Memória Viva

Arthur Virgílio Filho (Capítulo 4)

O então vereador – hoje senador – Plínio Valério exibindo na tribuna da CMM o livro de Mário Adolfo que relata a trajetória de Arthur Virgílio Filho
Postado por Simão Pessoa

Por Mário Adolfo

A fidelidade de Arthur Virgílio a seus amigos valia também para os aliados políticos. Quando era necessário defender um colega de partido, subia à tribuna com o mesmo vigor e eloquência com que defendia seus ideais ou as liberdades democráticas, quando estas sofriam alguma ameaça. No dia 19 de julho de 1948, da tribuna da Assembleia Legislativa, enfrentou praticamente sozinho a bancada da União Democrática Nacional (UDN) para rebater o que ele chamou de “críticas infundadas” que os deputados Jonas Paes Barreto e Waldemar Machado da Silva, integrantes da bancada da UDN, fizeram contra o deputado Pereira da Silva (PSD).

Pereira da Silva, o Pereirinha, que viria a ser o autor do projeto de criação da Zona Franca de Manaus, ocupou a tribuna da Câmara dos Deputados para condenar a invasão da Assembleia Legislativa por forças da Polícia Militar. O parlamentar amazonense, durante o discurso, solidarizou-se com os deputados Plínio Coelho e Áureo Mello, ambos do PSD, que se sentiram mais diretamente atingidos e se retiraram do plenário.

Arthur Virgílio Filho foi interrompido várias vezes por pedidos de apartes – muitas das vezes não autorizados –, mas prosseguiu até o final, mantendo a voz grave, a autoridade que sua postura na tribuna impunha e a calma, mesmo quando provocado.

– A presença de tropa armada neste recinto é mais do que violência, é um atentado à nossa dignidade e à nossa soberania – denunciou o deputado.

Quando o plenário explodiu em gritos de aparte, vaias, ofensas pessoais, uma clara tentativa de tumultuar o discurso, Arthur Virgílio não se intimidou:

– A bancada udenista, numa atitude condenável, temendo o que tenho a dizer, está tumultuando a sessão em aberrante violação ao Regimento Interno. A maioria da UDN nesta Casa (respondendo a um aparte) é uma maioria que usa muletas…

Ao fazer críticas ao Sr. Antóvila Rodrigues Mourão Vieira, que, quando prefeito de Manaus, “arrasou, aniquilou, destruiu o mercado da carne-verde, lançando a fome e a miséria nos lares amazonenses”, o deputado Arthur Virgílio questionou por que em determinado momento de sua vida, pública e pessoal, o ex-prefeito assinava “Antóvilo” e, em outros “Antóvila”.

Tentando ser engraçado e ironizar o discurso de Virgílio, o deputado Sá Peixoto (UDN) pediu um aparte:

– Só há um meio aqui, é trazermos a parteira para o recinto da Assembleia…

Ao que o deputado Arthur Virgílio Filho respondeu, na maior calma, mas com bastante sutileza:

– Devido à consideração pessoal que tenho por V.Exa., deixo de tomar conhecimento, de registrar o aparte que acaba de proferir. Não desejo dar a resposta que o aparte merece.

No dia 26 de julho de 1948, o Diário da Tarde, de Manaus, publicou na íntegra o embate entre Arthur e a bancada da UDN. Confira:

Discurso pronunciado pelo deputado Arthur Virgílio Filho na sessão do Legislativo Estadual de 19 do corrente em defesa do deputado Francisco Pereira da Silva

O Sr. Presidente – Nada mais havendo para discussão, passo a palavra ao deputado Arthur Virgílio Filho para explicação pessoal.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sr. Presidente, Srs. Deputados, consoante a promessa que fiz na sessão de sexta-feira passada, ocupo a tribuna ao final da sessão de hoje, desde que o tempo dedicado, destinado ao expediente, foi tomado pelo belo discurso proferido pelo meu ilustre colega, deputado Aderson de Menezes, para defender, ou melhor, para pulverizar, para destruir de uma maneira total e inapelável as críticas infundadas que os nobres colegas, deputados Jonas Paes Barreto e Waldemar Machado da Silva, integrantes da bancada da União Democrática Nacional, levantaram neste plenário contra o deputado pessedista Sr. Pereira da Silva. Comentaram esses nobres representantes do povo amazonense e membros da bancada da UDN o discurso que o Sr. Pereira da Silva proferira na Câmara Baixa do país, condenando os lamentáveis acontecimentos que se verificaram nesta Casa e que culminaram com a invasão do Legislativo amazonense por força armada da Polícia Militar, e se solidarizando com os nossos colegas, deputados Plínio Coelho e Áureo Mello, que se sentiram mais diretamente atingidos pela medida tomada por S.Exa., dissesse à Assembleia qual o seu ponto de vista com relação à declaração feita por S.Exa. o Sr. Álvaro Maia…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Tenho um telegrama do senador Álvaro Maia apoiando o protesto que fiz. Ele não tinha recebido a comunicação oficial da atitude adotada pela bancada do PSD nesta Casa.

O Sr. Paulo Nery – V.Exa. deixa o senador Álvaro Maia em situação difícil…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Absolutamente. O eminente senador Álvaro Maia, sabe V.Exa., é um pacifista por excelência, é um político de manifestações sóbrias e comedidas. Jamais consideraria, no entanto, a invasão do recinto da Assembleia por força armada como um fato corriqueiro. Ademais, fique V.Exa. certo de que o senador Álvaro Maia está solidário com os seus correligionários do Amazonas.

O Sr. Raimundo Nicolau da Silva – O senador Álvaro Maia não sabia da invasão da polícia…

O Sr. Sá Peixoto – Aqui não houve violência…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – A presença de tropa armada neste recinto é mais do que violência, é um atentado à nossa dignidade e à nossa soberania. Continuando, Sr. Presidente, na minha opinião pessoal, os nobres deputados Jonas Paes Barreto e Waldemar Machado da Silva…

O Sr. Paulo Nery – V.Exa. não está falando como líder?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Perfeitamente. Não abdiquei dessa qualidade para pronunciar este discurso. V.Exa. não me entendeu. Estou dizendo que, na minha opinião, os deputados Jonas Paes Barreto e Waldemar Silva foram precipitados ou precipitada foi a UDN…

O Sr. Paulo Nery – O deputado Pereira da Silva disse que fez o discurso na Câmara com documentos recebidos de Manaus.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Mas é de se estranhar que a UDN tendo um representante na Câmara Federal que ouviu o discurso do deputado Pereira da Silva e que poderia, estando presente, responder aos seus termos, tenha escalado dois de seus representantes estaduais para criticar, para atacar o parlamentar pessedista, tumultuando os trabalhos legislativos e fazendo reviver um fato que quanto antes devia ser relegado ao esquecimento, um fato que atentou contra a nossa soberania, a soberania desta Casa, e que apenas depõe contra a tão decantada formação democrática dos partidários do brigadeiro Eduardo Gomes.

O Sr. Paulo Nery – O deputado Antóvila não respondeu, estará respondendo esta hora ao discurso do deputado Pereira da Silva.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Mas, Sr. Presidente, sexta-feira passada eu me comprometi a ocupar a tribuna na sessão de hoje para fazer a defesa do deputado Francisco Pereira da Silva, para mostrar que esse representante federal pessedista é um político ardoroso e combativo, que apenas terça as armas da verdade, da dignidade e da lealdade, e não as armas da mentira, da calúnia, da injúria, do embuste, da deslealdade, como faz o deputado federal udenista que se diz chamar Antóvila Rodrigues Mourão Vieira.

O Sr. Paes Barreto – Que tem o deputado Antóvila Vieira com o deputado Pereira da Silva?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – O contraste dos processos políticos usados por um e por outro faz com que eu traga, com desprazer, o nome do Sr. Antóvila ou Antóvilo Rodrigues Mourão Vieira para uma comparação com o Sr. Pereira da Silva.

O Sr. Paes Barreto – V.Exa. parece que tem animosidade pessoal com o deputado Antóvila Vieira…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Perfeitamente e não pense nunca V.Exa. que eu negaria isso. Sou homem, deputado Paes Barreto, que jamais recuou ou recuará diante da responsabilidade dos seus atos.

O Sr. Josué Cláudio de Souza – Uma obrigação de todos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Mas obrigação que nem todos cumprem, o que faz grande diferença entre mim e muita gente… Do tão comentado discurso do deputado Pereira da Silva, segundo pude inferir dos lacônicos despachos telegráficos, podem-se destacar duas afirmativas categóricas. A primeira quando diz que nos lugares onde a UDN é majoritária as violências se sucedem e a segunda que a soberania desta Assembleia foi ultrajada com a invasão de tropa armada convocada pelo Sr. Presidente…

O Sr. Paulo Nery – No estado do Pará o governador Moura Carvalho é da UDN?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – É do PSD.

O Sr. Paulo Nery – E não há violência?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Não sei. V.Exa. esteve lá?

O Sr. Sá Peixoto – (Lê um aparte dado no Rio de Janeiro ao Sr. Pereira da Silva pelo deputado Café Filho no qual é atacado o presidente da República.)

O Sr. Raimundo Nicolau da Silva – V.Exa. está fazendo eco.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Gostaria de que V.Exa. me dissesse, deputado Abdul de Sá Peixoto, se V.Exa. subscreve esse aparte do ilustre deputado Café Filho. Gostaria de saber, deputado Sá Peixoto, porque iria avivar a memória de V.Exa. relembrando as constantes, insistentes e irritantes moções de irrestrita solidariedade que a UDN do Amazonas, capitaneada por V.Exa., tem feito ao eminente presidente da República, a esse mesmo general Eurico Gaspar Dutra que derrotou fragorosamente, em 1945, o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato do partido de V.Exa. E gostaria também de ver com que cara V.Exa. ficaria…

(Tumulto entre os Srs. Deputados.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Como ia dizendo, Sr. Presidente, o deputado Pereira da Silva fez duas afirmativas peremptórias. A primeira de que onde a UDN é majoritária (respondendo a um aparte), nos raros lugares, nos raríssimos lugares onde a UDN é majoritária, as arbitrariedades se multiplicam assustadoramente…

O Sr. Paulo Nery – O governador de Alagoas foi eleito por qual legenda?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – V.Exa. quer é perturbar o meu discurso.

O Sr. Paulo Nery – Não apoiado.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Pergunte ao Sr. Góis Monteiro, se isso lhe interessa… E a segunda conclusão do Sr. Pereira da Silva é de que este recinto augusto, sagrado, que representa a própria soberania popular…

O Sr. Paulo Nery – Apenas uma requisição da polícia…

O Sr. Machado da Silva – V.Exa. nega autoridade ao presidente?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Nego, e nego veementemente autoridade ao presidente para ofender a soberania da Assembleia permitindo a permanência de tropa embalada neste recinto.

O Sr. Presidente – Eu pedi para a manutenção da ordem.

O Sr. Plínio Coelho – Não houve ameaça da ordem. As galerias estavam lotadas por jovens de 17 e 18 anos que assistiam aos debates…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Que nada mais fizeram do que aplaudir, batendo palmas. Tendo protestado contra a presença de tropas (respondendo a um aparte), tive a coragem necessária para me insurgir contra os insultos que populares exaltados atiraram sobre o Sr. Presidente.

O Sr. Paes Barreto – Populares, não. Comunistas e desordeiros…

O Sr. Waldemar da Silva – O deputado Plínio Coelho abandonou o recinto…

O Sr. Plínio Coelho – Abandonei porque o povo estava sendo coagido por metralhadoras…

O Sr. Sá Peixoto – (Dá um aparte.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Talvez o Sr. Deputado Abdul Sá Peixoto entenda que naquele momento a ordem e a segurança estavam ameaçadas porque os aplausos, naquela ocasião, não eram dirigidos a S.Exa. e S.Exa. gosta muito de aplausos…

O Sr. Sá Peixoto – Não apoiado!

(Tumulto entre os Srs. Deputados.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sim, V.Exa. quando fazia demagogia, levantando os braços para o céu, em atitude teatral, tentando justificar o empastelamento do jornal O Movimento e visando, única e exclusivamente, atrair aplausos de jovens ginasianos, V.Exa. não achou que as palmas que lhe deram esses jovens constituíssem perturbação ou ameaça à ordem.

(Apartes às dezenas.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – V.Exas., Srs. Deputados da UDN, querem é perturbar o curso do meu pensamento.

O Sr. Presidente – Pelo Regimento V.Exa. tem apenas mais dez minutos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Se não me for possível terminar nesses dez minutos, pedirei prorrogação por mais quinze minutos. Se a Casa não conceder a prorrogação, continuarei o discurso amanhã…

O Sr. Presidente – Estou apenas cumprindo dispositivos regimentais.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – De qualquer modo, se não concluir o discurso nesta tarde, continuarei amanhã, ocuparei a tribuna durante uma semana, um mês, dois, seis meses, mas direi o que tenho e o que quero dizer, queiram ou não os correligionários de V.Exa., Sr. Presidente. Dizia eu, quando fui interrompido pelos apartes obstruidores da bancada udenista, que o Sr. Pereira da Silva fizera duas declarações incisivas, peremptórias. A primeira, como já disse…

(Novos apartes se cruzam, e o Sr. Presidente bate a campainha por várias vezes.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sr. Presidente, peço a V.Exa. que chame à ordem os correligionários de V.Exa. A bancada udenista, numa atitude condenável, temendo o que tenho a dizer, está tumultuando a sessão em aberrante violação ao Regimento Interno. A maioria da UDN nesta Casa (respondendo a um aparte) é uma maioria que usa muletas…

O Sr. Paulo Nery – Não apoiado.

(Protestos da bancada udenista.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sim, maioria capenga, maioria aleijada. A UDN possui 15 deputados e acontece que o Sr. Presidente só vota nos casos de empate. Logo, deputado Paulo Nery, uma maioria claudicante e sabe V.Exa. que não foi uma única vez, mas duas, três, sei lá quantas, que, mesmo fechando questões, tem sido derrotada espetacularmente…

O Sr. Paulo Nery – Não houve derrota, nobre deputado, houve excesso de bondade de nossa bancada.

(Apartes inúmeros da bancada udenista.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Essa maioria que se ampara nas muletas do PTB e que ainda precisa de um voto para impor a sua vontade não pode ser temida nem respeitada.

(Protestos da bancada udenista.)

O Sr. Sá Peixoto – A nossa legenda é a mesma, desde quando o Sr. Pereira da Silva fez o dramático apelo aos nossos correligionários de Eirunepé para derrotar um companheiro do próprio partido, o Sr. Antônio Maia…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – O deputado Almeron Caminha não concorda com os conceitos do aparte de V.Exa. O deputado Pereira da Silva tem trabalhado em Eirunepé.

O Sr. Aderson de Menezes – O deputado Pereira da Silva tem sabido corresponder…

O Sr. Isaías Limaverde – E por que foi ao partido agradecer e não ao Sr. Almeron Caminha?

(Apartes inúmeros, e o Sr. Presidente faz soar a campainha por vários minutos.)

O Sr. Almeron Caminha – (Pede licença para apartear e não lhe dão permissão.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sr. Presidente, a bancada udenista está tumultuando a sessão. Mas fiquem V.Exas. certos, senhores udenistas, de que não são suficientemente homens para impedir que a minha voz se levante neste plenário. V.Exas., Srs. Deputados da UDN, estão violando o Regimento Interno e dando uma deprimente demonstração de falta de educação parlamentar. Os repetidos e irritantes apartes de V.Exas. fogem à ética, não têm objetivo, são apartes ineptos.

A bancada udenista – Não apoiado!

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Fiquem certos V.Exas., Srs. Deputados Paulo Pinto Nery e Sá Peixoto, que eu concluirei o meu discurso hoje, amanhã ou daqui há um mês e direi o que quiser e entender, porque, repito, desconheço alguém suficientemente homem para me impedir.

(Novos apartes da bancada udenista.)

O Sr. Paulo Nery – V.Exa. não mete medo…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sr. Presidente, a bancada udenista está violando miseravelmente o Regimento Interno da Casa, não permitindo que eu termine…

O Sr. Paulo Jobim – Muito bem. V.Exa. empregou o termo com absoluta justeza. O Regimento está sendo miseravelmente desrespeitado.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Muito obrigado a V.Exa.

O Sr. Nicolau da Silva – Estão infringindo o Regimento da Casa…

O Sr. Paulo Nery – V.Exa. não quer mais conceder apartes?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – V.Exa., deputado Paulo Nery, deu mais de dez apartes sem o meu consentimento. Espero, Sr. Presidente, que V.Exa. faça ver aos seus correligionários que só darei aparte a quem me solicitar. E, continuando, o deputado federal Pereira da Silva está na Câmara Federal, no Palácio Tiradentes, nesse lugar para onde convergem, para onde se dirigem os clamores e os anseios de liberdade e de democracia que partem das planícies verdejantes da Amazônia, dos pampas rio-grandenses-do-sul, de São Paulo, de Minas, da Bahia, do Pará, de todos os recantos da pátria, e, talvez por isso, por estar ouvindo constantemente esses clamores e esses gritos de protestos, tenha S.Exa. avançado em afirmar que nos estados onde o partido que tem por fachada a legenda O Preço da Liberdade é a Eterna Vigilância, legenda que é apenas um chavão demagógico, legenda que é uma gargalhada de sarcasmo, de ironia atirada às faces do povo brasileiro, como muito bem disse o deputado Plínio Coelho, as violências se sucedem, se repetem…

O Sr. Paulo Nery – Estou admirado. V.Exa. está atacando o governo…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Não estou atacando o governo. Atacarei quando for necessário. A UDN não é governo e é a ela que eu estou me referindo. Temos instruções dos nossos chefes, grandes e eminentes patriotas, Sr. Deputado Paulo Pinto Nery, recomendando sempre que o PSD colabore mesmo com os adversários quando a solução dos problemas coletivos a exigir. Não somos demagogos e fazemos apenas crítica construtiva. Não sei se a UDN assumiria tão elevada posição se os papéis se invertessem. Já temos provas de como agem V.Exas. quando querem fazer oposição, com a atitude do deputado Isaías Limaverde que, neste Plenário, atacou sem base séria o Dr. Leopoldo Neves. A UDN, valendo-se do seu majoritarismo capenga, tem feito oposição, por várias vezes, ao governo que interesseiramente diz apoiar.

O Sr. Áureo Mello – Esse foi o partido que quis provocar o impeachment contra o governador Leopoldo Neves…

O Sr. Sá Peixoto – V.Exa. acha que a UDN sendo majoritária iria pedir ao PSD?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Segundo informações que me foram prestadas, o senador Severiano Nunes, chefe da UDN, disse, no Rio de Janeiro, ao governador Leopoldo Neves, que o deputado Sá Peixoto entrara em conversações com vários políticos, quando esteve na capital federal, visando aplicar o impeachment no mesmo Sr. Leopoldo Neves. E, segundo ainda o que me foi relatado, o governador Leopoldo Neves disse a V.Exa., deputado Sá Peixoto.

O Sr. Sá Peixoto – V.Exa. acha que a UDN sendo majoritária iria pedir ao PSD?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Já disse e torno a repetir que o majoritarismo da UDN é coxo, é aleijado, é claudicante. Sem os votos do PSD, a UDN não aplicará impeachment em ninguém e esta é a única garantia do Sr. Leopoldo Neves.

O Sr. Plínio Coelho – Negam poderes…

O Sr. Paulo Jobim – Peço prorrogação dos nossos trabalhos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Agradeço a gentileza da Casa e concluirei o meu discurso se a bancada da UDN se mantiver respeitosa à ética e à educação parlamentar… A bancada udenista…

O Sr. Plínio Coelho – Como sempre!

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – …e não me perturbar com apartes ineptos… Competia aos deputados federais da UDN protestar e contradizer, lá na Câmara, a grave afirmativa do Sr. Pereira da Silva. Nós estamos nestas paragens longínquas e esquecidas, não podemos ouvir esses clamores que fazem eco na Câmara dos deputados federais…

O Sr. Paulo Nery – O Amazonas só é lembrado nesses casos de escândalo.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – V.Exa. diz isso porque pertence à UDN e procura defender o seu partido… Não podemos dizer que o deputado Pereira da Silva falseou a verdade quando fez essa afirmativa. Desse modo, as críticas dos udenistas caem por terra, como castelos de cartas ao sopro do vento. Não têm consistência nem base. O outro argumento invocado pelos udenistas é aquele que pretende justificar o gesto, a atitude de V.Exa., Sr. Presidente – por mim considerada infeliz, e que tive a coragem de dizer – de permitir que um pelotão da força policial permanecesse ali, naquele lugar, em posição de sentido, assistindo aos nossos trabalhos, no momento em que todos sabiam que o deputado Plínio Coelho ia proferir um discurso de crítica ao chefe, ao comandante constitucional das mesmas tropas que aqui se encontravam.

O Sr. Paulo Nery – V.Exa. antigamente fazia comícios em praça pública e não houve isso. V.Exa. está acusando os soldados.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Engano de V.Exa., deputado Paulo Nery. Se o tenente que comandava a tropa que ofendeu a soberania desta Assembleia com a sua presença comprimisse o dedo no gatilho da metralhadora que portava, e alguma bala desviada da sua trajetória atingisse V.Exa., fazendo viúva a digníssima e excelentíssima esposa de V.Exa., o tenente não seria responsável, desde que é soldado e cumpre ordens. O responsável seria, no caso, o correligionário de V.Exa. e presidente desta Assembleia.

O Sr. Sá Peixoto – V.Exa. está condenando o gesto do deputado Antônio Montenegro que puxou uma arma para a assistência…

O Sr. Augusto Montenegro – V.Exa. está se dirigindo a mim? O meu nome é Augusto Montenegro.

O Sr. Sá Peixoto – Mas reafirmo o que disse.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Um gesto de coragem pessoal do deputado Augusto Montenegro que nem todos teriam coragem de assumir. Mas, Sr. Presidente, quem teria a coragem, a desfaçatez, a audácia de negar que o reforço da Polícia Militar veio por aquele corredor e se colocou ali, naquele mesmo lugar onde agora se encontra o simpático guarda da Assembleia? Ninguém, por acerto, e se alguém o fizesse, desprezaria o testemunho de V.Exa., Sr. Presidente, que foi quem convocou o reforço; desprezaria o testemunho dos Srs. Deputados que contemplaram, constrangidos, tenho certeza, a desnecessária exibição de força; desprezaria o documentário fotográfico publicado no festejado matutino O Jornal e invocaria apenas o testemunho do povo, do glorioso povo da minha terra, que sentiu mais de perto, mais proximamente, a ameaça das fardas que encheram as galerias.

O Sr. Sá Peixoto – Nesse caso estou com o senador Álvaro Maia. São gestos comuns no Parlamento, inclusive na cassação dos mandatos comunistas em que a polícia federal invadiu o recinto e o deputado Pereira da Silva quis puxar um revólver…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Desafio que V.Exa. prove que tropas fardadas e armadas invadiram o recinto da Câmara Federal por ocasião da cassação dos mandatos comunistas. E, quanto ao deputado Pereira da Silva, não foram soldados que o seguraram, mas colegas, deputados, entre os quais o Sr. Juraci Magalhães, eleito pela UDN da Bahia. Por sinal, esse ardoroso correligionário de V.Exa., e digo isto porque V.Exa. estranhou que o deputado Pereira da Silva tivesse sacado de sua arma, disse ao ouvido do comunista Gregório Bezerra, naquele dia memorável, que não trocaria apartes e sim tiros. (Novos apartes da bancada udenista.) Sr. Presidente, V.Exa. vai me conceder uma gentileza. Vai permitir, ou melhor, não vai reparar que eu fume na tribuna. Decididamente a bancada da UDN não possui educação parlamentar e eu pretendo saborear o meu delicioso “Hollywood” enquanto os udenistas estiverem gritando e tumultuando. Peço mais a V.Exa., que mande servir água com açúcar aos deputados Paulo Nery e Abdul Sá Peixoto. Parece que S.Exas. não estão se sentindo bem.

O Sr. Paulo Nery – V.Exa. admite que o nosso nobre presidente seja nazista, traidor, arbitrário?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Estou verdadeiramente admirado dos apartes de V.Exa., deputado Paulo Nery. Com muita razão afirmei que os apartes da UDN eram ineptos e sem razão de ser. Estou criticando o Sr. Presidente com elevação, dentro da ética parlamentar que os udenistas desconhecem. Não proferi um único conceito que pudesse ferir a dignidade pessoal do deputado Menandro Tapajós. Peço que o Sr. Presidente diga se o ofendi, se o injuriei, se assaquei algum termo ou expressão que pudesse suceptibilizá-lo. O silêncio do Sr. Presidente depõe a meu favor. V.Exa., deputado Paulo Nery, me ouviu protestar contra esses insultos atirados ao Sr. Presidente, no dia em que a Polícia Militar invadiu a Assembleia. Duvido que se prove tenha eu algum dia apoiado um absurdo, uma violência ou uma arbitrariedade, como seja depredação e desordem, visando, única e exclusivamente, angariar aplausos e simpatias e fazer cartaz. Duvido que se prove tenha eu algum dia desviado os meus jovens conterrâneos dos caminhos iluminados da ordem e do respeito à lei (…) Trairia aos impulsos da minha consciência, desmereceria do mandato honroso que os meus conterrâneos me confiaram, fugiria ao sagrado dever de orientar os moços que também represento apontando-lhes o caminho do bem, se assim procedesse, por isso mesmo não o faço. Mas, continuando, Sr. Presidente, o gesto do deputado Pereira da Silva, ocupando a tribuna da Câmara Federal para protestar contra a invasão armada da Assembleia amazonense e se solidarizar com os deputados Áureo Mello e Plínio Coelho, demonstra, como ressaltaram, num preito de justiça e de agradecimento, esses dois vibrantes representantes trabalhistas, a acentuada vocação democrática e a elevada educação política do Sr. Pereira da Silva. É de se ressaltar que os deputados Plínio Coelho e Áureo Mello são adversários políticos do Sr. Pereira da Silva, o que não influiu para modificar o gesto nobre e altivo do ilustre representante federal pessedista. Estes, Srs. Deputados, os argumentos explanados em meio ao tumulto levantado pelos udenistas e que me levaram a dizer, inicialmente, que iria pulverizar as críticas infundadas dos nobres udenistas Paes Barreto e Waldemar Silva. Sr. Presidente, na sessão de sexta-feira prometi também fazer a autópsia política de um representante federal da UDN, Sr. Antóvila ou Antóvilo Rodrigues Mourão Vieira, e, também, trazer a prova indesmentível de que esse cidadão…

O Sr. Plínio Coelho – Cidadão ou cidadã?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Sei lá. De que esse cidadão, deputado federal pela UDN, em tempos passados assinou seu prenome como Antóvilo, com “o” bem redondo e legível.

O Sr. Paulo Nery – Queria saber o motivo da preocupação da colocação deste “o” ou deste “a”.

O Sr. Plínio Coelho – Para saber como tratá-lo, com “o” ou sem “o”…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Não, não apenas para isso. Pretendo ir mais longe… Todavia, depois de pensar mais demoradamente, de refletir melhor, resolvi não o fazer, pelo menos neste momento e desta tribuna, por um motivo de grande importância para mim. O nosso Regimento Interno, Sr. Presidente, veda, priva, proíbe, terminantemente, não só que os Srs. Deputados aparteiem como estão fazendo os udenistas, sem ética, mas também que o orador se refira em termos causticantes, ríspidos, duros, a qualquer membro ou representante de Poder. Ora, o Sr. Antóvilo ou Antóvila Rodrigues Mourão Vieira, infelizmente, é membro do Poder Legislativo, é portador de um mandato que lhe foi conferido, num momento de inconsciência coletiva, pelo povo amazonense. Sempre timbrei pelo respeito ao Regimento e à ética parlamentar. Quando fiz a promessa de vir a esta tribuna, na sessão de hoje, usei, intencionalmente, de caso pensado, a expressão autópsia política. É que considero o Sr. Antóvilo ou Antóvila Rodrigues Mourão Vieira “um cadáver político em putrefação”, e autópsia, sabem V.Exas., só se pratica em cadáveres visando-se descobrir a causa mortis. E, Sr. Presidente, a linguagem, o vocabulário que adoto para me referir a pessoas como Antóvilo ou Antóvila Rodrigues Mourão Vieira, é sempre aquela ou aquele que merecem os homens de baixa insensibilidade moral e política e que não fazem jus ao respeito e à consideração de seus concidadãos. O Regimento me proíbe de usar essa linguagem.

O Sr. Paes Barreto – V.Exa. está insultando o deputado Antóvila Mourão Vieira.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – A linguagem que estou usando é regimental. Duvido que V.Exa. me aponte expressões mais suaves para me referir a um cidadão que não merece respeito.

O Sr. Paulo Nery – O que pretende V.Exa. do deputado Antóvila Vieira?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Se conseguir provar que ele usa o nome de uma falecida irmã, irei pleitear a cassação do seu mandato.

O Sr. Paulo Nery – Creio que o Parlamento tomará em consideração…

O Sr. Plínio Coelho – Eu reúno dúvidas sobre esse caso…

O Sr. Sá Peixoto – É possível que o Tribunal Regional Eleitoral composto de homens dignos e cultos…

O Sr. Plínio Coelho – Eu faço justiça aos juízes de minha terra…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Ouvi, Srs. Deputados, pasmo de admiração, o aparte do Sr. Sá Peixoto defendendo a Justiça Eleitoral que não foi atacada. É que estou me lembrando dos insultos torpes e miseráveis de que foi vítima um dos mais ilustres, dignos e competentes juízes do Amazonas quando das apurações do pleito de 19 de janeiro de 1947.

O Sr. Sá Peixoto – Assacados por quem?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Pelo PSD é que não foram, deputado Sá Peixoto, e V.Exa. sabe muito bem disso. Insultos que foram atirados sobre esse juiz ilustrado e incorruptível e também sobre outros membros da Justiça Eleitoral do Amazonas. Estou rememorando, ainda, o discurso pronunciado no Senado, naquele cenáculo austero ocupado por homens austeros e sóbrios, pelo presidente da UDN, senador Manuel Severiano Nunes, atacando injustificada e desabridamente, ante o pasmo, o assombro dos seus circunspectos pares, os provectos juízes do Egrégio Superior Tribunal Eleitoral, os mesmos juízes, imparciais e intransigentes no cumprimento e na aplicação da lei, que pouco depois negavam a anulação do mandato que os trabalhistas deram ao chefe udenista.

O Sr. Paes Barreto – O povo é que deu o mandato.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – V.Exas., senhores udenistas, jamais ganharão, sozinhos, qualquer eleição no Amazonas. V.Exas. venceram em 19 de janeiro com o auxílio e o amparo das muletas trabalhistas. Aí está, senhores, o resultado do pleito municipal. Não fora o indiscutível prestígio pessoal desse simpático João de Paula Gonçalves e a UDN não teria eleito nenhum vereador. Mas, continuando, estou recordando, ainda, o convite que a UDN subscreveu para um comício que se realizou na Praça dos Remédios e no qual foram assacados insultos, injúrias e calúnias de toda sorte contra a Justiça Eleitoral do Amazonas e do Brasil. Estou realmente pasmo, Sr. Presidente, de ver o Sr. Sá Peixoto pular naquela cadeira como que impulsionado por molas poderosas e gritar em defesa da Justiça Eleitoral que ele, o seu chefe e os seus correligionários tanto infamaram, caluniaram e insultaram, assombrados com a perda dos mandatos de problemática e mesmo dificílima renovação. (Os tímpanos batem continuadamente, dando o Sr. Presidente a palavra ao Sr. Arthur Virgílio Filho.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Mas, Sr. Presidente, continuando o meu discurso que já vai um pouco longo, desde que, neste recinto, não posso usar a linguagem que merece o cidadão Antóvilo ou Antóvila Mourão Vieira e diante da minha inabalável decisão de tratá-lo somente com a linguagem que ele merece, deixo de demonstrar, hoje, com provas exuberantes, que Antóvilo ou Antóvila só sabe fazer política de intriga, de agressões, política de bastidores, covarde, caluniosa e infame, alugando, inclusive, penas para elogiá-lo e atacar os seus adversários.

O Sr. Paulo Nery – Qual a pena que o nobre deputado Antóvila vem alugando para elogiá-lo?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Deixo, portanto, de provar que o Sr. Antóvilo ou Antóvila Rodrigues Mourão Vieira, quando prefeito de Manaus, arrasou, aniquilou, destruiu o mercado da carne-verde, lançando a fome e a miséria nos lares amazonenses, talvez nos lares de muitos que irrefletidamente lhe deram votos para que fosse para o Rio de Janeiro apenas tentar, em vão, infamar e atassalhar a dignidade de homens incorruptíveis, homens de moral sã e de caráter ilibado como o ilustre senador Waldemar Pedrosa…

O Sr. Paulo Nery – Quem era o interventor na época em que o Sr. Antóvila foi prefeito?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – O atual senador Álvaro Maia, que, por sinal, soube dar ao Sr. Antóvilo o bilhete azul…

O Sr. Nicolau da Silva – V.Exa., deputado Paulo Nery, quer atacar o senador Álvaro Maia?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Era intenção minha demonstrar tudo isso – que o Sr. Antóvila ou Antóvilo vem fazendo essa política condenável, que o Sr. Antóvila ou Antóvilo desbarata o mercado da carne-verde…

O Sr. Paulo Nery – Se desbaratou, foi com autorização do interventor Álvaro Maia.

O Sr. Nicolau da Silva – V.Exa. não ataque o senador Álvaro Maia.

O Sr. Paulo Nery – Não estou atacando, estou procurando esclarecer os fatos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Não, não com autorização do interventor, mas por inépcia e falta de visão administrativa… Pretendia demonstrar que o Sr. Antóvila ou Antóvilo, tendo chegado a Manaus em 1942, implorando piedade ao homem que, no momento, é vítima das suas infâmias e das suas pedradas traiçoeiras – o atual senador Álvaro Maia – e queixando-se amargamente de dificuldades financeiras, era intenção minha, repito, demonstrar aritmeticamente que é impossível acreditar-se tenha ele amealhado licitamente, mesmo com o concurso da Organização Pedagógica, título pomposo que ele deu aos colégios que eu bem conheço, a polpuda quantia de duzentos mil cruzeiros que S.Exa. (S.Exa. coisa nenhuma; desculpem, Srs. Deputados), que o Sr. Antóvilo ou Antóvila pretende gastar em política, esbanjar na campanha eleitoral, num último e antecipadamente frustrado esforço de comprar votos e consciências.

O Sr. Sá Peixoto – Não creio…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – A linguagem que usaria, no entanto, seria antirregimental. Oportunamente, todavia, pela imprensa, quando o Sr. Antóvilo estiver em Manaus, no meio destas paisagens verdejantes, sentindo sobre a epiderme de ariano as carícias do nosso sol equatorial, andando pelas mesmas ruas esburacadas que percorremos diariamente, comprometo-me, senhores, a fazer a autópsia do seu cadáver político, usando a linguagem que ele merece e dando oportunidade a que me responda, de perto, pela imprensa ou pessoalmente, se for do seu agrado. Todavia, se preciso for, se a isso eu for obrigado, mesmo desta tribuna, ocupar-me-ei da personalidade nada edificante do Sr. Antóvilo ou Antóvila, durante uma semana, um mês, um ano inteiro. Hoje, limitar-me-ei a ler o documento que, em aparte, prometi ao deputado Paulo Nery:

“Exmo. Sr. Dr. Diretor da Escola Agronômica de Manaus. O bacharel em Direito Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Filho, deputado estadual, para justos fins, requer a V.Exa. se digne mandar certificar ao pé desta, o seguinte:

1º – Qual o prenome que usava o cidadão Antóvila Rodrigues Mourão Vieira, nas petições que dirigiu a essa diretoria, no período de 1922 e 1924, para inscrição de matrícula e exames, nessa Escola; 2º – Se essas petições são do próprio punho ou datilografadas e, bem assim, se existe, em qualquer delas, a indicação da idade do aludido cidadão e alguma particularidade no ortografar o seu prenome; 3º – Qual a assinatura que contém as ditas petições, se Antóvilo ou Antóvila Rodrigues Mourão Vieira; 4º – Se há alguma emenda ou ressalva quanto à grafia do prenome. P. Deferimento. Manaus, 14 de julho de 1948. Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Filho.”

Foi o seguinte o despacho: “Como requer. Em 17 de julho de 1948. O diretor, Alberto Corrêa. Certidão – Certifico, em cumprimento ao despacho exarado na presente petição no arquivo da extinta Escola Agronômica de Manaus, o qual foi entregue a este estabelecimento, existem duas petições do próprio punho da pessoa a quem se refere o requerente, ambas assinadas com o nome de Antóvilo. (…)”

Atentem bem, senhores, Antóvilo com “o”.

O Sr. Paes Barreto – É perfeito o “o”?

O Sr. Sá Peixoto – Foi provado que não mereceu fé…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – O “o”, apesar de ser do próprio punho, é perfeito e não pode deixar dúvidas. O documento prova que o Sr. Antóvila assinava Antóvilo.

O Sr. Sá Peixoto – Só há um meio aqui, é trazermos parteira para o recinto da Assembleia…

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Devido à consideração pessoal que tenho por V.Exa., deixo de tomar conhecimento, de registrar o aparte que acaba de proferir. Não desejo dar a resposta que o aparte merece.

O Sr. Sá Peixoto – O deputado Antóvila apresentou documentos ao Tribunal Eleitoral.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO FILHO – Não a certidão de idade. Estive no Tribunal Eleitoral. O documento apresentado pelo Sr. Antóvila foi carteira de identidade e V.Exa. sabe como são dadas, ao funcionário encarregado do serviço, as indicações para essas cadernetas pelo próprio interessado: sou filho do fulano com fulana de tal, nasci no dia tal, o mês tal, na Indochina, etc., e ninguém discute os dados… Continuarei a leitura do documento:

“(…) ambas assinadas com o nome de Antóvilo Rodrigues Mourão Vieira, sendo uma datada de 28 de fevereiro de 1923 e outra datada de 31 de março de 1924. Certifico mais, que somente na segunda dessas petições o requerente, Sr. Antóvilo Rodrigues Mourão Vieira, menciona a data de 6 de outubro de 1901 como a do seu nascimento. Em nenhuma dessas petições existe qualquer emenda ou ressalva. Secretaria da Escola Agrotécnica de Manaus, em 19 de junho de 1948. (a) Feliciano Lima, Secretário.”

Finalizando, Sr. Presidente, peço desculpas a V.Exa. e aos Srs. Deputados pelo tempo que tomei, justificado, aliás, pelos apartes incessantes que recebi. Ponho o documento à disposição do nobre deputado Paulo Pinto Nery.

Mas a vida política na província estava ficando pequena demais para a visão universal de Arthur Virgílio Filho. Em outubro de 1958 foi eleito deputado federal pelo Amazonas, pela legenda do PTB de Getúlio Vargas e Plínio Coelho, assumindo a cadeira no início de 1959. Sua rápida ascensão no Parlamento impressionava. Em maio do mesmo ano já era o vice-líder do PTB e, dois meses depois, vice-líder do bloco parlamentar de oposição ao governo de Juscelino Kubitschek.

Em 1961, durante o governo do presidente Jânio Quadros, apoiou a política externa oficial sustentando os princípios de autodeterminação, de não intervenção e não alinhamento do Brasil nas disputas entre os blocos hegemônicos internacionais. Já no governo de João Goulart, em novembro de 1961, apoiou o reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética, rompidas em 1947, e a Emenda Constitucional nº 5, que ampliou a participação dos municípios na renda tributária nacional.

Em março de 1962, alinhado ao chamado Bloco Compacto do PTB, grupo que reunia parlamentares de tendências socialistas, foi reconduzido à vice-liderança de seu partido na Câmara. Neste mesmo ano, no pleito de outubro, elegeu-se senador pelo Amazonas. Tomou posse no Senado em fevereiro de 1963. No mês seguinte foi eleito líder do PTB e, em maio, vice-líder da maioria (PSD-PTB) e do governo.

(Publicado em 2011, no livro “Perfis Parlamentares nº 59 – Arthur Virgílio Filho”, pela Câmara dos Deputados)

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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