Humor

“Os mitos políticos são narrativas construídas”, diz Edson Aran

Postado por Simão Pessoa

Quando o mineiro Edson Arantes era jovem, queria ser cartunista, e por essa razão reduziu seu sobrenome para “Aran”, inspirado em outros artistas com nomes abreviados como Henfil e Angeli. É formado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e começou a carreira em 1986, egresso do curso de jornalismo da Editora Abril, na revista Contigo!, onde ficou por cinco anos.

Ao mesmo tempo tinha seus textos e desenhos de humor publicados em O Pasquim, revista AZ, IstoÉ e Diário Popular. Depois chefiou as redações das revistas Set, Interview, Vip (1999-2003) e Sexy (2004-2006). Voltou à Abril em 2006 para editar a Playboy Brasil, onde ficou até 2013, quando saiu para criar sua própria editora. Criou no Twitter o meme “O amor é outra coisa”, muitas vezes compartilhado e até com uma homenagem realizada pela banda de rock Velhas Virgens, em uma de suas canções.

É autor dos livros “Aqui jaz – O livro dos epitáfios”; “A noite dos cangaceiros mortos-vivos”; “Conspirações – Tudo o que não querem que você saiba” e “O imbecilismo – e outros textos de humor”. Recentemente participou da equipe que reformulou o humorístico global “Zorra Total”, além de ser um dos membros do site “República dos Bananas”, que faz um humor subversivo e provocador. “O que vitimou a Playboy foi a dependência excessiva de celebridades, uma invenção da versão brasileira da revista e ligada à uma lógica de monopólio”, afirma.

Aran, você é um homem que sempre esteve associado a grandes veículos da mídia impressa, sobretudo revistas de grande circulação nacional como Playboy, Sexy, Vip e IstoÉ. Qual o diferencial que mídia impressa poderia explorar, para não ser tragada de uma vez pelo digital?

Folhear uma revista tem que ser não apenas uma experiência intelectual, mas também visual e tátil. O papel tem que ser bom, o design, a qualidade das imagens e ilustrações. Na indústria editorial mais underground já existem revistas que são caixas ou envelopes que vêm cheios de postais, mini-revistinhas, pôsteres etc. Para publicações que não vivem de hard news, a saída é essa. Eu investiria nisso.

E o nível do jornalismo brasileiro, aumentou ou diminuiu com a chamada era digital?

Minha percepção é que piorou, perdeu qualidade de apuração e de análise e abriu espaço para ativistas digitais, que ganharam blogs e status na mídia tradicional. Jornalismo é caro e a realidade hoje é de redações menores, mais enxutas. É fato. Mas não se faz bom jornalismo apenas com um bando de estagiários que ganham salário de fome. Salvo raras exceções, as redações ficaram assim no Brasil. E não tem volta.

É notável que a revista Playboy sempre foi libertária. Acredita que o que fez ela vender menos nos últimos anos no Brasil, foi o fator digital (que fornece quase tudo gratuitamente), ou a sociedade que de certa forma já está mais libertária, mesmo morando em um país ainda conservador em muitas questões?

O que vitimou a Playboy foi a dependência excessiva de celebridades, uma invenção da versão brasileira da revista e ligada à uma lógica de monopólio. A Abril era dona do título, da gráfica, da distribuidora e todo mundo ganhava com a alavancagem artificial das vendas. Digo artificial porque o que vendia era a celebridade não a revista como um todo. Quando a pirataria entrou no jogo e a “famosa”, que era o grande motivador de compra, passou a ser roubada todo mês e disponibilizada de graça, tudo desandou. Como os cachês eram baseados em venda e a venda caía, as celebridades ficaram escassas e o modelo comercial desabou. Quanto à outra parte da pergunta, eu não acredito que o Brasil esteja mais libertário. Está é mais conservador, isso sim. E muito dos movimentos que se dizem “progressistas” são moralistas, caretas e reacionários. Pra ficar num só exemplo, o neofeminismo, por exemplo, é retrógrado, arcaico e atrasado.

Antes de falecer, o jornalista e escritor Ivan Lessa, dizia que os cartunistas e chargistas do Brasil, pegavam muito leve em seus desenhos. Como o cartunista Edson Aran vê o cartum nacional, principalmente quando se trata em bater no poder?

O humor pega leve sim. Especialmente com o poder. O Ivan não pegava leve e o Millôr também não. Mas tem um monte de gente aí que confunde propaganda partidária com humor. E como isso é festejado pela militância nas redes sociais, então eles se acham o máximo e seguem em frente. O que é curioso é que o humor mais subversivo hoje está na Globo, veja você, com o “Tá no ar” e o próprio “Zorra”. A imprensa, pelas mesmas razões que a gente já falou antes, se acomodou, passou pra defensiva, perdeu relevância. É uma pena. Eu virei jornalista porque, quando criança, via o Millôr na “Veja” e pensava “é isso o que eu quero fazer”. Nem entendia direito o que ele fazia, mas gostava, achava bonitas as cores, o desenho. Mas não tem jeito, isso acabou.

Ainda falando em charges e cartuns, um Charlie Hebdo pegaria no Brasil, ou somos muito carolas para termos uma publicação assemelhada com a dos franceses?

A gente já teve “O Pasquim” e depois “O Planeta Diário”. O “Planeta” (e a “Casseta Popular”, porque os dois se confundem) era totalmente subversivo e provocador. Então teve espaço e continua tendo. Esse site novo de humor que estou fazendo com uns amigos, o República dos Bananas, tem o objetivo de preencher a lacuna. Ainda está no começo e, por enquanto, só na Internet, mas a ideia é crescer para outros meios, inclusive para as chamadas “publicações físicas”. Vamos ver.

Sempre quando entrevistamos jornalistas, perguntamos se no Brasil existe liberdade de expressão. Existe liberdade de expressão plena em nosso país, ou ela é só para “alguns privilegiados”?

Existe sim. Nós vivemos numa democracia. Você pode falar mal da presidente o quanto quiser. E falam. Tá tudo certo. O que existem são grupos de pressão berrando para serem ouvidos e, ao mesmo tempo, berrando para calar vozes discordantes. Mas isso é coisa de ativista. No mundo das pessoas reais, a liberdade de expressão é um fato.

Você também publicava seus cartuns no “Pasquim” na fase em que o jornal estava morto-vivo (palavras suas). Existe algo marcante que você realizou naquela fase, e que ainda lhe traz boas recordações?

Eu era um moleque. Participei do “Pasquim São Paulo”, que foi uma tentativa de abrir franquias do jornal pelo país. Não era exatamente o “Pasquim”, mas ainda mantinha o nome. Eu gostava mesmo era de responder a seção de cartas. Eles achavam a seção careta e me colocaram pra responder as cartas. Era uma zoeira. Eu inventava cartas, brigava com leitor, promovia concursos de poesia sem-noção… Quando fui pra “Sexy” em 2004, a gente repetiu a brincadeira e deu muito certo lá também.

Muitos dizem que o seu livro “Conspirações – Tudo o que Não Querem que Você Saiba”, é uma mini-enciclopédia do bizarro. Por que acredita que o ser humano é tão bitolado nessas teorias, que muitas vezes não têm fundamento algum, servindo apenas em muitos casos, para objetivos obscuros de quem conspira?

Lembra do pôster na sala do Fox Mulder? “Eu quero acreditar”. É isso. O ser humano precisa acreditar. Não só em teorias conspiratórias, mas em deuses, demônios, fantasmas, discos-voadores, políticos. No fundo é tudo fabulação. É tudo invenção. Mas sem as crenças, o que nos motiva a ir em frente? Nada. A teoria conspiratória é uma espécie de história alternativa, a versão de quem não confia na trama oficial. Tem um monte de loucuras no meio, mas toda ideia começa assim: sendo acreditada por poucos e depois crescendo. Daí o perigo da coisa. Esse ano sai um novo livro meu sobre o tema, completamente diferente e muito mais completo que o anterior, tanto que vem em dois volumes.

Em uma de suas entrevistas, você disse que o lulismo estimula a alienação. O país se tornou mais inculto com o PT no poder, ou isso se dá por outros motivos?

Não me lembro de ter falado isso, mas concordo mais ou menos com o sentido da frase. Quer dizer, há um culto à ignorância no lulismo, uma apologia à “sabedoria inata do homem simples”. Todo líder messiânico precisa ser assim. Mesmo que ele tenha tido uma educação formal – como Moisés – ele precisa “desaprender” tudo e subir a montanha pra virar “O Iluminado”. Isso acontece muito nos filmes melosos de Hollywood também, quando o mocinho tem um insight e compreende o sentido da vida ao conversar com um homem “simples” do povo. Os mitos políticos são narrativas cuidadosamente construídas. São roteiros. E forjar “predestinados” é um instrumento de alienação política desde que o mundo é mundo.

Você participou da equipe que reformulou o “Zorra Total”. Como é reformular um longevo programa de humor popular, e ao mesmo tempo tentar agradar e não duvidar da inteligência de quem está assistindo?

Participei de toda a primeira temporada do “Zorra”. A primeira coisa é que foi muito divertido criar humor em equipe, que era algo diferente pra mim. A segunda coisa é que eu me surpreendi positivamente com a liberdade e o respeito com que a TV Globo tem pelos seus roteiristas. E, a terceira, é que essa questão do “público não entender” nunca entrou em discussão. Desde o primeiro almoço que tive com Marcius Melhem, a tônica foi sempre na renovação, na recriação, na reinvenção. O que acontecia era correção de rota na hora da criação, para que certas citações não ficassem muito cifradas. Coisa do jogo. Como eu falei antes, a TV Globo – essa aí que todo mundo demoniza nas redes sociais – está muito mais aberta a experimentações do que outros setores da mídia. Eu conheço o mundo das revistas. Não há comparação entre uma coisa e outra. A inquietação é muito maior na TV do que nas editoras. E aí você pergunta como as revistas vão sobreviver… Vai ser difícil. Inquietude é o primeiro passo. Sem isso, não tem jogo.

Onde começa sua genealogia?

Na distante ilha de Aran, na costa da Irlanda, onde Haran 1º, o Cruel, juntou suas mulheres, seus cachorros, seus trovadores e seus paleteros mexicanos e partiu rumo à mítica terra de Hy-Brazil. A família vive lá desde então.

Dez anos a 1000 ou 1000 anos a dez?

Até agora foi na base de dez anos a 1000, mas nos próximos 100 anos, a ideia é os 1000 anos a dez e relaxar. Vamos ver se eu consigo…

Mulher-fruta se planta, se come ou se chupa?

Mulher-fruta é uma dádiva da natureza para os homens de boa vontade. Os de má vontade não apreciam a fruta.

Qual desses três não existe na redação da Playboy: loira inteligente, machismo ou teste do sofá?

Teste do sofá, infelizmente. Nem sofá tinha na redação. Machismo não é o caso. Playboy colaborou imensamente com a liberação da mulher, possibilitando que ela se liberasse e tirasse a roupa sem as restrições morais impostas pela sociedade carola, preconceituosa, careta, reacionária, direitista, boba e feia. Loiras inteligentes conhecem a história. Morenas também.

A “Melancia” precisou de dois sofás?

Precisou de umas cinco revistas diferentes, se bem me lembro.

Qual Playboy vale mais: a da Xuxa, que existe no submundo, ou a da Luana Piovani, que só existe no mundo das ideias?

Depois da invenção das montagens digitais toscas, não existe mais nudez ou pornografia platônica que permaneça apenas no mundo das ideias. O que, aliás, é o grande problema das revi… ok, chega. Já perdi muito tempo da minha vida pensando sobre isso.

Quais mulheres (ou homens) você levaria para uma ilha deserta?

Levaria a Caitlyn Jenner para poupar bagagem. E a Scarlett Johansson para discutir o sentido da vida.

O que a Camille Paglia tem que as outras feministas não tem?

A principal diferença entre ela e as feministas “oficiais”, as feministas do establishment, as feministas condecoradas, as feministas que falam na TV, é que dona Paglia sabe quem foi Jean-Jacques Rosseau e porque o cara deve ser considerado uma besta. Nós estamos todos vivendo num mundo construído por ele e a maioria de nós nem sabe quem ele é. Jean-Jacques Rosseau é o inventor do chorume e do mimimi. As feministas que o establishment promove são todas filhas do mimimi.

O que a Márcia Tiburi responderia se fosse convidada para posar para Playboy (se é que já não foi)?

Ela foi, claro. Quer dizer, mandei o convite por meio de uma amiga comum. Ela nunca respondeu, a ingrata.

Qual Playboy foi mais inteligente: da Carla Perez ou da Fernanda Young?

São coisas diferentes. Fernanda Young foi convidada porque é gostosa e Carla Perez pela relevância cultural. Na época da Carla, eu não estava na Playboy, mas fizemos três boas capas com ela na Vip. Na minha encarnação anterior como editor de Playboy, sempre tive a convicção de que a publicação precisava ser discutida, virar tema de conversa, ser debatida, ser amada ou odiada, mas ser comentada. Num mundo entupido de irrelevâncias, uma revista não pode ir pra banca apenas com a gostosa do momen… ok, chega. Já perdi muito tempo da minha vida pensando nisso.

Quais peitinhos os pedreiros preferem: os da Playboy ou das ativistas do Femen?

Os peitinhos disponíveis no Google Imagens. Mas a culpa é do Femen e da Playboy. Consumidor consome o que é mais fácil, mais acessível, mais barato ou melhor. O Femen e a Playboy é que têm de provar que são mais excitantes que os peitinhos free disponíveis no Google.

Você já roubou uma Contigo velha da sala de espera do dentista?

Nunca. Acho que existe uma conspiração dos editores para sacanear os dentistas: as revistas deles sempre chegam velhas e amassadas.

Qual dessas três coisas não existia na redação do Pasquim: abstêmio, X9 ou corno?

Sei lá. Eu não tinha nascido nessa época.

O que é pior do que música sertaneja?

Um festival de música sertaneja.

Cangaceiro bom é cangaceiro morto-vivo?

Este meu livro, “A Noite dos Cangaceiros Mortos-Vivos”, é o melhor roteiro de comédia de ação jamais filmado. Por enquanto. Por enquanto.

Hoje em dia, quem joga mais futebol: Edson Aran ou Edson Arantes do Nascimento?

Ainda acho que meu primo, o glorioso Edson Arantes do Nascimento, bate o maior bolão, entende? O problema é entender que existem dois deles, entende? Tem o Edson e o Pelé, entende?

Se pudesse voltar à vida como outra pessoa, quem seria?

Acho que toparia ser estagiário na “New Yorker” do Harold Ross.

O imbecilismo deveria ser o esporte de exibição brasileiro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016?

O imbecilismo não é uma prática esportiva, mas sim o nosso mais longevo movimento artístico-cultural. Começou em 1500 e se mantém no topo desde então, nos mais diversos campos.

Os praticantes do imbecilismo deveriam formar um partido político, uma ONG ou uma sociedade secreta?

Não é preciso. ONG, partido ou sociedade secreta são criados para se chegar ao poder. O imbecilismo sempre esteve no poder.

Quem é o maior chato da literatura brasileira?

Raul Pompéia.

E o gênio?

Millôr Fernandes.

Se tivesse que escolher, com quem dividiria um quarto: Marilena Chaui ou Olavo de Carvalho?

Márcia Tiburi.

Dilma é Dom Quixote ou Sancho Pança?

Dom Quixote é um sonhador que vê gigantes terríveis onde só existem moinhos de vento. Sancho Pança é o cara que dá a real pro Quixote e avisa que os moinhos são objetos insignificantes. Dilma é o moinho de vento.

Se fosse obrigado a ouvir em loop infinito, qual escolheria: Chico Buarque ou Banda Calypso?

Calypso, claro. Nem se discute.

Qual conspiração é verdade, mas ninguém acredita?

Tem uma. Talvez todo o fenômeno UFO tenha sido fabricado pela Inteligência americana durante a Guerra Fria para desviar a atenção dos testes de aeronaves espiãs. Mas também é possível que essa teoria seja uma manobra de desinformação para esconder o pacto secreto verdadeiro que os americanos têm com os alienígenas.

Qual conspiração é mentira, mas ninguém acredita?

A mídia tem uma agenda comum e a pauta do dia é discutida toda manhã pelos principais donos de jornais, revistas e TV do país. Na real, é uma bagunça. Os repórteres, editores, diretores, enfim, os provedores de conteúdo da chamada mídia tradicional trabalham com muito mais liberdade do que as pessoas acreditam. Uma liberdade que, infelizmente, nem sempre é acompanhada por uma conduta ética, daí o problema. Quer dizer, as pessoas estão certas quando escrevem no Facebook que “a culpa é da mídia”. É sim! Mas não pelas razões que elas imaginam.

Qual a sua ideia de felicidade perfeita?

Música boa, comida boa, livros bons, internet por fibra ótica, clima de montanha. E leitores pros meus livros. Um monte deles. Isso seria bacana.

Quais são os seus heróis na vida real?

Um caralhal de gente! Vamos com os nomes que vêm mais fácil à cabeça: Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Woody Allen, Monty Python, Angeli, os Cassetas, P.J. O’Rourke, Jon Ronson, Jules Feiffer, Jon Stewart… olha, são muitos. Muitos, muitos.

Como gostaria de morrer?

Beeeem velho.

O seu livro “Aqui Jaz – O Livro dos Epitáfios”, é uma coletânea de sugestões de epitáfios para pessoas famosas, também contendo epitáfios de verdade. Como seria o epitáfio de Edson Aran?

Está no livro. “Agora sim, espirituoso”.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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