Boemia

O guardanapo no butiquim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

Meus amigos, o que tem de butiquim com nome de fantasia consagrado por causa das condições de higiene… O Rei da Mosca, Sujinho, Cospe Grosso, O Baratinha do Bairro, coisa assim… Na verdade, o sujeito é levado a cometer insanidades higiênicas por conta dessas instituições etílicas.

Venho, então, falar do guardanapo servido aos fregueses gratuitamente e, por isso mesmo, bordado na má vontade. O negócio é tão sério que ouvi falar de um sujeito que preparava seus guardanapos nos fundos do bar com os restos de jornal esquecidos pelos pés-de-cana no balcão no próprio banheiro, recanto de sagrada leitura.

Aqui perto de casa, o gerente colocou um funcionário para recortar os papeizinhos que vêm de fábrica em folha dupla; um verdadeiro desperdício. Você passa o troço na boca e metade fica no bigode, cola nos lábios, gruda no copo do mocotó, engasga a garganta e, na mão mesmo que é bom, não chega uma tira sequer. Se você preferir enxugar a gordura do salgadinho vendido em unidades, desista.

Aliás, a arte utilizada em boteco para acumular óleo na massa desses aperitivos vem desde o dia em que o descobridor dos sete mares abriu aqui uma porta e botou para trabalhar três guaranis que plantavam babaçus: uma loucura!

Lembrei de um grande estabelecimento onde o guardanapo era pago à parte. Verdade seja dita, vinha fervendo e no fim dava pena de usá-lo, tamanha a candura do tecido.

Você vê que guardanapo é coisa séria.

Conheci um grande artista que se recusava a usar esse utensílio de mesa. Tática suburbana, esperava sair o cafezinho da sobremesa, depois discretamente abaixava até a bainha da toalha na dobra da costura, e limpava com cuidado até a testa.

Alguns achavam aquilo um escândalo, mas foi recentemente numa dessas que, no escurinho da mesa, Ernesto viu os pés da madame nas coxas de um amigo, uma paquera bem tradicional nos almoços de fim de ano.

E já que falei em almoço de fim de ano, assunto é o que não falta.

Papo reto com Roberto Moura

Acho que o Roberto foi o primeiro jornalista a citar meu nome numa matéria. Amizade antiga, fizemos um projeto modestamente vitorioso chamado Samba falado. É um profundo conhecedor de música, seja ela brasileira ou não. Recorro a ele sempre que duvido da qualidade do que estou compondo. Conheço uma história dele que conto à exaustão, tratando da saída de um restaurante ao lado de duas feras, Cláudio Jorge e Henrique Cazes. Mas esta não entrou no livro…

Você acha que o guardanapo de pano é fundamental?

Acho que o guardanapo de pano diz muito sobre o lugar.

Há algum guardanapo inesquecível, daqueles quentinhos?

Eu tenho um guardanapo lá em casa de uma viagem pra Portugal, de linho bordado, como se fosse um azulejo português. Eu não resisti e roubei da casa.

Existe a lenda de que muito compositor faz samba em guardanapo. Você já recorreu a esse utensílio para anotar tuas crônicas?

Tenho poemas e crônicas feitas em guardanapos. Tenho uma caricatura minha desenhada pelo Alan Parker num guardanapo do Porcão da Ilha do Governador.

E se não tiver guardanapo? Você apela para a bainha da toalha?

Isso é inevitável. Qualquer pessoa, chega um determinado momento da festa, apela.

Pé-sujo que se preza não tem nem sabonete no banheiro. Alguma vez brigou em algum desses lugares por conta de guardanapo?

Eu me adapto bem a esse tipo de coisa, mas seria bom que mesmo um pé-sujo tivesse um papel higiênico decente, coisa e tal. Agora, a gente sabe que a vida é desse jeito e vai tocando.

E você acredita mesmo que o lugar de guardanapo é nas coxas?

Eu acho que o guardanapo nas coxas é uma solução universal e penso que funciona.

E usar feito gravata, preso no colarinho, já lhe aconteceu?

Eu nunca usei, mas acho prático: o italiano que inventou esse troço foi pra parar de melar a gravata com molho de tomate.

E o chope fez bigode na cara. Você via de guardanapo ou descaradamente resolve a higiene com a manga da camisa?

O que rolar, depende do espaço. Não tenho esses constrangimentos.

Já chorou uma dor de amor num guardanapo de bar?

Já, nas crises domésticas mesmo. Certa vez, estava num cineclube, brigado com a mulher, e escrevi um texto enorme num guardanapo.

Sinceramente, você tem alguma receita particular pra ressaca?

Se eu sei que vou biritar sério, já saio de casa com uma colher de azeite, uma gordurinha saudável pra forrar. Depois, duas vitaminas B12, uma na ida outra na volta, coisa que aprendi com o Vinicius de Moraes.

 

N.R.: O jornalista, escritor e crítico musical Roberto Moura morreu de dengue hemorrágica, aos 58 anos, no dia 26 de outubro de 2005, no Rio de Janeiro, um mês depois de Moacyr Luz lançar o livro “Manual de Sobrevivência nos Butiquins Mais Vagabundos”.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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