FILHO DE Raul Góes e Lucila Rolim, o músico e compositor Frederico Daniel Paulo Rolim de Góes, mais conhecido como Fred Góes, nasceu em Parintins no dia 18 de junho de 1948. Por parte do pai, possuí descendência portuguesa e holandesa (Goes é uma cidade e município no sudoeste da Holanda, em Zuid-Beveland, na província de Zeeland). Por parte da mãe, herdou o sangue miscigenado de negros e cabocos.
Fred Góes passou a infância e o início da adolescência em Parintins, mas logo depois se mudou para Manaus, como interno da Escola Técnica Federal de Manaus, onde cursou o Ginásio Industrial Básico, com especialização em marcenaria. Disposto a ser um grande “luthier”, ele não só construiu seu primeiro violão artesanalmente, como aprendeu a tocar o instrumento sozinho.
Em 1965, aos 17 anos, Fred Góes se mudou para São Paulo na busca do velho sonho de se transformar em músico profissional e viver da própria arte.
Alguns anos depois, ele se juntou a alguns músicos latinos exilados em Sampa e formou o “Grupo Chasky”, cujos integrantes eram o próprio Fred, Guillermo Noriega, Enzo Merino, Carlitos Demutti e Oscar Segovia.
Paralelamente, Fred, Enzo, Oscar e Celsinho Ribeiro formaram o “Grupo Machitún”. Os dois grupos tocavam a chamada “música folclórica latino-americana de raiz”.
Foi o equatoriano Vicente Guillermo Noriega que ensinou Fred Góes a tocar charango, uma espécie de cavaquinho típico dos grupos musicais andinos e acompanhamento preferencial da ubíqua flauta de Pã peruana conhecida como zampoña.
Homem de mil instrumentos, Fred começou a estudar jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e trabalhar como “foca” em grandes jornais como “O Diário Popular” e “Jornal de Tarde”. Entre outras façanhas, ele recebeu, juntamente com uma equipe de 35 repórteres, o Prêmio Esso de Jornalismo, pela cobertura do incêndio do Prédio Joelma.
Em fins de 1979, o visionário empresário Enrique Bergen, argentino radicado no Brasil, teve a feliz ideia de formar um grupo de música latino-americana que se sobressaísse dos padrões corriqueiros da época, quando os grupos do gênero mantinham características primordialmente folclóricas em seus repertórios e formações.
Surgia o grupo “Raíces de América”, formado por Fred Góes, Enzo Merino, Oscar Segovia, Júlio Peralta, Isabel Ribeiro, Celso Ribeiro, Tony Osanah, Mariana Avena e Willy Verdaguer.
O grupo Raíces de América nasceu praticamente junto com a gravadora Eldorado, unindo músicos encantados com a proposta de resgatar a música latina produzida na região e que falasse da vida e dos problemas latino-americanos, de um povo vivo e de cultura vibrante, sem buscar os estereótipos fáceis que reforçam a região como subdesenvolvida e eternamente bucólica e atrasada. No repertório, ao lado de composições próprias, o grupo cantava Violeta Parra, Vinicius de Moraes, Gilberto Gil, Chico Buarque e Milton Nascimento.
Em 1980, tendo a lendária Mercedes Sosa como madrinha e como diretor o famoso Flávio Rangel, o Raíces de América estreou em São Paulo um espetáculo maravilhoso que contava com performances e arranjos ricos e modernos, iluminação, figurino e cenografia elaborados especialmente para o show. As músicas eram permeadas por leitura de poemas feitas pela atriz Isabel Ribeiro, já falecida.
Durante os ensaios, Flávio Rangel sugeriu ao grupo que incluíssem no repertório dois de seus primeiros sucessos: “Guantanamera”, de José Marti, e “Disparada”, de Theo de Barros e Geraldo Vandré. Do primeiro disco, gravado com o sucesso do espetáculo, os destaques eram, além das duas canções citadas, a pastoral “El Condor Pasa”, de Daniel Robles, valorizada pela voz melancólica da cantora portenha Mariana Avena, e “Cantor de Ofício”, de A. Morelli. O sucesso de público conquistado pelo Raíces de América foi imediato.
Não custa lembrar que o início dos anos 80 foi marcado no Brasil pelos processos de reabertura política e pela reintrodução das eleições diretas, o que aproximou a proposta do grupo às demandas da população brasileira.
Um novo disco foi gravado no ano seguinte trazendo pérolas como “Los Hermanos”, de Atahualpa Yupanqui, “Volver a Los 17”, de Violeta Parra, “Guajira Para Esperança de América”, de Oswaldo Avena e Enrique Bergen, “La Ciudad”, de Enzo Merino, Oscar Segovia e Fred Góes, e “Pássaro Cativo”, de Celso Ribeiro.
Em 1982 o grupo conquistou o segundo lugar no Festival MPB Shell promovido pela Rede Globo de Televisão com a música “Fruto do Suor”, de Tony Osanah e Enrique Bergen. A canção cativou principalmente os imigrantes latinos radicados no Brasil e foi o carro-chefe do terceiro álbum do grupo também chamado “Fruto do Suor”. Além da faixa-título, o álbum continha “Pedro Nadie”, de Piero e José, “O que Será”, de Chico Buarque e “Soy Loco Por Ti América”, de Gilberto Gil e Capinam.
Com a saída das vozes de Mariana Avena e Tony Osanah, substituídos respectivamente por Lídia Tolaba e Jota Mariano, o grupo grava “Dulce América”, com destaque para as versões de “O Cio da Terra”, de Milton Nascimento e Chico Buarque, “Nada Será Como Antes”, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, e “Rosa de Hiroshima”, de Vinicius de Moraes e Gérson Conrad.
Em 1985, logo após a gravação desse disco, Fred Góes deixa o grupo e começa uma nova carreira musical em companhia do músico Zeca Bahia, com quem dividia um apartamento em Sampa. Falecido há alguns anos, Zeca Bahia era autor de “Porto Solidão”, um sucesso estrondoso na voz do cantor Jessé (“Se um veleiro / Repousasse / Na palma da minha mão / Sopraria com sentimento / E deixaria seguir sempre / Rumo ao meu coração”).
No mesmo ano, após uma apresentação da dupla no Teatro Amazonas, os dois vão a Parintins para assistir pela primeira vez o festival (quando Fred saiu de Parintins, no início de 1965, o festival ainda não existia). Os dois amigos ficaram em êxtase. Zeca Bahia resolveu voltar para São Paulo, mas Fred Góes ficou em Parintins, onde montou e editou o jornal semanal “O Parintins”.
O envolvimento de Fred Góes com o “dois-pra-lá-dois-pra cá” foi paulatino e bastante comedido. Ele trazia a experiência da montagem de grandes espetáculos musicais e era dessa forma que pensava em transformar as apresentações do Garantido, mas os “tradicionalistas” não queriam saber de mudanças. A insistência do jornalista acabou prevalecendo.
Entre outras coisas, foi Fred que introduziu o charango no acompanhamento das toadas do bumbá Garantido – alguns anos depois de o Caprichoso ter feito o mesmo por Sylvio Camaleão, que havia aprendido a tocar o instrumento tomando aulas com o próprio Fred.
Fred também contribuiu decisivamente para que as letras das toadas se tornassem mais poéticas, melódicas e criativas, introduzindo a harmonização vocal nas gravações do primeiro disco do Garantido.
Em 1996, com o festival de Parintins entrando no seu momento mais criativo e se transformando em referência internacional, Fred Góes dá outra tacada de mestre: junto com o também músico Sidney Resende, ele arregimenta um grupo de músicos da ilha e repagina o Regional Vermelho e Branco, o primeiro grupo do Garantido a se apresentar em shows acústicos antes e depois do festival de Parintins e o primeiro grupo a gravar um CD de toadas.
Para Fred, aquela era uma maneira legítima de os músicos permanecerem em atividade independente da sazonalidade do festival. E pelo número de “grupos de boi” que surgiu depois do Regional Vermelho e Branco, essa também foi uma iniciativa vitoriosa.
Atual presidente do touro branco, o caboco Fred Góes é pedra de responsa. Tê-lo como amigo é simplesmente uma dádiva divina.