Por Jaguar
É uma coisa, digamos, muito subjetiva. Recebi, recentemente, um folheto enviado pelo Garrido, um dos donos do Pirajá, do qual sou suspeito para falar porque desenhei o cardápio. Ele é também sócio do Original, que em 1999 foi considerado pela crítica especializada o melhor chope de Sampa. O autor do texto sabe das coisas. Os cuidados com o barril, o colarinho cremoso, três dedos, nem mais nem menos. Transcrevo o texto: “Que ninguém se engane, o colarinho não é vilão e sim um saboroso cobertor que preserva a temperatura e evita a oxidação do líquido.”
Os cuidados com a serpentina, a temperatura perfeita, um grau, por aí. O copo certo, de parede fina, boca larga e cristalino, resfriado com gelo antes de receber o líquido dourado, lavado com sabão neutro e muita água. O tirador do chope, maestro absoluto, controlando a temperatura e a pressão do gás, senão o chope desanda. O garçom equilibrista, psicólogo, confidente e confessor que absolve sem penitência os nossos pecados e, sem impor sua presença, zela por nós.
O ideal é o que chamo de garçom automático, por exemplo, o Chico do Bar Brasil, na Lapa. Sento na mesa e nem preciso pedir, ele já vai trazendo a caldereta na pressão, com o Steinhager antes e o Underberg depois. Com uma memória de computador, conhece as preferências de cada freguês.
Certa vez participei de um júri para eleger o melhor maître do Rio. Ganhou o maître de um restaurante chique, com três votos, o vice levou dois votos e vários ficaram em terceiro, com um; Chico levou meu voto, porque, mais do que garçom, é um maître nato. Ele curtiu: “Pô, Jaguar”, me disse na semana seguinte, “o que apareceu aqui de grã-finos de Mercedes para me conhecer por causa da matéria não estava no mapa.”
Sempre que vou a São Paulo dou sempre um jeito de marcar segunda-feira porque é o dia de goulasch com arroz e feijão, no Bar do Léo, na esquina da rua Aurora com Andrades. Na minha opinião é um dos dois melhores chopes do Brasil, o outro é o Adônis, em Benfica, no Rio. Aquela espuma que é um creme, você espeta um palito e ele fica em pé, sem afundar.
Em se falando de chope o centenário Lamas não poderia ficar de fora com suas antológicas serpentinas. Há uns 10 anos atrás era uma espécie de clube, onde todo mundo se conhecia e ia assinar ponto à noite. Invariavelmente tinha fila para entrar. O Vieira, um dos garçons históricos do Rio, administrava a sua praça; com um leve erguer de sobrancelhas nos dava a entender que podíamos furar a fila e sentar na mesa do radialista Nei Hamilton, tão disputada que alguém sugeriu o uso de crachás para seus privilegiados ocupantes. Nei Hamilton tomava exatos 17 chopes por noite. Passei algum tempo sem ir lá, o pessoal sumiu, muitos cantaram pra subir, de conhecido só encontrei o impávido Vieira.
O chope continua muito bem tirado. O famoso filé diminuiu de tamanho e aumentou de preço, mas continua mantendo o índice olímpico, o mesmo acontecendo com o guisadinho e a canja (uma das duas melhoras do Rio, a outra é a do Capela da Lapa). Mas eu não poderia deixar de citar o Lamas, inclusive por razões sentimentais: no Lamas 1 (no Largo do Machado; tinha uma mercearia na frente e uma sinuca atrás) eu, ainda dimenor, ia todas as noites, fazendo gazeta quando cursava o terceiro ano clássico no Colégio Ruy Barbosa. E foi no Lamas 2 que conheci e paquerei Célia, na mesa do Nei Hamilton, a quem pedi a mão dela.
São Paulo
Original. Rua Graúna, 137. Moema (os donos são os mesmos do Pirajá)
Pirajá. Brigadeiro Faria Lima, 64, esquina de Pedroso de Moraes. Pinheiros. Tel. (11) 815-6981. Nome dos donos: Garrido e Edgard
Rio
Adônis. Rua São Luiz Gonzaga, 2.156. Benfica. Tel. 254-2283
Florentino. Rua General San Martin, 1.227. Leblon. Tel. 274-6841
Lamas. Rua Marquês de Abrantes, 18. Flamengo. Tel. 556-0799