Em São Paulo um sujeito pode passar um ano inteiro indo a bares todos os dias sem repetir nenhum. Nunca fiquei mais do que três dias lá. Mas deu pra conhecer alguns bares do balacobaco, como dizia Paulo Francis.
Bar Léo – Na minha opinião, o melhor chope do Brasil. O segredo está na chopeira, feita por um alemão que levou o segredo para o túmulo.
Os tira-gostos, por exemplo, cubinhos de pão preto com bife tartar e alcaparras, são divinos. E é o único bar que conheço que tem moral para recusar servir chope sem colarinho (argh!). Eu estava lá quando parou na porta do bar um xará, um Jaguar do ano; enquanto o motorista esperava, duas figuras jurídicas, do alto da sua empáfia quatrocentona, pediram chopes sem colarinhos. “Sinto muito”, disse o cara do balcão, “só servimos com o colarinho da casa: três dedos.” Eles botaram banca: “Mas a gente tá pagando, vocês têm que servir como queremos, onde já se viu?” “Está vendo aquele bar do outro lado da rua?”, disse o garçom, “Lá eles servem chope sem colarinho.” Grande Hermes, nem tudo está perdido ainda. Hermes é o atual dono, que comanda a casa com rigor teutônico.
O bar fecha impreterivelmente às 8 da noite e nem o Covas tinha poder para impedir que as portas baixem depois desse horário. Sempre que tenho um compromisso em São Paulo dou um jeito para agendar na segunda-feira, dia que o prato do dia é arroz com feijão Mit Gulasch, uma delícia. Nos outros dias (copiado do cardápio): terça, salada de batatas com salsicha, bolinho, linguiça e outros bichos, quarta, Einsbein ou filet mignon de suíno and chucrute com feijão-branco e arroz, quinta, ravióli com bracciola, sexta, bacalhau ao forno com grão-de-bico ou arroz, sábado, sanduíches, bolinhos de bacalhau. Domingo? O Corinthians joga!!!
Bar Piratininga – Ao vivo e a cores Vila Madalena, bairro criado pelos jardineiros portugueses que trabalhavam no cemitério da área, é muito melhor que a novela homônima. Fundado em 26, já foi um templo da sinuca onde reinou absoluto o lendário e imbatível Carne Frita, ídolo de Adir Blanc. O atual dono, Pedro Geraldo Costa Jr. cultua a tradição, a começar pelo nome do bar (o primeiro nome de Sampa foi São Paulo de Piratininga). O ambiente é aconchegante e o charme do lugar fica por conta de fotos antigas, vigas de madeira e parede de tijolos; a chopeira é feita de uma velha máquina de café. O maior fã do lugar, David Drew Zingg, o tio David, foi taxativo: “Se você é um cavalheiro idoso como este colunista, o Piratininga vai fazê-lo lembrar do tempo em que tudo neste mundo andava no lugar.” Sempre rola música no fim de tarde e se alguém achar que o pianista é a cara do Paulo Caruso, pode ficar sabendo que é o próprio.
Frangó – Quando Washington Olivetto me recomendou o lugar, nunca imaginaria que meu casamento quase desmoronasse. Quando Célia e eu fomos a Barcelona, Washington nos recomendou os três melhores lugares de lá: o Bota-Fumeiro, fantástico restaurante de frutos do mar, o Dry Martini, bar chiquérrimo, que tinha, como alguns restaurantes têm o prato do dia, o Dry Martini do dia; só de marcas de gim tinha mais de 70. E o Sept Cats, que se dava ao luxo de ter um cardápio desenhado por Picasso. Ignorante da geografia de São Paulo, disse pro motorista no aeroporto: “Toca pro Frangó, na Freguesia do Ó.” Levamos quase uma hora para chegar e olha que era domingo. “É mais longe que Petrópolis do Rio”, reclamou minha mulher. Por que Nossa Senhora do Ó? Ó, como é longe!
Finalmente chegamos na porta do Frangó. Parecia um boteco dos mais simples. Antes que Célia estrilasse de novo, tentei acalmá-la: “Vai ver que por dentro é sofisticadíssimo, com quadros a óleo, ar condicionado, poltronas de veludo vermelho e metais dourados, como o Dry Martini, em Barcelona.”
Não, parecia o que era: uma casa com jeito de pensão suburbana, que devia ter mais de meio século, mesas e cadeiras de plástico. Famílias inteiras de descendentes de italianos comiam alacremente frango com polenta, bife com fritas e pizza. Crianças galopavam enlouquecidas pelo salão; quando passavam em disparada pelo chão de tábuas corridas, as mesas oscilavam e a gente tinha que segurar os copos para não derramarem.
A essa altura Célia soltava fogo pelas narinas como um dragão profissional e eu tentava descobrir por que o requintado Washington Olivetto tinha recomendado a casa. Finalmente descobri: o lugar tem chope alemão claro e escuro, cervejas nacionais difíceis de encontrar, como Serramalte, Lecker, Original e Niger, cervejas belgas – inclusive a Duvel e Delirium Tremens (que não se perca pelo nome), que adoro, irlandesas (Guinness), tchecas (Urguell), holandesas (Grolsch), etc. Como a cerveja brasileira está cada vez pior, para quem quer – e pode – conhecer as louras e pretas de fora, o Frangó oferece degustação de diferentes tipos todos os dias. O problema é que Célia não é cervejinha, gosta de destilados. E mesmo depois de descobrir que a casa oferece bons escoceses seu humor já estava arruinado e só para me fazer sentir culpado pediu – afronta das afrontas – uma coca.
Noberto, dono do Frangó, alviverde doente – e deve ter ficado mais doente ainda depois que o palestra do seu coração perdeu o título dias depois – foi gentilíssimo e nos levou para o hotel, a quase sessenta quilômetros do seu estabelecimento. Mas que o meu casamento perigou, perigou, Washington.
Bisteca d’Ouro – Chamado pelos íntimos de Sujinho e Bar das Putas. Quem me levou lá pela primeira vez foi Paulo Caruso, que tem mestrado e doutorado de botecos. Uma das melhores picanhas que já comi na minha vida. Por que Sujinho? Quem responde é Francesc Petit no seu indispensável guia São Paulo de Bar em Bar: “Pelo hábito dos garçons de sacudir a toalha na frente do freguês e virar do lado contrário.” “Por que Das Putas?” Nos anos 60, elas faziam ponto aqui.
Jacaré – Fica na Vila Madalena onde estão, garante Petit, os melhores e mais populares botecos da cidade. Era uma vendinha que depois, graças ao Marcelo Silvestre, codinome Jacaré, virou santuário para quem venera coração de frango e churrasquinho.
O tempero, incomparável, é de dona Vera, mãe de Jacaré. O charme do bar são os caldeirões de ferro com carvão em brasa. Fica quentinho e faz do lugar o único bar que ousa botar mesas na calçada no frio de lascar de São Paulo.
Bisteca d’Ouro. Rua da Consolação, 2.078. Cerqueira César. Tel. (11) 231-5270. Das 10 da manhã às 5 da madrugada (se o Pitta não mandou fechar mais cedo).
Frangó. Largo da Matriz de Nossa Senhora do Ó, 168. Freguesia do Ó. Tel. (11) 3932-4818 / 3937-4281. De terça a quinta das 9 da manhã às 3 da tarde e das 5 da tarde à meia-noite, sexta das 9 da manhã às 3 da tarde e das 5 da tarde às 2 da madrugada, sábado direto das 9 às 2 da madrugada e domingo até 11 da noite, segunda, descanso da companhia
Jacaré. Rua Harmonia, 321. Vila Madalena. Tel. (11) 816-0400. Diariamente, das 10 da manhã à meia-noite, sábado só tem almoço e domingo fecha
Léo. Rua Aurora, 100, esquina de Andrades. Tel. (11) 221-0247. Almoço das 11 da manhã às 3 da tarde, fecha às 8 da noite, não abre aos domingos
Piratininga. Rua Wizard, 149. Vila Madalena. Tel. (11) 210-9775. Todos os dias, a partir das 5 da tarde.