Balangandãs de Parintins

O castigo divino da padroeira de Faro

Postado por mlsmarcio

O rio Nhamundá, também conhecido por Jamundá ou Cumuri, é um afluente da margem esquerda do rio Amazonas, que divide os Estados do Pará e do Amazonas. Abaixo da confluência com o rio Paracutu, o rio Nhamundá atinge uma largura considerável, formando um lago que ultrapassa 40 km de comprimento e 4 km de largura.

No lado paraense fica a cidade de Faro, reputada como a capital nortista da bruxaria e terra dos muiraquitãs. No lado amazonense, em uma ilha, fica a cidade de Nhamundá, considerada o berço natal das iacamiabas, nome indígena das lendárias guerreiras Amazonas. As duas cidades, uma de frente pra outra, são muito influenciadas culturalmente pela cidade de Parintins.

Em meados dos anos 90, quando a badalada toada “Vermelho”, de Chico da Silva, começou a despontar no cenário musical nacional, após ter sido gravada pela cantora Fafá de Belém, o levantador de toadas David Assayag foi convidado para fazer uma apresentação musical na cidade de Faro. Ele faria a inauguração de uma filial do curral do Garantido, iniciativa da colônia amazonense ali radicada.

Movidos pela velha rivalidade, os paraenses resolveram melar a inauguração do curral do bumbá e programaram para realizar no mesmo dia um festival de carimbó e siriá. Eles escalaram para a empreitada Pinduca e sua banda e, de quebra, os grupos Os Baioaras, Verequete, Fruta Quente e Kumatê. A briga prometia.

Faltando um dia para o confronto, David Assayag ficou gripado e convocou o cantor Tony Medeiros para substituí-lo na tarefa. O amo do boi Garantido, em companhia do seu fiel escudeiro Zaka, se mandou para Faro no dia seguinte. Os produtores só iam ficar sabendo da mudança na hora em que começasse o show.

Quando desceu do barco, Tony Medeiros sentiu logo o clima de guerra na cidade. Para cada faixa anunciando o show de boi-bumbá, havia dez anunciando o show de carimbó. Para completar, todo mundo sabia quem era David Assayag, mas pouca gente conhecia os dotes vocais do novo cantor. Ele circulava pela cidade como um autêntico desconhecido.

Ex-seminarista, Tony Medeiros entrou na primeira igreja que encontrou. A casa de oração estava praticamente deserta, com apenas duas beatas orando, compenetradas, próximas do altar. Tony ajoelhou-se no primeiro banco depois da porta de entrada e começou a rezar, com fervor religioso. Zaka ficou só na mutuca.

Depois de 45 minutos de preces, Tony levantou-se, dirigiu-se até o oratório, abriu a carteira, tirou uma nota de 50 paus e colocou na caixa de doações pra igreja. Zaka deu um pulo:

– Êi, compadre, que bobeira é essa? Você ficou maluco? – questionou. – Cumé que você dá 50 paus pra uma santa que a gente nem sabe quem é? Se pelo menos fosse pra Nossa Senhora do Carmo, que é nossa considerada lá de Parintins…

Tony fez que não ouviu. Os dois voltaram para o barco, com Zaka cada vez mais emburrado. Por volta das 10 da noite, Tony vestiu seus parangolés e, em companhia de Zaka, foi à luta.

Quando chegaram no curral do Garantido, havia umas cinquenta pessoas (os produtores esperavam duas mil) reclamando ostensivamente do atraso do show. Ao ser anunciado que “por motivo de força maior David Assayag não pudera vir, mas que seria substituído pelo talentoso Tony Medeiros, amo oficial do boi Garantido”, metade dos presentes foi embora.

Tony Medeiros acabou fazendo um show intimista para meia dúzia de gatos pingados. Em compensação, o show de carimbó dos paraenses “bombou” com mais de quatro mil pessoas. O amo do Garantido está convencido até hoje de que foi castigo da santa por causa da desfeita do Zaka. E nunca mais colocou os pés na cidade de Faro.

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