado “normal”. Mas só frutas. Se roubasse uma moeda ou um objeto qualquer, era considerado ladrão. Já adolescente e até certa altura da juventude, saía com amigos para roubar frangos de madrugada, para cozinhar em botecos, tomando cachaça e cerveja. Sim, também fazia parte da “cultura” de muitas cidades pequenas fazer isso. Tudo era farra. O roubo de frangos, por rapazes, para “cear” de madrugada também era “normal”. Mas só frangos. Se roubasse outra coisa qualquer, era rotulado como ladrão.
Mesmo assim, podem dizer: “Ele também roubou e fica falando dos outros”. Pois é. E mais: durante a ditadura, não fiz parte de organizações guerrilheiras e não “expropriei” bancos, como essas organizações faziam. Mas achava normal. E me lembrava da frase de Bertolt Brecht: “O que é um ladrão de banco comparado a um dono de banco?”.