Em 1668, o capitão Pedro da Costa Favela, um renomado caçador de índios, ao retornar ao Pará, aconselhou o governador Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho sobre a necessidade tática de guarnecer a região contra o assédio dos holandeses, ingleses e espanhóis. Seria necessária a construção de uma fortaleza que resguardasse o rio Negro das incursões inimigas. A tarefa de construir um simulacro de fortaleza foi confiada a Francisco da Mota Falcão, auxiliado pelo filho Manuel da Mota Siqueira.
A fortaleza de São José da Barra do Rio Negro foi construída pelo colonizador português para assegurar o domínio da área de confluência do rio Negro com os rios Amazonas e Solimões, e controlar o portão de entrada dos confins ocidentais da Amazônia, reservados à Espanha, em 1494, pelo Tratado de Tordesilhas. Não era bem uma fortaleza, era um fortim de formato quadrangular e muros baixos, feito em pedra e barro, sem fosso, com quatro canhões de pequeno calibre, cujas ruínas sumiram da nossa paisagem urbana há mais de 150 anos, destruídas por um incêndio numa noite de São João.
Fortaleza ou fortim, não importa, era a marca da colonização, o símbolo do nascimento da cidade de Manaus. Ele ficava localizado precisamente a três léguas da foz do Rio Negro, mais ou menos, no local onde se encontrava o antigo edifício da Fazenda Pública. E a duas léguas de distância do forte ficava a tapera dos índios Tarumã. O forte desempenhou sua missão durante 114 anos, tendo sido o seu primeiro comandante o capitão Angélico de Barros.
Na fachada do belo edifício em que funcionou durante muitas décadas a Secretaria da Fazenda, na antiga rua do Tesouro, hoje Monteiro de Souza, há uma placa com a seguinte inscrição: “Neste local, em 1669, foi construída a Fortaleza de São José da Barra, sob a inspiração do cabo de tropas Pedro da Costa Favela. Foram construtores o capitão Francisco da Mota Falcão e seu filho Manuel da Mota Siqueira. Desapareceu em ruínas no anos de 1850”. Mas a referência histórica passa desapercebida à maioria dos manauenses. O prédio pertence atualmente à administração do Porto e o acesso à área é restrito.
Os primitivos habitantes dessa área, onde se encontrava o forte de São José da Barra do Rio Negro, eram os índios Tarumã, muitos dos quais ajudaram na construção do Forte, por influência dos religiosos portugueses e passaram a morar nas suas proximidades em palhoças humildes. E vieram os índios descidos dos rios da Amazônia. Do Japurá, os barés, do Japurá e do Içá, os passé, do rio Negro, os baniwa.
Também do rio Negro vieram alguns grupos dos temidos manaós, que aceitaram a aproximação dos brancos quando a filha de um dos seus tuxauas se casou com o sargento Guilherme Valente. A princípio, os índios que continuavam hostis à presença dos brancos, como os mura e os manaós, não davam descanso aos conquistadores, mas graças ao auxílio dos religiosos carmelitas, um grande arraial foi pouco a pouco se formando em volta do reduto fortificado.
Famílias inteiras das tribos dos baré, passé e baniwa ali se instalaram, dando início a uma grande miscigenação que, em breve, iria determinar, na povoação da Barra, o aparecimento de uma nova geração de moradores constituída de mamelucos e caribocas. A população formada por indígenas e brancos cresceu tanto que, em 1695, os missionários carmelitas, juntamente com os franciscanos, jesuítas e mercedários (encarregado de catequizar os índios e impedir as guerras), resolveram erguer uma capela nas proximidades do Forte de São José da Barra do Rio Negro. A pequena igreja recebeu o nome de Capela de Nossa Senhora da Conceição e se transformou em padroeira de Manaus.
O colonizador foi estendendo seus domínios sem cerimônia sobre o miracangüera dos nossos antepassados, o grande cemitério indígena que cobria o Largo da Trincheira, abrindo os caminhos do fortim à rua do Deus Padre, à do Deus Filho, à do Espírito Santo. Eram ruas pobres, estreitas, tortuosas, lamacentas. A pequena matriz, a casa do vigário, a casa do comandante e outras mais, poucas e muitos humildes, feitas de taipa, chão batido, cobertas de palha. A mão-de-obra indígena garantia a produção de anil, algodão, arroz, café, castanha, salsa, tabaco. A Barra aos poucos se expandia.
Os anos 1700 são marcados pela política portuguesa de dominação das populações primitivas pela força das armas, que resultaria no extermínio de milhares de índios na região do rio Negro. Os portugueses, cada vez mais impetuosos, queriam garantir a hegemonia do tráfego de sua estrada real – o rio Amazonas –, considerado um caminho acessível a grandes riquezas.
Algumas tribos resistiram bravamente à invasão de seu território. A tribo dos manaós, por exemplo, que os portugueses consideravam extremamente orgulhosa, não só se negava a ser dominada pelos portugueses e servir de mão-de-obra escrava como também combatia as outras tribos que se aliassem a eles. Dotados de uma coragem temerária, os manaós estavam constantemente em confronto com os habitantes do Forte.
Um dos maiores líderes dos manaós foi o indígena Ajuricaba, que se opôs tenazmente à colonização dos portugueses, mas que mantinha um bom relacionamento com os invasores holandeses. Ele comandou a rebelião dos índios do rio Negro em 1757, destruindo as aldeias de Caboquena, Bararoá e Lama-Longa. A notícia de seus feitos apavorou os moradores da Barra e quase todos foram embora.
Depois de uma nova série de escaramuças, Ajuricaba foi finalmente aprisionado e enviado ao Pará, para ser julgado pelos seus crimes de guerra. Sua morte ocorreu, em situação misteriosa, durante a viagem. Segundo a lenda, Ajuricaba, considerado o principal símbolo de resistência, luta e coragem dos amazonenses, suicidou-se no “Encontro das Águas”, se jogando, com pés e mãos acorrentados, nas águas do rio Negro, preferindo a morte ao jugo português.
A localização geográfica favorecia o crescimento da Barra, mas a população era escassa, as decisões políticas eram lentas e as comunicações, muito difíceis. Viajava-se dias e dias de canoa para chegar a Mariuá (Barcelos), sede da Capitania de São José do Rio Negro, subordinada ao Estado do Grão-Pará e Maranhão.
Após mais de um século de fundação, o Lugar da Barra ainda era constituído apenas por algumas casas de palha, madeira e taipa, protegidas pelo fortim, com uma população de 220 índios, 34 brancos e dois negros escravos, conforme levantamento feito pelo Ouvidor Sampaio, em 1778. Havia, ainda, a capela de Nossa Senhora da Conceição, muito simples, feita de palha e chão batido. Em 1783, por ordem do general João Pereira Caldas, e em razão de seu estado precário, a velha fortaleza foi desarmada, perdendo a povoação as últimas aparências bélicas que lhe restavam.
A Carta Régia, de 3 de março de 1755, havia criado a Capitania de São José do Rio Negro, no governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, cuja sede estabeleceu-se na vila de Mariuá (Barcelos), no médio Rio Negro, desde sua instalação, no dia 7 de maio de 1758. Temeroso de invasões espanholas oriundas do Vice-Reino do Peru pelas cabeceiras do rio Solimões, o governador Manoel da Gama Lobo D’Almada, terceiro governador da capitania, transferiu a sede de Barcelos para o Lugar da Barra, em 21 de dezembro de 1791, por considerá-lo um ponto mais estratégico para enfrentar os invasores.
Lobo D’Almada dinamizou a economia do Lugar da Barra, que passou a viver uma fase de grande progresso. Ele construiu o Palácio dos Governadores, o hospital de São Vicente, o quartel, a cadeia pública, o depósito de pólvora. Reergueu a pequena matriz de Nossa Senhora da Conceição. Instalou pequenas indústrias – olaria, estaleiro, fábricas de velas de cera, anilinas, cordas, tecidos, redes e panos de algodão.
A visão de estadista de Lobo D’Almada despertou a inveja do governador do Grão-Pará, Francisco de Souza Coutinho, mentor de uma trama tão bem urdida junto à Corte, que resultou na Carta Régia de 22 de agosto de 1798, mandando retornar a sede da Capitania a Barcelos. Desgostoso, humilhado, injustamente acusado de se apropriar do dinheiro público, Lobo D’Almada morreu em Barcelos, no dia 27 de outubro de 1799.
Uma junta provisória assumiu o governo da Capitania, até a posse do governador interino, coronel José Antonio Salgado, um protegido de Souza Coutinho que não se revelou à altura do cargo. O sucessor de Souza Coutinho no governo do Grão-Pará, Dom Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos, que depois viria a ser vice-rei do Brasil, interessado em vencer a situação de decadência econômica e social que se instalara na Capitania de São José do Rio Negro com as injustiças praticadas contra Lobo D’Almada, escolheu para governá-la o coronel de engenheiros José Simões de Carvalho, um matemático formado pela Universidade de Coimbra que conhecia a nossa região, pois participara, como astrônomo, da comissão encarregada de demarcar os limites com a Espanha, na década de 1780.
O governador Simões de Carvalho foi nomeado no dia 4 de abril de 1804, com instruções para transferir novamente a sede da Capitania de São José do Rio Negro para o Lugar da Barra. Mas não chegou a assumir o cargo. Morreu em viagem, quando passava pela Vila Nova da Rainha (Parintins), no dia 7 de outubro de 1805, em direção à vila de Barcelos.
A reinstalação do governo no Lugar da Barra somente ocorreu em 29 de março de 1808. O governador da Capitania de São José do Rio Negro era, então, José Joaquim Vitório da Costa, a quem a História responsabiliza pelos atos de vandalismo praticados em Barcelos por seu genro, Francisco Ricardo Zany. Talvez para evitar que o governo retornasse à antiga Mariuá, o desequilibrado Francisco Ricardo Zany destruiu o que restava do belo patrimônio arquitetônico daquela vila, construído ao tempo da instalação da Capitania.
O governador Joaquim Vitório foi duramente criticado durante toda a sua administração, por se manter indiferente às reivindicações populares, criando impostos elevados e ocupando-se exclusivamente de seus negócios particulares, principalmente de sua chácara no Tarumã, onde cultivava frutos europeus e escravizava índios. Com medo de ser substituído, obrigou as câmaras das vilas a passarem um atestado de elogio ao seu governo, ameaçando deportar os vereadores que votassem contra a sua pretensão. A Câmara de Serpa (Itacoatiara) foi a única que não se curvou às imposições do governador.
A Barra voltara a ter o privilégio de capital, mas não tinha sequer a predicação de vila, o que lhe impedia de ter a sua própria câmara municipal e organizar a estrutura jurídica mínima necessária para se desincumbir das rotinas administrativas de sua competência. Valia-se da Câmara Municipal da vila de Serpa, para onde os moradores eram obrigados a viajar quando precisavam obter um simples alvará. A Câmara de Serpa mantinha um representante na Barra, o juiz de julgados, com a função de anotar as ocorrências e exercer o poder de polícia.
Uma das primeiras descrições da cidade foi feita em 1819 por Karl Von Martius e Johann Von Spix. Os alemães observaram que, naquela época, o “lugar da Barra” ainda não atingira a condição de vila e situava-se “num terreno desigual, cortado por diversos córregos” e, como em todas as vilas do Estado, suas casas eram quase que exclusivamente de um só pavimento, com paredes “construídas a pau-a-pique e barro, cobertas geralmente de folhas de palmeira” e ficavam “espaçadas uma das outras”, formando algumas ruas irregulares.
Em 1823, o lugar foi descrito pelo padre José Maria Coelho como uma reduzida povoação, com apenas onze pequenas ruas e uma “praça quadrada”. O padre ressaltou a construção de alguns “edifícios nobres”, que eram cobertos com telhas, mas observou que o Palácio do Governo, a Secretaria da Provedoria, assim como o aquartelamento militar, ainda eram cobertos com palha.
Em 1828, o tenente inglês Henrique Lister Maw observou que a cidade era dividida por alguns pequenos portos, as ruas não eram calçadas e quase todas pareciam inacabadas. Entre as obras arquitetônicas do lugar, o inglês destacou um hospital “grande e bem edificado”, de construção recente. Mas, quanto à igreja, notou que era pouco ornada e ficava em frente ao rio, “tendo hum largo de fronte e o quartel ao pé, atraz do qual, e hum pouco mais abaixo está o Forte”.
Ele observou, ainda, que havia “huma ponte de páo direita, e supportada por estacas” construída em frente de um dos tais “portos” e que ao pé do hospital estava sendo construída outra. Apesar de existirem várias casas boas, algumas com dois andares, não formavam “parte alguma principal da cidade”, porque haviam sido construídas em diferentes ruas, ao lado ou anexas a outras construções de qualidade inferior.