Por Felix Valois
Pelo zapzap me chega informação sobre um evento que pode ter importância transcendental e ajudar a mudar a história do mundo. Vai ele ter lugar no dia 14 de abril próximo, em Cuiabá.
Na capital do Mato Grosso e naquela data, os pastores Alex M. e Alexandre M. vão ministrar o “Curso de Libertação e Expulsão de Demônios na prática”. Prometem, na resenha, “estudo bíblico aprofundado”, para o que contarão com moderna tecnologia, vez que realizarão “relatos práticos com auxílio de vídeos e imagens”.
Ao final, com o necessário espaço para as indagações da plateia, farão uma “demonstração prática da oração de libertação e expulsão de demônios”. Esse fenômeno começa às dezenove horas e trinta minutos, sendo certo que o “investimento” para as três horas de aula foi fixado em cinquenta reais, com direito a “coffee break incluso” e um “kit de anotação”.
Que maravilha! Tendo em vista que o demônio tem sido personagem presente desde tempos imemoriais, só agora nossa gente vai ter a oportunidade de aprender a lidar com ele de forma eficiente, preparando-se para evitar as tentações e, ao fim, mandar o indesejado para as profundas do inferno, de onde nunca deveria ter saído.
Cuido que o valor cobrado está compatível com o mercado satânico e, em certos casos, ouso mesmo dizer que é uma pechincha. Sim, porque se o meu parco leitor não percebeu, não se trata de lidar com apenas um demônio, mas com vários (ou todos), já que a publicidade se refere a tal ente no plural.
E, se é certo que existem demônios de segunda categoria contra os quais uma simples jaculatória ou um salpico de água benta resolvem o problema, outros, ao contrário, ocupam cargos elevadíssimos na hierarquia infernal.
Ora, aprender a enfrentar os membros dessa aristocracia das trevas por somente cinquenta contos é algo tentador e eu mesmo lamento não poder estar presente para me qualificar como cruzado dessa nova legião de combate ao mal.
Imagine, por exemplo, que você tenha a desventura de, no recesso de seu lar, receber a indesejada visita de Allocer. Segundo a Wikipédia, trata-se de “um demônio cuja posição hierárquica é de um Grande Duque do Inferno e que tem trinta e seis legiões de demônios sob seu comando”.
Seria preciso aplicar tudo o que os pastores lecionarem no curso, pois esse nobre capiroto, com suas feições leoninas e os olhos flamejantes, desmonta de seu enorme cavalo para induzir as pessoas à imoralidade. Perigosíssimo.
Não menos temível é o demônio conhecido como Adramelech. Aqui, será necessária toda a atenção na parte culinária do curso, pois esse infeliz, que é “um dos dez sephiroths negativos, age sob o comando de Samael, o qual, por sua vez, se orgulha de ser conhecido como “Anjo do envenenamento”. Faltam-me informações sobre o eventual fornecimento pelos pastores dos antídotos adequados.
Igualmente pavoroso é um tal de Astaroth que, além de demônio, ainda é exibicionista pois se apresenta como “um homem desnudo com mãos e pés de dragão, asas com plumas, levando uma coroa e segurando uma serpente com uma das mãos”. Na Idade Média, houve quem o encontrasse como um enorme cavaleiro negro, montado em um escorpião.
E o que dizer de Belzebu? Da pior estirpe a criatura, jactando-se de ser “príncipe dos demônios, senhor das moscas e da pestilência”. Todo cuidado com ele é pouco, uma vez que “na demonologia cristã, trata-se de um dos sete príncipes do inferno e a personificação do segundo pecado, a gula”.
Também é conhecido como “O Quarto” por se curvar somente perante Lúcifer, Satã e Belfegor, sendo “o irmão mais velho de Lúcifer, descendente da geração de Behemoth, pai de Belial, um dos maiores demônios do inferno”.
Impossível esquecer Asmodeus. Também é um dos sete anjos do inferno e, ao que consta, está abaixo somente de Lúcifer, competindo-lhe difundir o pecado da luxúria. Em um conto judaico, “é visto como o homem mais impuro já nascido e aquele que guiou Sodoma à luxúria”.
Já dá para ver que a coisa é séria. O demônio, que conseguiu o fenômeno de reunir os católicos do Papa, os protestantes de Lutero e os presbiterianos de Calvino no empreendimento de caça às bruxas, não está para brincadeiras.
Ardiloso, matreiro, falso, o coisa-ruim exige do comum dos mortais as mais severas precauções. Por isso, esses dois santos homens de Cuiabá tem uma árdua missão pela frente. E não esqueça: por apenas cinquenta reais.
Só fico me perguntando: por onde andam a polícia de costumes e os psiquiatras?