Por Xico Sá
Todo homem dito feio (maldiagramado, como costumo maneirar) tem o direito sagrado à mentira amorosa. É fácil ser um Alain Delon, um Marlon Brando, um Brad Pitt – fica a referência atual para as lolitas que nasceram pós-Último Tango em Paris. É moleza ser esteticamente arrumadinho. Estas criaturas, sim, não carecem da mentira. Se tergiversam… é por pura safadeza mesmo.
Os feios, todavia, dependem da mentira como um bode precisa de capim. Da mentira propriamente dita… não. Falo de uma forma sutil de editar a vida – cinema é corte, diria um russo.
Todo cabra feio tem direito à mentira (“que lorota boa”, intervém o baião do véio Gonzaga, alma ainda deste mundo). É fácil ser um arrumadinho, tudo bem sentado, e alguns caraminguás no pé-do-cipa, digo, no pé-da-bunda, no bolso – melhor pedaço, segundo as interesseiras, da nossa anatomia.
Vai ser feio nessa encarnação, pra vê que sacrifício medonho. Uma provação danada. Principalmente com os atuais ditames publicitários – que registre-se, complicam também (e muito!) a vida das mulheres…
(Mas hoje, sinto muito, a defesa é corporativa, espírito de corpo, habeas-corpus da raça, continuemos a tratar apenas dos marmanjos.)
A mentira, retomo o balão de ensaio, é a edição dos feios, os melhores momentos dos maldiagramados, o feitio de oração dos cargas-tortas, dos mercadorias-sem-notas e errados em geral. Pois feiúra, prum mundo tão ISSO-9002, passou a ser também o desacerto com o trabalho e os dias (o pé-de-cana, por exemplo, é sempre um feio, mesmo que tenha a barriga-tanque e alma cartolizada).
Vivemos, camaradas, a hora e a vez dos babacas de todas as tribos – Deus é neoliberal, está no alto, mas, felizmente, ainda não está por cima!
Mentir é o nosso direito mais sagrado. Declaração universal. Que cobrem coerência dos bonitões e babacas de plantão – ou dos covardes em geral, que normalmente são lindos e conservados conservadores, sem perdão pela aliteratice alcoólica. Como é horrível a mentira de um homem dito bonito!
Mentira é para um Serge Gainsbourg, não para Belmondos e Delons, para ficar na beleza comparada dos franceses.
Só os feios acreditam na bela vida sem regras ou imitam algo semelhante. Só os feios têm direito à pulha, ao plágio, às elipses que escondem o jogo, ao macaqueamento sem culpa, à picaretagem-do-bem, aos manuais do blefe e às citações de ocasião. O bonito, creia, já nasceu uma mentira: o feio, um dia, bonito lhe parece.