Musicoterapia

Galeria dos Bambas: Bide e Marçal

Postado por Simão Pessoa

Alcebíades Maia Barcelos, o Bide, nome inscrito com justiça entre os maiores compositores de samba na história da música popular brasileira, nasceu em Niterói, estado do Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1902. Aos seis anos já estava morando na cidade do Rio de Janeiro, indo a família se fixar no lendário reduto do samba, o bairro de Estácio de Sá. Esse fato deve ter contribuído decisivamente para o futuro musical do menino.

Como em geral acontecia com os sambistas, as origens de Bide foram bastante humildes, sendo desde cedo obrigado a trabalhar. O primeiro emprego foi como aprendiz de sapateiro. Levado por companheiros de trabalho, passou a frequentar as rodas de samba do bairro, participando do movimento que promoveu a transição do estilo amaxixado do samba, para sua forma definitiva.

Começou a compor e a qualidade suas músicas chegou até o cantor Francisco Alves, que costumava comprar produção de qualidade, de compositores populares, e gravá-la em seu próprio nome. Foi o que aconteceu com o samba A Malandragem, que Francisco Alves aprendeu com Bide e gravou em seguida pela Odeon. No disco consta apenas o nome do cantor como autor, embora na partitura Bide apareça como parceiro.

Já completamente integrado ao grupo de sambistas do Estácio, fundou – ao lado de Ismael Silva, Mano Edgar, Brancura, Baiaco e outros bambas – a primeira escola de samba, a célebre Deixa Falar. Foi no samba do Estácio, e por consequência na Deixa Falar, que Bide introduziu o surdo e o tamborim, abrindo novas perspectivas para compositores e executantes do ainda novo ritmo.

No final da década de 20, abandonou a profissão de sapateiro e passou a viver da carreira artística, na qual se fixou como ritmista, assíduo participante de estúdios de gravações e orquestras ou conjuntos radiofônicos (viria a ser funcionário da Rádio Nacional anos depois).

Como compositor, teve em Armando Marçal o mais constante companheiro, formando com ele uma dupla que garantiu presença permanente na história da música brasileira. Foi com ele que compôs o samba Agora É Cinza, considerando pela crítica um dos mais bem-feitos em todos os tempos. Em seu lançamento, no Carnaval de 1934, o samba foi o vencedor do concurso de músicas carnavalescas, promovido pela prefeitura do então Distrito Federal.

Mas, apesar do sucesso da dupla, vez por outra Bide “traía” Marçal e compunha com outros parceiros. Noel Rosa, Walfrido Silva, Benedito Lacerda, Alberto Ribeiro, João da Baiana, Kid Pepe, João de Barro, Ataulfo Alves, Mano Décio da Viola e Roberto Martins estavam entre eles.

É atribuída a Bide a descoberta de Ataulfo Alves como compositor, que, levado em 1934 para a RCA Victor, teve gravado seu primeiro samba. Até a morte de Marçal em 1947, a produção musical de Bide foi intensa, tendo caído bastante depois do falecimento do parceiro favorito.

Em 1955, o compositor chegou a animar-se novamente, ao participar da gravação de O Carnaval da Velha Guarda, LP do selo Sinter, com o conjunto da Guarda Velha, liderado por Pixinguinha. O grupo contava, entre outros, com as presenças de Bide, tocando afoxé, Donga, no violão, e João da Baiana, com sua personalíssima batida de pandeiro.

Em 18 de março de 1975, aos 73, praticamente cego e paralítico, morreu no conjunto residencial para músicos, no Rio de Janeiro.

A dupla Bide (dir.) e Marçal (esq.), com o intérprete Francisco Alves

Era tão forte a ligação entre Alcebíades Barcelos, o Bide, e Armando Marçal, uma das duplas de compositores mais bem-sucedidas na música popular brasileira, que ambos se misturaram no imaginário popular. Quando da realização da Bienal do São Paulo, a produção do evento decidiu convidar compositores importantes no gênero, para apresentarem suas obras e serem homenageados, independente da competição.

Entre os convites expedidos individualmente, estava lá um para o “Senhor Bide Marçal”, os produtores pensando que a dupla fosse uma só pessoa. De certa forma não erraram, pois durante toda a vida musical que levaram juntos, Bide e Marçal se completaram a ponto de criarem um estilo tão definido que seus sambas eram reconhecidos aos primeiros acordes.

Armando Vieira Marçal nasceu no Rio de Janeiro, filho de Vicente Marçal e Carolina Marçal, no dia 14 de outubro de 1903. Sua família era humilde e teve infância difícil, mal podendo cursar o primário. Iniciou-se cedo na profissão de lustrador de móveis na Casa Pratt e, mesmo tendo sucesso como compositor e ritmista, não abandonou a profissão.

Ao morrer, em 20 de junho de 1947, era o lustrador dos móveis do Hotel Vera Cruz, à rua D. Pedro I, sempre no Rio de Janeiro.

Casado com D. Ângela Delfina Marçal, foi pai de três filhos, inaugurando verdadeira dinastia de sambistas. O terceiro filho, Nilton (os outros dois, Valdir e Iara, morreram cedo), viria a se tornar o conhecido Mestre Marçal, um dos maiores ritmistas da música popular brasileira, mestre de bateria da Escola de Samba da Portela, e o neto, Marçalzinho, continuaria a tradição como ritmista, fazendo carreira nos Estados Unidos.

Mestre Marçal comandando o embalo na Portela

Armando Marçal participou da primeira gravação com instrumentos de ritmo feita no Brasil, a de Na Pavuna, de autoria de Almirante e Homero Dornelas, que se assinava Candoca da Anunciação. No disco estavam Marçal, Bide, João da Baiana, Bucy Moreira, Raul Marques e outros que se tornaram os pioneiros.

Marçal trabalhava como ritmista em emissoras de rádio, desde 1934, e gostava de promover rodas de samba em sua casa, frequentadas por amigos compositores e por astros consagrados como Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas, entre outros.

O maior sucesso da dupla Bide/Marçal foi o samba Agora É Cinza, que tem uma história curiosa. Oferecido no Café Nice ao cantor Mário Reis, junto com o samba Vivo Sonhando, foi em princípio recusado, tendo Mário aconselhado que as músicas fossem apresentadas primeiro a Francisco Alves. Isso porque eles estavam meio brigados desde que resolveram não gravar mais em dupla e Mário queria fazer uma gentileza ao colega.

Francisco Alves escolheu Vivo Sonhando e Mário Reis gravou a que sobrou, Agora É Cinza, que se tornou um clássico, um dos cinco maiores sambas de todos os tempos, segundo pesquisa junto a especialistas.

Além dos grandes sambas que compunham juntos, Bide e Marçal – como quase todos os compositores de sua geração – eram excelentes seresteiros e gostavam das valsas Silêncio, composta em 1941, e Prece À Lua, feita em 1945.

Dois anos depois, em 1947, bastante jovem, com apenas 44 anos de idade, um ataque cardíaco surpreendeu Armando Marçal, quando visitava as dependências da gravadora RCA Victor, no Rio de Janeiro. A morte dele desfazia a famosa dupla, mas seus sambas continuam a ser gravados, com sucesso, até hoje.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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