PARINTINENSE DA gema e ex-apresentador do bumbá Caprichoso, o jornalista Marcos Santos publicou no seu portal na internet (www.portalmarcossantos.com.br) um texto esclarecedor a respeito do surgimento dos bumbás de Parintins que me parece muito mais próximo da verdade factual do que o lendário urbano disseminado pelas duas agremiações:
Quando se fala na história dos bumbás Caprichoso e Garantido, os fatos propriamente ditos quase nunca são levados em conta. A rivalidade acaba prevalecendo. Há, porém, uma linha que ninguém contesta e é nessa que vamos trafegar. Noves fora o “tapa olho” do fanatismo, há um “tronco” comum entre o azul do Caprichoso e o vermelho do Garantido que se chama Boi Galante. Fundado por jovens estivadores e pescadores parintinenses, incentivados por José Furtado Belém, influente político da época (pai do deputado estadual Júlio Belém, nome do aeroporto de Parintins), o bumbá Galante reunia os festeiros da cidade.
Lindolfo Monteverde atravessava a cidade, de sua casa, na Baixa da Xanda (Xanda era o apelido de Dona Alexandrina, mãe dele, e o local foi depois transformado em Baixa do São José), local onde ainda existe o chamado “curral tradicional” do Garantido, até a Avenida Rio Branco, para tirar versos nesse bumbá. Parintins era praticamente uma vila. Não havia ruas, só veredas para serem percorridas a pé, no meio da mata.
Para piorar, quando Lindolfo chegava ao curral do Galante, seu principal adversário, o pescador Nascimento, havia ocupado o lugar de amo e tirava os versos que eram o ponto forte do bumbá. Chegou uma hora que Lindolfo e seus companheiros – a “viagem” da Baixa à Rio Branco era feita em grupo – decidiram criar o próprio bumbá. Nascia o Garantido.
No ano seguinte, percebendo que o nome tinha apelo popular, os integrantes remanescentes do Galante decidiram mudar a denominação para Caprichoso. Estavam postos os rivais que fazem a história do Festival de Parintins.
A maior polêmica está no ano em que isso aconteceu. O Garantido comemorou o centenário de Lindolfo Monteverde em 2002, ou seja, ele nasceu em 1902. A linha oficial adotada pelo bumbá é de que a criação do mesmo ocorreu em 1913. Ora, isso significaria que Lindolfo o fundou aos 11 anos de idade. Chico da Silva, na toada “Sonho de Liberdade”, de 2002, afirma: “Boi Garantido / É histórico, é sabido / que mestre Lindolfo Monteverde / aos 18 anos de idade contigo sonhou / Boi Garantido, sonho de Lindolfo Monteverde / Do poeta a oitava maravilha / Se realizou”.
Aí tudo vira uma questão matemática: 1902 + 18 = 1920. O Galante deve ter sido fundado por volta de 1918, o Garantido em 1920 e o Caprichoso em 1921. É possível dizer, como o azul e branco é herdeiro do bumbá original, que ele é o pioneiro da cidade. Mas como o vermelho e branco foi o primeiro a adotar o nome atual, também ele pode afirmar ser o primeiro da Ilha Tupinambarana.
Logo, essa história de 1912-1913, como datas de fundação dos bumbás, é mero fanatismo, sem qualquer base histórica. O que não dá para ignorar é que, ambos, têm suas raízes em pescadores e estivadores, pessoas muito humildes, responsáveis por cultivar a semente da árvore frondosa que hoje é o Festival de Parintins.
Há ainda outros fatos que marcam a linha de tempo da festa parintinense. A Igreja Católica de Parintins está na base de tudo. Disposta a arrecadar recursos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, imponente construção erguida na “Broadway” (trecho da Avenida Amazonas, a principal de Parintins), a Juventude Alegre Católica (JAC) criou o Festival Folclórico, em sua quadra de esportes. O local ficou pequeno e a festa “passeou” pela quadra do Ipasea, Parque das Castanholeiras e o estádio de futebol municipal Tupy Cantanhede. O bumbódromo teve a sua primeira versão em madeira.
O aeroporto da cidade ficou bem no meio da área residencial e foi transferido para o local atual. Sobrou uma área de terra imensa, sem qualquer utilização, que o prefeito de então, Gláucio Gonçalves, conseguiu matricular no patrimônio da cidade.
Gláucio ofereceu a cabeceira que dá para o lado “de cima” da cidade ao Garantido, para a construção de seu curral, enquanto o “lado de baixo” foi ofertado ao Caprichoso. Fiel à toada que diz “Nunca mudou de fazenda / nem de dono ou de curral”, o vermelho recusou.
O Caprichoso aceitou na hora a área que hoje é o curral Zeca Xibelão. Mais tarde, percebendo o erro cometido, o Garantido recebeu ajuda dos seus simpatizantes mais endinheirados e governamentais para comprar a Cidade Garantido, no local atual, onde antes funcionou a Fabriljuta, indústria de tecelagem de juta.
Em 1988, mesmo diante do ceticismo dos que achavam a obra faraônica, o governador da época, Amazonino Mendes, hoje prefeito de Manaus, construiu o Bumbódromo atual, com capacidade para 12 mil espectadores. O local recebeu mais de 30 mil pessoas e, depois da festa, os ferros retorcidos da estrutura mostraram como o Festival Folclórico de Parintins cresceu além das expectativas. Por pouco o Bumbódromo não caiu no ano da estreia.
O Garantido cultiva muito bem a memória de seu fundador, Lindolfo Monteverde. Ao Caprichoso falta um pouco mais de respeito às memórias de Boboí, dos irmãos Cid e de Luiz Gonzaga. Este, da década de 1930 até a de 1960, quando faleceu, embaixo da alegoria Dona Aurora, foi o grande responsável pela manutenção do bumbá. Tire-se o fanatismo, e o resumo da história dos bumbás é isso aí.
Enfim, uma história dos bumbás de Parintins com um ciclo de fatos reais…parabéns ao jornalista Marcos Santos e ao Simão Pessoa.