Humor

“Minhas mulheres não têm celulite”, diz Benício, rei das pin-ups

Postado por Simão Pessoa

Por Orlando Pedroso (*)

José Luiz Benício da Fonseca, o ilustrador Benício, é o homem por trás de várias das imagens icônicas e do imaginário masculino brasileiro nos anos 70, como “Gisele, a Espiã Nua que Abalou Paris”, “A Super Fêmea”, filme que catapultou Vera Fischer, ou o cartaz de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, com Sônia Braga. Também fez cartazes para filmes dos Trapalhões e ilustrações para as revistas Playboy, Veja e um sem-número de desenhos para publicidade.

Apesar de não fazer distinção entre desenhar empreendimentos imobiliários, cenas urbanas ou do cotidiano, foram as mulheres que deram a ele a fama de o “rei das pin-ups”. Com esse gancho, acaba de ser lançado o livro “E Benício Criou as Mulheres”, escrito pelo jornalista e estudioso de quadrinhos Gonçalo Júnior. Na obra, Gonçalo esmiuça a vida e trajetória de uma das maiores referências da ilustração tradicional brasileira, dono de uma técnica impecável no trato com pincel e guache.

Nascido em Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, em 1936, Benício nunca quis fazer revolução com seu desenhou, mas, sim, dedicar-se a ele como poucos o fizeram. É um profissional no sentido estrito da palavra e é isso que ele mostra na entrevista a seguir, concedida ao UOL, em 2013.

Você nasceu em 1936. O que era ser um garoto nessa época em Rio Pardo, no Rio Grande do Sul?

Benício – Não tenho muitas memórias de Rio Pardo, pois saí de lá muito cedo, com quatro anos. Minhas primeiras memórias marcantes da infância já são de Porto Alegre, onde fiz minha escola primária no Grupo Escolar Argentina. Nessa época, ganhei dois prêmios de desenho em concurso entre as escolas públicas de Porto Alegre. Me lembro da Grande Enchente de 41, dos passeios na Praça da Redenção e do cinema aos domingos no Cine Marabá. Eu era muito quieto, passivo, ouvia música clássica e desenhava. Com meu irmão mais velho, recortava gibis e criava outras histórias. Gostava do Capitão Marvel, que era o herói que eu não era. Nos fins de semana ia com minha irmã de criação, Maia, ver os seriados no cinema. Ir ao cinema era um prêmio.

Sua família veio de onde? E o que faziam?

Meus ancestrais eram fazendeiros de Alegrete, cidade da fronteira onde minha família se originou e se estabeleceu. Meu avô era bem rico. Meu pai não soube administrar a herança, era muito mão aberta e perdeu tudo, para desespero de minha mãe. Mudamos para Porto Alegre onde ele foi ser funcionário público. Mas o que ele sabia era lidar com o gado.

Vocês eram quantos irmãos?

Éramos sete irmãos, e eu, o caçula. Destes, quatro nasceram na fazenda. Hoje, só tenho duas irmãs vivas.

Algum outro seguiu o caminho de alguma arte?

Não, fui o primeiro e único que manifestou tendência artística. Um foi pra Marinha, outro para o Exército, outro era dono de agência de publicidade. Tenho quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Meus filhos homens herdaram minha tendência artística, são diretores de arte.

Tinha uma história da agência de um alemão, não é?

No meu primeiro emprego, aos quinze anos. Na agência de publicidade Clarim, em Porto Alegre, conheci Ernest Zeunner, que foi o primeiro profissional que se interessou pelo meu trabalho de desenhista. Como ele era muito rígido, um belo dia, devido ao ímpeto da minha pouca idade resolvi chutar tudo para o alto e fugi do emprego sem aviso, para procurar outro como pianista. Consegui o emprego na radio Gaúcha, também sem o conhecimento de minha mãe. Nesta rádio cheguei a ter um programa exclusivo, chamado “Um Piano Dentro da Noite”. Mas minha mãe me apoiava. Ela entendia meu temperamento, ao contrário de meus irmãos, que ficaram malucos e tentaram me dissuadir da ideia dizendo que eu ia me perder na vida. Sempre fui muito controlado. Tinha algumas economias e encarei.

Você foi para o Rio de Janeiro para estudar piano. Chegou a frequentar aulas? Onde? Por quanto tempo?

Minha mãe tocava, mas o piano dela ficou na casa de uma irmã. Aprendi sozinho a tocar no piano de uma vizinha. Eu tinha uns oito anos. Como ela viu que eu tinha jeito pra coisa, me deixava tocar. Numa festinha lá que minha mãe me viu tocar pela primeira vez. Ficou encantada e mandou buscar o piano na casa da irmã. Com 16 anos, fui visitar meu irmão que morava no Rio. Meu primo Januário me apresentou a uma professora de piano, que conseguiu uma bolsa de estudos de um ano no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro, que era onde eu sonhava morar. A família pressionou de novo, mas a mãe deu todo o apoio.

E como você começou a trabalhar com desenho? Isso era coisa que passava por sua cabeça?

Como precisava me manter, para estudar piano, consegui um emprego na Rio Gráfica, como desenhista, por intermédio de um amigo da mesma professora de piano que havia arrumado a bolsa de estudos.

Como era a rotina dentro do estúdio e como era a convivência com os outros artistas?

Uma rotina de trabalho árdua de “oito horas” por dia. Minha convivência com meus colegas sempre foi maravilhosa. Nos tratávamos como amigos muito chegados. Éramos como uma irmandade. Todos queriam fazer histórias em quadrinhos, mas eu queria ilustrar.

E como era o Rio nessa época? O que você fazia fora trabalhar? Parece que praia nunca foi o seu forte…

Não frequentava muito as praias. O que me atraía era a beleza das mulheres e as belas paisagens. O Rio de Janeiro era muito tranquilo. Podíamos, como fiz muitas vezes, sair andando de madrugada pela avenida Atlântica, sem medo de violência. Nas minhas horas de folga eu gostava de tocar piano com os amigos e namorar a Lourdes.

Você praticava algum esporte?

Sim! Halterocopismo! (risos)… Nunca fui chegado a esportes.

Você conheceu sua mulher no Rio?

Sim, conheci Lourdes logo depois que cheguei ao Rio. E foi paixão enorme durante os 52 anos que vivemos juntos. Tivemos quatro filhos, que nos deram muitos netos.

Você pode contar como se conheceram?

Conheci-a através de meu primo Januário, que era amigo de sua família. Um dia ele me levou em sua casa, porque lá havia um piano. Foi amor à primeira vista. Eu tinha 16, ela, 18, e um pai velho e carrancudo. A família levou mal pra burro. Diziam que eu não tinha futuro, que não me acertava em nada. Mas como eu era um cara ajuizado, de temperamento calmo, respeitador, consegui quebrar a austeridade e se tornaram carinhosos. Viram que eu era um cara do bem. Eu e Lourdes tínhamos temperamentos parecidos. Ela era carioca e nos casamos quando eu tinha 22 anos.

Você teve alguma outra profissão nesse tempo que não a de ilustrador?

Sim, fui pianista na boite Jirau.

É mesmo? Como era isso?

Durante as madrugadas do Rio, tinha que tocar na boate, sempre preocupado com o juizado de menores. Muitas vezes tive que me esconder em banheiros. Além de ficar aturando papo chato de bêbado, que achavam que tinham que ser íntimos do pianista. E, por conta disso, eu e Lourdes ficamos separados por dois anos. Eu ainda estava na Rio Gráfica onde passei a trabalhar meio período. À noite tocava na boate e à tarde, no estúdio. Lourdes não gostava. Achava que eu ficava pendurado em mulheres. Sempre fui um boêmio comportado. Nunca chutei o pau da barraca.

Você ficou muito conhecido pelos desenhos de mulheres apesar de ter feito todo o tipo de ilustração no editorial e publicidade. Isso te incomoda?

De maneira alguma, ser conhecido pelos desenhos de mulheres, para mim, sempre foi motivo de orgulho. Tenho o mesmo carinho pelo meu trabalho editorial e de publicidade.

Das mulheres famosas que você desenhou qual é a de sua preferência?

Especialmente, não tenho nenhuma preferência. São todas minhas musas.

OK, mas qual foi a que te trouxe mais retorno?

Vera Fischer.

Como nem tudo são flores, teve a estória das coxas da Renata Sorrah. Qual foi a reclamação?

A reclamação era que ela estava de pernas de fora. Ela entendia que isso poderia prejudicar sua imagem.

Você chegou a ter contato com elas?

Com muito poucas e nunca antes do trabalho. Eu recebia as fotos do filme e trabalhava em cima delas.

E como foi encontrar com alguma dessas musas que você pincelou madrugadas adentro?

Pelas reações favoráveis que tive, sempre fui bem recebido. Fazia uma plástica aqui, outra ali. Minhas mulheres nunca tiveram celulite (risos).

Para você, existe diferença entre desenhar uma bela mulher ou uma cena de condomínio?

Não, a dedicação que tenho para desenhar é uma só. Não faço diferença entre os trabalhos que tenho que executar.

Você teve um leve AVC (acidente vascular cerebral) e perdeu sua esposa. No que isso mudou sua rotina?

Meu trabalho está sendo feito em um ritmo bem mais lento. Tive que reinventar um pouco a minha técnica. Tudo ficou um pouco mais difícil e demorado para ser executado. Me adaptei às novas privações. Engrossei os cabos dos pincéis para ter mais firmeza, por exemplo.

Você produz coisas para você? Quero dizer, desenha por prazer ou só vai para a prancheta a trabalho?

Curiosa esta pergunta! Durante toda a minha trajetória, fiz muito pouca coisa para o meu deleite. Sempre fui movido pelo desafio do trabalho.

Ainda dá tempo…

Não, minha motivação é o trabalho pra valer.

E como você vê o reconhecimento de seu trabalho com os livros, exposições e interesse de pessoas jovens hoje aos 76 anos?

Fico muito lisonjeado e feliz pelo reconhecimento de tantos anos de dedicação ao meu trabalho. E agradeço muito ter tido a oportunidade de influenciar essa nova geração de desenhistas.

Olhando pra trás, há alguma coisa da qual você se arrependa?

Me arrependo de não ter trabalhado mais e me dedicado mais.

Trabalhado mais? Não foi o suficiente? Você poderia estar tranquilo em Alegrete vendo as vacas pastarem!

Meu temperamento não permite essa passividade toda. Gosto de agitação.

E há alguma coisa que gostaria de ter feito e não o fez?

Eu gostaria de ter conseguido transmitir meu conhecimento para essa nova geração de talentos. Mas ainda está em tempo…

De certa forma, você faz isso.

E concordo! O convívio com os colegas sempre me dá ânimo para seguir em frente.

O que você espera de 2013?

Quero começar tomando um belo drink, comemorando a vida!

 

(*) Orlando Pedroso é artista gráfico e ilustrador. Foi colaborador do jornal Folha de S. Paulo, de 1985 a 2011, e atualmente publica o Blog do Orlando no UOL.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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