Por Ismael Benigno
Então agora o maior vilão do país, a indústria agropecuária, que desmata, que polui, que intoxica, que maltrata e que engole pequenos produtores… virou a nova queridinha do Brasil247, do Diário do Centro do Mundo, do Cafezinho, do Paulo Henrique Amorim e da Socialista Morena?…
Sei.
Descontemos os exageros e imprecisões da divulgação da operação da PF, a maior até hoje, com 1100 policiais envolvidos. Vocês juram que, dada a notícia de que há carne maquiada, salsicha de peru sem peru, mortadela cozida para tirar salmonela, cabeça de porco na linguiça, data de validade adulterada e três dezenas de fiscais presos por propina, para acobertar a carne podre, é exagero da população ficar com medo de comprar carne?
Carnes in natura e processadas são, infelizmente, a base da dieta brasileira. Plantas fabris dos maiores frigoríficos do país, instaladas no sul e sudeste, são suspeitas de pagar propina a agentes do governo, para fazerem vistas grossas quanto às irregularidades.
Quando você sabe que tem cigarro falsificado no mercado, ou sorvete, ou bala de menta, você se afasta daquilo e pronto. No balaio do medo da sociedade, mercados inteiros, mas pequenos, podem sumir. O que ocorre agora é que, através da maior operação da PF até hoje, soubemos que podemos estar consumindo comida estragada.
Não adianta dizer que foi cozida. Que foi processada. Saber que salsicha faz mal porque é carne processada, porque tem sódio, gordura e etc., é uma coisa. Saber que a linguiça de frango não tem frango, é outra. Que sua carne um dia já esteve podre, mas que foi ressuscitada quimicamente, é outra coisa.
Isso é saúde pública. O que se vê agora não é pânico gerado por um complô americano para destruir o Brasil. É o fato de saber que, mesmo acreditando que a imensa maioria do mercado é confiável, em algum lugar há uma geladeira com carne podre que será consumida por crianças, por filhos, por gente que amamos.
A gente entende que tudo no país hoje já nasce com lado, mas por que raios vocês precisam estragar até um fato dessa gravidade, com esse proselitismo cafajeste, apodrecido, que não engana mais ninguém?
O agronegócio brasileiro é a mão de todos os demônios. As grandes multinacionais, que varrem pequenos produtores do mercado, idem. Matam, desmatam, poluem, destroem, modificam geneticamente, maltratam animais.
E de repente, precisam ser defendidas dos americanos.
Mais uma vez, o Brasil é apresentado à possibilidade de estar sendo enganado. Pior, estar botando na boca dos filhos um produto estragado, por um preço alto, por causa de agentes públicos corruptos.
É de dar nojo, mais do que das notícias, essa necessidade doentia de se proteger empresas suspeitas de estar enganando o país inteiro. Uma delas, inclusive, que teve 7,5 bilhões de reais em financiamentos públicos.
Não é que apenas 21 dos 5.000 frigoríficos brasileiros sejam suspeitos de irregularidades. Quando se toca nos nomes das maiores marcas, que estão nas geladeiras de todo mundo, o mais natural é que brasileiros, na medida do possível, façam como coreanos, russos, americanos, canadenses, japoneses e europeus fizeram hoje: suspender o consumo até que se saiba até onde foi, dessa vez, a safadeza brasileira.
Para apontar essas duas especialidades nacionais, a safadeza e a idiotice ideológica, a gente não precisa ser especialista. A gente precisa apenas ser consumidor. Ou pai.
E como pai, por esse e tantos outros motivos, a gente anda com medo de ser brasileiro. E com vergonha de ainda ver tanta gente bacana procurando sigla de partido na etiqueta do escândalo do dia, em vez de procurar a data de validade, pra só então decidir se fica contra as vítimas ou contra os bandidos.
Tem gente correndo pra passar ácido sórbico nas próprias convicções. Porque dá nojo, vergonha e pena de quem consegue politizar até carne podre servida a crianças em escolas públicas.