Balangandãs de Parintins

A caldeirada de jaraqui salmourado de Antônio Belém

A mansão colonial da Ilha da Pavulagem
Postado por Simão Pessoa

Setembro de 2020. Aproveitando um belo sábado de sol, o compositor Carlos Paulain, por volta das 11h, convenceu o masterchef Antônio Belém a preparar a sua famosa caldeirada de jaraqui salmourado na Ilha da Pavulagem, de propriedade do compositor, localizada na ilharga da Ilha do Boré, no Lago Parananema, em Parintins.

Precavido como sempre, o compositor levou junto o seu segurança Ronaldo Geladeira, reputado como um dos melhores coiotes de pata branca do município.

A Ilha da Pavulagem ainda não é um Boré Resort (onde rola o festival de música eletrônica Parintins Sunset, durante o festival), mas dá pro gasto.

Quando o lago enche, a residência fica a dois palmos da água. Quando o lago seca, aparece um bonito descampado no entorno da casa. É um paraíso tropical.

Enquanto o masterchef Antônio Belém foi preparar o rango, Paulain e Geladeira foram se embriagar na área de lazer da moradia e conversar fiado. Simples assim.

Duas horas depois, quando a caldeirada começou a pegar gosto (Sim, dá trabalho: Belém primeiro refoga o alho e a cebola para depois cozinhar os vegetais e legumes – couve, repolho, jambu, pimenta de cheiro, jerimum, quiabo, maxixe, batata doce, macaxeira e cenoura –, e só então acrescentar os condimentos – alecrim, colorau, açafrão, pimenta do reino, etc) e o masterchef colocou os 15 jaraquis salmourados na panela, o coiote Ronaldo Geladeira dá um toque pro Paulain:

– Mano, nem te digo, mas acho que a caldeirada desandou! O Belém colocou Sazón, que eu vi! Sazón, carálio! Aquilo é só pra carne e galinha, ninguém põe aquela imundície em peixe! Só deu pro nosso… O caldo do peixe vai ficar doce que nem garapa… Puta que pariu, estamos fodidos!

O masterchef Antônio Belém

Cabreiro com a informação do seu xis-nove particular, Carlos Paulain esperou uns dez minutos e resolveu testar a gororoba.

– Parente, coloca um pouco desse caldo aí pra mim! – pediu do masterchef.

– Porra, Carlinhos, agora que está pegando o gosto! – devolveu Antônio Belém. – Eu vou te dar só um pouquinho para tu provar, mas ainda não está pronta, não…

O masterchef colocou uma concha de caldo e um pedaço de rabo de jaraqui num prato e entregou ao compositor. Paulain começou a comer e não resistiu:

– Porra, está uma delícia! Êi, Geladeira, você mentiu pra mim… Não está doce porra nenhuma…

O xis-nove Ronaldo Geladeira

Antônio Belém ouviu aquilo, parou de mexer a panela e foi pra cima do compositor:

– Que conversa de doce é essa, parente?

Carlos Paulain, nervosíssimo:

– Não é nada, não. É que o Geladeira disse que você colocou Sazón e que aquilo é só pra carne e galinha, não combina com peixe, não… Se colocar no peixe, o caldo fica doce…

Antônio Belém ficou transtornado. Se dirigindo ao Geladeira, puto da vida, ele deu um papo reto:

– Escuta aqui, ô filho da puta! Eu sou cozinheiro profissional! Eu uso Sazón até em Sopa de Mocotó, carálio! Eu uso Sazón pra tudo, até na cabeça do pau se for preciso pra comer teu cu…

Aí, como se tivesse incorporado o Exu Tranca Ruas, tirou a panela do fogão, jogou tudo no terreiro existente no quintal da residência e vociferou:

– Não gostam de Sazón? Não gostam de Sazón? Então, vão comer na puta que pariu!

Os cachorros, patos e galinhas avançaram naquele banquete providencial e comeram à tripa forra.

Na sequência, provavelmente para não ter de passar a peixeira no bucho do Geladeira, Belém entrou dentro de uma rede e foi dormir.

Carlos Paulain e seu xis-nove particular estavam à beira de um ataque de nervos, mas não reagiram. A tragédia podia ser bem maior.

A Ilha da Pavulagem

Por volta das 13 horas, acometidos de uma fome tirana de anteontem, Paulain e Geladeira foram à luta. Encontraram duas piranhas vermelhas no freezer, que deviam estar ali desde a Idade do Gelo.

Geladeira fez o fogo, descolaram uma frigideira e se dispuseram a fritar as bichinhas. Mas, infelizmente, a porra das piranhas ainda não estava temperada.

Com um trabuco na mão, Paulain obrigou Geladeira a fazer o trabalho sujo: perguntar do prestativo Belém onde estava o sal.

Geladeira se aproximou da rede bem devagarinho, deu uma chacoalhada básica e abriu o coração:

– Parente, não me leve a mal, mas onde está o sal?…

Sem abrir os olhos, Antônio Belém apenas se virou na rede, ficando de peito pra cima, e disparou:

– Sal?!… Sal?!… Tem aí na cabeça do meu pau… Chupa essa fruta, filho da puta!…

E voltou a dormir.

Geladeira saiu correndo de lá.

Depois de muito procurar, Paulain encontrou dois pacotinhos de Tempero Sazón Sabores do Nordeste, recomendado pelo próprio fabricante para preparo de peixes e frutos do mar.

Era a sobra dos mesmos sachês que Belém havia usado na caldeirada.

Foi com eles que temperaram as duas piranhas, fritaram e comeram.

Adianta confiar em xis-nove que não tem curso de culinária?…

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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