Julho de 1987. Por conta de desavenças na família, o poeta Ernesto Penafort foi morar uns tempos na casa-ateliê do pintor Anísio Mello. Sabendo da fixação pela cor azul que movia o amigo, Anísio Mello adquiriu uma caixa de corante alimentício na cor azul piscina e fez um risoto de camarão, usando o corante como um dos ingredientes. Anísio Mello batizou o prato de “Azul Geral”, título de um dos livros mais famosos do poeta.
Quando foi chamado para experimentar a iguaria, Ernesto Penafort ficou completamente pirado com a obra-prima onde até os camarões eram de um azul resplandecente. Comeu uns três pratarrazes, depois bebeu meia dúzia de cervejas e foi dormir, após ter elogiado a sensibilidade, o refinamento e os dotes culinários de seu anfitrião. Anísio foi dar aulas de desenho para seus alunos, nos fundos da residência.
Meia hora depois, o diretor do Instituto Brasil Estados Unidos (IBEU), que funcionava ao lado do ateliê, estava batendo na porta de Anísio Mello, completamente ensandecido:
– Seu Anísio, seu Anísio, corra que tem um inquilino seu fazendo imoralidades na janela da sua casa! Corra lá e dê um jeito no sujeito ou eu vou chamar a Polícia! O filho da puta já urinou em duas alunas e uma professora do nosso estabelecimento! – disparou o diretor.
Anísio foi ver o que estava acontecendo. Se deparou com Ernesto Penafort completamente pelado, ainda bastante bêbado, se divertindo em urinar nos transeuntes pelo janelão da frente da casa.
– Que porra é essa, Peninha! Você está ficando louco? – exasperou-se o pintor.
– Louco? Eu estou maravilhado, Anísio, maravilhado! – avisou o poeta. – Eu posso não ter o sangue azul, mas a minha urina agora tem a cor azul e quero que todo mundo saiba. Olha só!
E disparou um novo jato de urina pelo vão da janela, em direção a rua, quase molhando um rapazola que ia passando. A urina era de um azul resplandecente.
Anísio conseguiu retirar o mijão da janela, o convenceu a voltar a dormir e, na mesma hora, jogou no lixo o corante alimentício de cor azul piscina. O risoto “Azul Geral” nunca mais foi repetido.