Memória Viva

Arthur Virgílio Filho (Capítulo 2)

Postado por Simão Pessoa

Por Mário Adolfo

A política está enraizada na vida da família Virgílio, cuja saga começou com a transferência de Pernambuco para o Amazonas do advogado Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro. Em Manaus ele viria a se tornar desembargador. Nascido no Recife a 19 de junho de 1884, filho do major Luiz do Carmo Ribeiro e de D. Guilhermina Leopoldina do Carmo Ribeiro, fez o curso de Direito na Faculdade de Direito de Recife.

Em Manaus, tornou-se membro da Academia Amazonense de Letras e mais tarde, no Rio, do Congresso de Brasilidade. Casou-se com Luíza da Conceição do Carmo Ribeiro, com quem teve cinco filhos: Helson do Carmo Ribeiro, Olga do Carmo Ribeiro Marques, Maria Luíza do Carmo Ribeiro, Solange do Carmo Ribeiro e Arthur Virgílio Filho.

Os filhos do desembargador Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro foram educados numa cidade cheia de charme, mas mergulhada em problemas econômicos. A jornalista e historiadora Etelvina Garcia, a primeira editorialista do jornal Amazonas em Tempo, retrata bem aqueles tempos em que o desembargador Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro descobriu que seus filhos agora também eram “filhos do mundo”.

Como se estivesse projetando um filme, Etelvina vai desfiando as imagens da Manaus antiga, na década de 40, sob o impacto da guerra que se iniciara em setembro de 39, espalhando o terror na Europa. As poucas famílias que tinham um rádio em casa acompanhavam a marcha dos acontecimentos pela BBC de Londres, num programa diário às oito da noite, em língua portuguesa.

– As demais valiam-se das ondas da Voz da Baricéia, de Lizardo Rodrigues, ou da sirene de O Jornal, que assoviava com força toda vez que chegava uma notícia importante – conta a jornalista.

Eram tempos difíceis. Os navios custavam a chegar do Rio e de São Paulo, trazendo sal, jabá, manteiga, trigo, arroz e feijão – ou não chegavam, como aconteceu com o Baependi, que afundou no Atlântico, destroçado pelos submarinos alemães. Os alimentos tornavam-se cada dia mais escassos, forçando um racionamento, obrigando a população a enfrentar filas enormes (as “cobrinhas”, como se dizia) que começavam a se formar de madrugada e davam voltas e voltas nos quarteirões, estendendo-se dia afora.

Tempos difíceis, mas saborosamente temperados aqui e ali. Exemplos? Pegar o bonde na Costa Azevedo e descer na estação, para tomar um sorvete na Mimosa; comer a pipoca quentinha produzida pela máquina gigante que havia na calçada da Manáos Tramways; olhar o balé aéreo do macaco das torres no porto dos ingleses; ver as figuras gigantes do presépio do Branco Silva; as grandes figuras do rádio brasileiro que se apresentavam na Feira de Amostras do Gebes Medeiros; andar de bicicleta na praça de São Sebastião, apostando corridas num belo circuito que incluía as subidas e descidas nas rampas do teatro; e belas pedaladas em idas e voltas entre a Costa Azevedo e o canto da avenida.

Outra “delícia daqueles anos 40”, de acordo com Eltelvina, era esperar os dias de show do Teatro Amazonas e disputar um lugar no “paraíso” para ver a turma do Teatro Escola encenar Yayá Yayá Boneca ou aplaudir a coroação da Maria Amália, a emblemática Miss Amazonas de 1948. Ver a tarde se aproximar do fim e ler os sueltos de Aristophano Antony, impecavelmente redigidos em três parágrafos – sempre com igual quantidade de linhas.

Ao som de Tomy Dorsey, Denny Goodman, Gleen Miller, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Carmen Miranda, Mário Reis ou Odete Amaral a tarde chega ao fim, com a revoada de caixeiros, gerentes e comerciantes que fechavam as portas de suas lojas nas ruas centrais de Manaus e saíam a pé, de paletó e gravata e carregando o seu indefectível guarda-chuva, com a esperança de conseguir comprar ao menos uma razoável broa de milho ou uma lata de carne em conserva na Padaria Mimi. Ou contando os poucos Ford, Chevrolet, Austin, Hudson ou Nash que deixavam a Marechal Deodoro, a Guilherme Moreira, a Marquês de Santa Cruz, a Tamandaré, a Monteiro de Souza, guiados por duas dezenas ou pouco mais de empresários que continuavam a apostar na sobrevivência econômica de uma cidade que sofria com a quebra da borracha.

Março de 1942. O Brasil e os Estados Unidos acabam de assinar os Acordos de Washington, e um deles, o Acordo da Borracha, acena com boas propostas para a Amazônia. É que os seringais que os ingleses plantaram na Ásia caíram nas mãos dos japoneses e os aliados precisam suprir os seus estoques de borracha.

Vai começar a batalha da borracha, com um exército de trabalhadores recrutados no Ceará e em outros estados do Nordeste, sob a proteção de um grupo de instituições criadas especialmente para esse fim, sob a coordenação da RDC (Rubber Development Company) e nominadas por siglas esquisitas: Semta, Caeta, Sava. Vem aí o Banco da Borracha, estimulando a extração, o comércio e a industrialização do produto que se tornara estratégico para ganhar a guerra.

Acabara o ano de 1945. Os americanos ganharam a guerra e os Acordos de Washington se extinguiram logo depois – e com eles a breve revitalização da borracha. Mas o Hilary está no porto, o Poconé vai chegar amanhã e o Almirante Alexandrino saiu ontem para o Rio de Janeiro. Os nossos constituintes já foram escolhidos: Álvaro Maia e Waldemar Pedrosa vão para o Senado; Leopoldo Neves, Leopoldo Péres, Severiano Nunes, Pereirinha e Cosme Ferreira vão para a Câmara Federal. Desde o dia 7 de novembro, o interventor federal é o desembargador Stanislau Affonso – aquele senhor simpático que anda sempre no bonde Nazaré-Remédios.

O primogênito do desembargador Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro foi o único que atendeu ao chamado do instinto político que corria nas veias. Tomando caminhos diferentes, mas sempre sob a orientação austera do desembargador, os outros irmãos foram ocupando paulatinamente cargos no serviço público. Helson era funcionário do Tribunal de Contas do Estado; Olga, casada com o Dr. Milton Nogueira Marques, tabelião de notas; Maria Luíza era funcionária do antigo Ipasea e casada com Dr. Milton Figueiredo de Souza, advogado; e Solange pertencia aos quadros do Departamento de Estrada de Rodagens do Amazonas (DER-AM).

(Publicado em 2011, no livro “Perfis Parlamentares nº 59 – Arthur Virgílio Filho”, pela Câmara dos Deputados)

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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