Musicoterapia

O gurufim do Blecaute

Postado por Simão Pessoa

Por Luiz Antonio Simas

O cantor Blecaute, um dos maiores intérpretes de marchinhas e sambas de Carnaval de todos os tempos, morreu no dia 9 de fevereiro de 1983. O velório foi uma fuzarca das boas. Em certo momento um corneteiro solou, em andamento lento e tom fúnebre, o samba “General da Banda”, maior sucesso do falecido, com a solenidade exigida pela ocasião.

Logo depois o da corneta se animou, atacou de “Maria Candelária”, a alta funcionária que saltou de paraquedas e caiu na letra, emendou com “Maria Escandalosa”, outro sucesso do cantor, e transformou o cemitério em um salão dos mais animados. À exceção do próprio Blecaute, todos os presentes, numa reação em cadeia, levantaram os dedinhos e caíram no sassarico.

O lance mais inusitado da morte do Blecaute, entretanto, não foi o fabuloso baile no cemitério. Sei do acontecido porque um amigo do meu avô testemunhou o que passo a relatar. Acontece que o enterro foi no São João Batista e um fã mais afoito, disposto a se despedir do ídolo, encheu a cara, errou de cemitério e parou no Caju, ao lado de dois companheiros de copo. Os três, pra lá de Bagdá, chegaram ao concorrido velório de um capitão do Exército e, apostando que aquele mar de gente só podia estar ali para se despedir do Blecaute, invadiram a capela mandando no gogó: “Chegou o General da Banda, ê, ê / Chegou o General da Banda, ê, á”

Para horror da família do capitão, com direito a siricoticos da esposa e crise nervosa de uma amante até então discretíssima, alguns dos presentes, mesmo não entendendo bulhufas do que ocorria, acharam que era melhor cantar também. Na hora em que os bebuns, no embalo do “General da Banda”, puxaram “Pedreiro Waldemar”, que faz tanta casa e não tem casa pra morar, um familiar do morto deu o basta, foi tirar satisfações com os cachaceiros e o pau comeu.

Em meio a cenas de pugilato, a amante do defunto incorporou uma cigana e passou a dar consultas no cemitério, ao lado do túmulo do Barão do Rio Branco. A esposa deu uma de viúva das histórias do Nelson Rodrigues e desmaiou nos braços do coveiro. Os pinguços, quando perceberam a dimensão da encrenca, saíram em busca de alguma birosca.

A turma cantando para o defunto errado foi, no fundo, uma tremenda homenagem ao grande Blecaute. Não imagino prova de popularidade mais contundente. A família do milico, cá entre nós, não deveria ter se ofendido com o gurufim. O homem subiu de patente: viveu como capitão do Exército e virou, depois de morto, o General da Banda.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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