Por Luiz Antonio Simas
Como quase tudo de fundamental no mundo – lembrem-se de certo King Tang misturando leite e água gelada dos rios para fazer sorvetes –, a invenção da pipa foi chinesa. Há quem diga que os primeiros papagaios foram criados há mais de 3 mil anos. Eram dispositivos de sinalização militar, em suas variações e cores, estabelecendo códigos de combate. Viraram brinquedos de fabular os céus e desafiar as nuvens.
Os nomes são vários no Brasil: cafifa, pandorga, papagaio, pepeta, piposa, cangula, curica, morcego, banda de asa… Se fabricada apenas com duas varetas, suru. Se em formato de losango e sem rabiola, arraia ou raia. A baianinha é retangular; o modelo em triângulo é o pião. Jereco e catreco são aquelas mais simples, bem fuleiras, feitas no improviso. Em Portugal pipa é papagaio de papel ou estrela; na Ilha da Madeira, para rimar, é joeira. A arte de rabiscar o céu não tem fronteiras.
Para fazer o cerol, vidro moído na linha do trem. A maior humilhação, não se discute, era sofrer o aparo na hora da cruza – ou no tora, como falavam os mais velhos. Rabiola eu já vi de papel, plástico e tecido. E a cola de maisena, alguém ainda faz? Se me perguntarem sobre um bom lugar para empinar as cafifas, sou capaz de arriscar que os cemitérios são ótimos. Inhaúma em tempo de pipa – e viva as férias escolares! – vira uma festa.
Alguém sabe se a Aluap, na galeria H do Mercadão, continua vendendo a linha 10 de algodão? E a Vick Pipas? Há quem afirme que o Gerson foi o maior pipeiro do subúrbio. O Jardel fazia as melhores de Madureira. O seu Turino, na Azamor, distribuía pipas no dia de Cosme e Damião. Em Quintino, no Lins, em Cascadura, em Realengo e na Piedade ainda se encontra quem faça pipas da maior qualidade. O Largo do Estácio, nos fins de semana, farreia o céu. O festival de pipas do Mauá, em São Gonçalo, impressiona. Tomara que nunca acabe.
Há também, é claro, o mistério. Eu vi numa umbanda em Rosa dos Ventos um erê, o Pedrinho da Mata, soltar pipa com desenvoltura impressionante. A moça que era cavalo do moleque, todavia, era incapaz de segurar uma linha para debicar.
Rogo aos santos por um dicionário das brincadeiras, para que elas não sejam esquecidas no desencantamento do mundo. Estudo por esses dias o tema com afinco, encafifado no debique da viração e desconfiado do destino fundamental das pipas. Falar delas é uma missão da qual não posso me abster. Ainda inventarei um manual sobre o tema, como registro de um tempo em que os homens olhavam o céu para fantasiar, sem relógios, a vida.